A venda de plasma e o custo de oportunidade, por Luiz Alberto Melchert

Se o sangue é essencial à vida e o indivíduo abre mão de seu estoque em troca de um valor, atribui a si próprio um preço finito.

Agência Brasil

Ecosofia

A venda de plasma e o custo de oportunidade

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Três anos atrás, o então presidente do Banco do Brasil declarou que o valor da vida humana não é infinito. Ou seja, ele pode ser determinado, portanto, a vida pode ser trocada por um outro bem que se possa julgar de valor maior, pelo menos equivalente. Nos anos 1970, quando este autor cursava Economia, a matéria era definida como “A ciência das opções”, ou seja, o ramo do conhecimento que estuda o comportamento do Homem frente à escassez de recursos perante a infinitude das necessidades humanas. Hoje, a definição é muito mais ampla e de cunho muito mais social. Pode-se definir como o ramo da filosofia que discute a geração e a distribuição da riqueza pela sociedade como conjunto maior. A ideia de que se tem que prescindir de algo para satisfazer um desejo ou uma necessidade continua permeando as discussões acadêmicas pelo mundo a fora. As escolhas podem ser individuais, como descrevia Adam Smith ao afirmar que um trabalhador que se decidia por ser tecelão, forçosamente deixava de seguir quaisquer outras carreiras, inclusive as que pagavam melhor. Supondo que ele pudesse ser ferreiro, o custo de oportunidade de ser tecelão seria igual ao salário da carreira que rechaçou.

Mas não foi Smith quem cunhou o termos, foi o economista francês Jules Dupuit, termo que foi amplamente usado por verdadeiros gigantes do pensamento econômico como Alfred Marshall. Foi por aquele tempo que, por questões de facilidade, aproveitando a premissa de que o agente econômico passa seus dias decidindo entre investir e poupar, passou-se a disseminar a ideia de que o custo de oportunidade seria expresso pela taxa de juros. Quanto maior ela fosse, maior seria a propensão do agente para continuar poupando em vez de correr o risco de investir em algum outro negócio. Acontece que há atividades econômicas já em curso. Isso afasta a veracidade de se poder expressar tão simplistamente o custo de oportunidade. Nesse caso, o custo de oportunidade é o menor preço pelo qual o produtor entrega seu produto, é o valor abaixo do qual ele prefere mantê-lo no estoque, quando não o destruir.

A partir do momento em que se legaliza a venda do plasma, que só se obtém pela extração do sangue, transforma-se  a vida humana em um negócio já em andamento. Considera-se o corpo humano como uma fábrica cujo produto está sujeito à lei da oferta e da procura. Ora, se o sangue é essencial à vida e o indivíduo abre mão de seu estoque em troca de um valor, seja ele qual for, atribui a si próprio um preço finito. O pior é que o indivíduo não é formador de preço porque o plasma, resguardando-se sua variedade em tipos conhecidos, torna-se uma commodity. Assim como ocorre com as commodities, a probabilidade de se formar um cartel intermediário é enorme, visto que não se venderia sangue braço a braço, porém, via bancos de sangue, tal e qual acontece com a soja ou com o milho que dependem de uma trading.

Aí entra um outro fator, a premência. Uma pessoa, para decidir por abrir mão de qualquer quantidade de sangue por dinheiro, demonstra premência na obtenção de recursos; ao passo que quem depende dele, provavelmente, corre risco de vida, portanto, com premência maior ou igual à do fornecedor. A premência só não atinge o intermediário, que passa a ter poder para baixar o preço para quem precisa vender e aumentar para quem precisa dele para sobreviver. Resumindo, já é um mercado que nasce distorcido e só produz miséria como aconteceu no Haiti dos anos 1970. Foi quando a venda de sangue tornou-se um problema de saúde pública devido a males advindos da anemia constante da população.

Este texto poderia abranger questões morais como não haver diferença entre vender sangue, um pé, uma perna ou um rim. Poderia ainda considerar que a ideia em si vem de uma divisão entre pessoas entre duas classes, as tão necessitadas que precisam vender um pedaço de si mesmas e as tão privilegiadas que podem pagar pela posse de um órgão alheio. Se for o sus a comprar esses órgãos, a coisa piora porque, no mínimo, o estado se torna sócio em tamanha vilania. A intenção aqui, no entanto, é expor que, mesmo aos olhos do mais frio economista, a ideia de se liberar a venda de plasma não se sustenta em âmbito social ou civilizatório.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador