Economia x Aviação, uma questão de igualdade, por Luiz Alberto Melchert

Os modelos econômicos tentam explicar o comportamento humano perante os eventos de sua vida material, usando variáveis

Divulgação – Legacy 600

Ecosofia

Economia x Aviação, uma questão de igualdade

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

O dia 29 de setembro de 2006 é de triste lembrança porque um Embraer Legacy 600 derrubou um Boeing 737, matando todos os seus passageiros, enquanto os ocupantes da primeira aeronave nada sofreram. Não cabe aqui discutir o acidente em si, assunto para os técnicos do setor e autoridades da área, mas fazer uma analogia com o que acontece na economia. Não houve uma pré seleção de quem iria morrer e quem iria sobreviver, mesmo que o acidente possa ter sido provocado por erros humanos totalmente evitáveis. O fato é que aviões decolam e pousa milhões de vezes por ano, transportando bilhões de pessoas com segurança  pela face da Terra. Por que não se consegue transpor essa eficiência para a economia?

Os aviões não caem porque sua eventual queda tem duas características peculiares, materialidade e universalidade. A materialidade vem de que é um evento invariavelmente explosivo, mesmo que a aeronave não exploda na acepção da palavra. A universalidade vem de que, por mais que se possa tentar negar, todos os envolvidos correm o mesmo risco. Resumindo, exceto nas guerras, quando menos é mais, ninguém ganha com a queda de um avião.

Aí, para evitar acidentes e até mesmo que um dos pilotos resolva cometer suicídio, levando todos a bordo com ele, cria-se o chamado “envelope de voo”. É uma tentativa de tornar a aeronave à prova de desmandos. Para isso, usam-se todos os conhecimentos de ciências naturais, física, química e biologia, tudo aliado à mais pura lógica matemática. Essa lógica, quando trazida para a prática, chama-se algoritmo, indicando o comportamento a ser tomado independentemente da vontade ou do pensamento momentâneo dos agentes. Os modelos econômicos tentam explicar o comportamento humano perante os eventos de sua vida material, usando variáveis como renda, preço, taxa de juros, taxa de câmbio etc. Eles tentam traduzir as decisões dos agentes como se fossem puramente autônomas e que os interesses individuais não pudessem afetar o rumo da História.

A partir da aceitação dos modelos como válidos, criam-se políticas padrões que, ao falharem, encontram nas variáveis não consideradas a causa do fracasso. Mantém-se o modelo incólume, imune a críticas. Um exemplo é a máxima de que o aumento da taxa de juros combate a inflação. Aumenta-se 0,25 pontos percentuais, não funciona; aumenta-se mais 0,25 pontos e continua não funcionando e continua-se aumentando sucessivamente até que surja o efeito. Ocorre que esse é um  “medicamento cujo resultado não é imediato e, fatalmente, quando ele surge, é porque se exagerou na dose, o que provoca efeitos colaterais muito mais perversos do que os da inflação que o tratamento pretendia mitigar. É que não se criou um algoritmo que mantenha a economia num curso estável e previsível. A taxa de juros continua sendo decidida com base em informações do Relatório Focus, que enseja reuniões em que se vota por subir ou descer a taxa básica de juros e determinar seu viés. Isso equivale a um avião sem piloto automático e sem comandante, em que todas as decisões sejam fruto de reuniões e votações com a aeronave voando a 900 km/h. Quando a decisão for tomada a aeronave estará, provavelmente, no chão e com seus ocupantes, no mínimo, feridos.

Cabe aos economistas determinar algoritmos que assumam o papel do piloto automático, tal que a tripulação intervenha somente em casos extremos. Uma sugestão é que a taxa  de juros seja determinada pela inflação passada e uma percentagem do crescimento da economia num período– digamos – dos últimos doze meses. Os ajustes poderiam ser – digamos – mensais e a percentagem poderia ser de 70% do crescimento. Assim, para uma taxa de inflação de 3% ao ano e um crescimento de 2%, a taxa automática de juros seria de 4,44%, para uma inflação de 6% e um crescimento de 4% nos últimos doze meses, a taxa subiria automaticamente para 8,97%. Isso garantiria duas coisas, que os papéis do governo sejam sempre remunerados e que a economia cresça sempre mais do que a dívida pública, mantendo-se a responsabilidade fiscal. A exemplo da tripulação de um aeronave, o papel do Copom seria o de monitorar e tomar medidas somente em caso e acidente eminente, deixando a subserviência ao mercado financeiro de cujos relatórios tomam as informações.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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  1. A questão crucial é que o Banco Central, está para o mercado, como os anjos nas crenças religiosa, estão para Deus. Ou seja: São apenas enviados, portanto, obedientes ao deus mercado. Os bancos centrais nasceram para protejer os mercadores de dinheiro, o resto é estória para boi dormir.

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