Elucubrações sobre a natureza da moeda II, por Luiz Alberto Melchert

Economistas da Escola de Chicago, capitaneados por Milton Friedman, acreditam que a taxa de juros é a principal forma de controlar a inflação.

Moedas, dinheiro, Real. Brasilia, 03-09-18. Foto: Sérgio Lima/Poder360

Elucubrações sobre a natureza da moeda II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

No século XIX, o entendimento da moeda como confissão de dívida foi compartilhado por David Ricardo (1772 – 1823) e John Stuart Mill (1806 – 1873). Karl Marx (1818 – 1883) foi além, entendendo a moeda como uma forma de poder, seja via acumulação de capital, seja como meio de exploração do trabalhador. Sem a moeda, que ele chamava de dinheiro, não haveria como quantificar a mais valia. Isso não significa, porém, que ele não entendesse que a moeda tinha que corresponder a uma promessa de pagamento pelo emissor. Ele acrescentou as funções que ela passava a exercer durante sua circulação num ambiente capitalista.

Não se sabe exatamente quando os conceitos de ativo e passivo tiveram sua adoção generalizada. Isso, aliás, é objeto de investigação intensiva por parte dos pesquisadores em História da Contabilidade, mormente a Profa. Dra. Angélica Vasconcelos. Até onde ela conseguiu ir, o primeiro balanço segregado entre ativo e passivo foi encontrado num livro-texto de 1829, (Tratado Sobre Escrituração Comercial), publicado em Lisboa, traduzido do francês por Antonio Rodrigues da Silva. O que se sabe é que esses conceitos são inerentes à adoção do regime de competência.

Provavelmente, Ricardo, por ser operador da bolsa de Londres, e Stuart Mill, por ter trabalhado na cia das Índias Orientais, já tivessem esses conceitos em mente, mas em publicações genuinamente escritas sobre Economia, esses dois conceitos só apareceram explicitamente em obras de John Maynard Keynes (1883 – 1946) e Michael Kaleki (1899 – 1970), já no século XX. É que ambos, mais o primeiro que o segundo, entendiam que se poderia usar a moeda para adquirir títulos de dívida em âmbito público ou privado. Essas transações afetariam somente a composição do ativo, sem reflexo no passivo. Haveria a simples troca de um ativo de liquidez imediata por outro de liquidação futura, mediante expectativa de remuneração. Assim, aumentando os gastos do Governo mediante o lançamento de títulos públicos no montante do excedente da arrecadação de impostos, seria possível incentivar o nível da atividade econômica. A consequência seria um aumento da dívida pública, requerendo dispêndio futuro para o pagamento de juros sobre os títulos emitidos no presente.

Entender essa evolução torna-se importante para que  tenhamos uma ideia de como os juros passaram a ser manipulados para controlar o nível de atividade econômica.

Na medida em que a moeda seja capaz de comprar títulos públicos mediante uma remuneração atraente, supõe-se que a quantidade em circulação caia, elevando seu valor intrínseco relativamente ao seu valor extrínseco. Espera-se que, dessa forma, seja necessário despender menos moeda para adquirir bens e serviços, consequentemente, reduzindo a escalada do nível de preços. Os economistas da Escola de Chicago, capitaneados por Milton Friedman (1912 – 2006) acreditam que a taxa de juros é a principal, quando não a única, forma de controlar a inflação.

Ocorre que existe um paradoxo implícito nesse mecanismo. Como se analisou no capítulo anterior, a moeda, como confissão de dívida será tão capaz de comprar bens e serviços a preços estáveis quanto maior for a credibilidade que seu emissor tiver no mercado. Por outro lado, quanto menor for a credibilidade do devedor, maior será o preço que ele pagará pelo dinheiro, na medida em que o risco de não pagamento deva ser compensado. Assim, parece um contrassenso usar a elevação da taxa de juros para controlar a inflação pelo simples motivo de que, em aumentando a taxa de juros, o estado mina sua credibilidade do mercado, credibilidade essa que garante o poder de compra da moeda. Esse paradoxo será estudado mais pormenorizadamente no próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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