Os novos desafios geopolíticos e a sustentabilidade do ecodesenvolvimento
por Marilza de Melo Foucher
Hoje é difícil pensar o Brasil ignorando as mudanças da geopolítica mundial. Se anteriormente a geopolítica não tinha um impacto mais ou menos direto nas variáveis regionais, torna-se atualmente impossível excluir desse debate questões referentes ao meio ambiente, à demografia, às epidemias (que se transformaram em pandemias), aos recursos naturais, ao aquecimento global etc. Trata-se de variáveis que saem da esfera local para se tornarem verdadeiros desafios globais.
É possível dizer, em certa proporção, que atualmente a geopolítica possui uma estreita relação com a biodiversidade e com o desenvolvimento sustentável. E, mais do que nunca, destaca-se a necessária atenção para a mercantilização da ecologia, considerando-se que nem sempre a lógica da racionalidade econômica respeita a preservação dos ecossistemas. Conclusão: o risco da intensificação de apropriação destrutiva dos recursos naturais exige vigilância.
Desde os anos setenta do século XX, emergia a questão da exploração sem limites do planeta Terra. O relatório Brundtand, publicado na década seguinte, em 1987, chamado “Nosso futuro comum”, abordava o desenvolvimento com os “deveres para as gerações atuais de transmitir um mundo habitável, viável e reprodutível”. Nascia então, um novo paradigma de desenvolvimento sustentável que se popularizou na década de 1990. Hoje, a realidade em que se encontra o Planeta Terra é a prova de que a governança mundial não aderiu plenamente ao conceito de sustentabilidade. Os países desenvolvidos não estão dispostos a questionarem seu modelo econômico, condição necessária para criar uma chance de manter o aquecimento global em 1,5°C, segundo informações sobre a evolução do clima proferidas pelo Grupo Intergovernamental de Peritos-GIEC.
Infelizmente, ainda prevalece a visão neoliberal do desenvolvimento econômico que ultrapassou e esgotou seus próprios limites. Este modelo se tornou globalmente inadaptado, transformando-se em ameaça ao meio ambiente, aumentando a desertificação e provocando a fome de milhares de seres humanos. A OMS, desde 2016, já previa que entre 2030 e 2050 a mudança climática levaria a quase 250.000 mortes adicionais por ano. As consequências das alterações climáticas se traduzem no aumento dos casos de desnutrição, malária, diarreia e stress causados pelo calor, que hoje representa a principal causa de morte entre crianças com menos de 5 anos.
Passaram-se décadas, houve mudança de século e ainda a humanidade se vê confrontada às catástrofes econômicas e ecológicas. Assiste-se, hoje, uma danificação da biosfera, desastres naturais excepcionais, como secas, enchentes, ciclones e tempestades etc. A tendência, segundo estudos do GIEC 2021, é que estas calamidades naturais aumentarão, o que certamente levará a fluxos migratórios e emergências humanitárias em grandes áreas do planeta. É bastante fácil perceber que uma forte vaga de calor num período de 10 dias é suficiente para causar danos irreversíveis às culturas, gerando grandes dificuldades económicas que impactam a resiliência e a segurança alimentar dos territórios.
Apesar de inúmeras reuniões de cúpula e incontáveis convenções internacionais, as instâncias ligadas à ONU não conseguiram, até hoje, mudar as regras da globalização excludente. Ressalta-se que o espaço de decisão “Onusiano”, restrito às grandes potências, se transformou em uma excelente tribuna para os atores globais assumirem a defesa do novo conceito de desenvolvimento sustentável, potencializando uma conciliação entre economia, vida social e meio ambiente.
O despertar de uma consciência ecológica
A adesão da opinião pública internacional à questão ambiental é um fato positivo, produzindo pressão cada vez maior sobre os representantes políticos. Pressão eficaz, a julgar pela evolução de alguns governantes e estadistas sobre o debate ecológico, cujo exemplo importante está no compromisso assumido no Egito durante a COP27. No caso do recém-eleito Presidente Lula, a existência de uma consciência ecológica ocorreu graças à adesão histórica dos movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos e atores da sociedade civil brasileira engajados em causas ambientais. O descalabro do governo de Bolsonaro com a questão ambiental revelou o retrocesso de conquistas. A invasão dos territórios indígenas no Brasil para apropriação de suas riquezas naturais causou um enorme dano aos ecossistemas e sua biodiversidade.
Existe uma grande expectativa de que o novo governo de Lula Luiz Inácio da Silva assuma uma visão mais ecológica do desenvolvimento. Em discurso realizado na COP27-Egito, ele demonstrou ter conhecimento dos riscos ambientais, destacando a necessidade de cuidados intensos voltados para a preservação do planeta Terra. Pontuou que a crise global não pode ser resolvida sem uma mudança estrutural da governança global, considerando que as instituições, criadas no pós-segunda guerra mundial, devem ser reformadas para que o multilateralismo possa ser também renovado e fortalecido. Lula pareceu disposto a assumir uma liderança mundial diante dos atuais problemas geopolíticos da ecologia, aliando qualidades como carisma, pragmatismo político e grande capacidade de negociação.
Lula tem defendido que os estados devem continuar tendo seus interesses nacionais e suas soberanias, fato que não os impedem de compartilhar interesses comuns. Os novos desafios globais exigem resposta coletiva, a exemplo da recente pandemia do Coronavírus que causou pânico mundial, alterando significativamente o equilíbrio geopolítico mundial.
A geopolítica da biodiversidade e o novo paradigma de desenvolvimento territorial com sustentabilidade.
O Brasil como detentor de uma rica biodiversidade expõe o desafio geopolítico presente na disputa pelo grande banco de recursos genéticos. As matérias primas da biodiversidade são preciosas para os grandes aglomerados internacionais da indústria farmacêutica, de cosméticos e alimentar. Daí a necessidade de uma estreita cooperação e trabalho bem articulado entre centros de pesquisas, universidades, laboratórios, ministério da ecologia, secretarias governamentais. Nesse sentido, o potencial produtivo de um ecossistema teria manejo sustentável, levando em conta a apropriação cultural e econômica no âmbito local.
O desenvolvimento e a implementação de qualquer programa, plano, projeto e atividades de um ecodesenvolvimento territorial devem ser viabilizados por relações de parceria múltipla, baseadas em contratos com objetivos específicos na definição do papel de cada ator associado. O sucesso da colaboração depende da reciprocidade e da interação entre diferentes áreas do conhecimento, tais como geografia, economia, sociologia, ecologia, biologia, farmacologia e antropologia, dentre outras. Supõe ainda a articulação entre outros setores de suporte como transporte, saneamento, infraestrutura urbana, meio ambiente, assistência social e organização territorial. No âmbito da cidadania incorpora a presença de categorias e grupos sociais representativos (empresas, instituições associativas, organizações públicas e não governamentais, sindicatos, mundo associativo), atuando em diferentes setores do conhecimento nos planos territoriais, de caráter local, regional, nacional e internacional.
Não há ecodesenvolvimento territorial com sustentabilidade sem uma visão integrada da realidade e sem a participação ativa da cidadania política. A mobilização e participação de todos os atores da sociedade civil não significa instrumentalização, mas sim colaboração na cogestão do ecodesenvolvimento territorial. Todos os atores sociais devem ser capazes de se engajar nos processos de tomada de decisão. Só através da participação cidadã, de forma integrada e articulada, é que o desenvolvimento poderá garantir a sua sustentabilidade. Caso contrário, prevalece a mesma retórica do discurso conceptual, sem impacto no terreno da ação.
A visão sistêmica de desenvolvimento não separa os setores ecológico, político, cultural, social e econômico. A economia, estando a serviço do gênero humano protegeria a biodiversidade e a socio-diversidade. Os ecossistemas, nesse sentido, são partes integrantes da existência planetária.
É a utopia compartilhada que faz a história avançar. Nos faz prosseguir rumo a um projeto de mundo mais solidário, ecológico e comprometido no campo dos direitos humanos, envolvendo o direito humanitário internacional ao lado da luta contra as mudanças climáticas.
Somente é possível alcançar o desenvolvimento sustentável pondo em pratica um multilateralismo que vise prevenir e proteger nosso patrimônio comum. A Amazônia (nacional e internacional), na medida em que reúne a maior biodiversidade do planeta, torna-se o grande desafio da geopolítica da biodiversidade responsável por salvaguardar as gerações futuras. Trata-se da necessária aliança entre sustentabilidade e ecodesenvolvimento.
Dezembro 2022
Consultas: Discurso de Lula na COP27
Análises de relatórios do GIEC 2021/22
Artigos de Marilza de Melo Foucher Reequilíbrio Geopolítico- janeiro 2006; “Por outra concepção de Desenvolvimento”, – junho 2010; Governance Mondial: Notre Nord, parfois, est au Sud-2008 Mediapart; Dossiés France Diplomatie Septembre 2017/2018, 2021.France et les Nations Unis.
Marilza de Melo Foucher – Doutora em Estudos da América Latina (economia) no Institut des Hautes Etudes en Amérique Latine – Sorbonne (1988). Pos-graduaçao em Analise regional e organizaçao espacial no Instituto de Estudo do desenvolvimento economico e social – IEDES-Paris I- Sorbonne (1980-81). Curso de especializaçao ( Pos-graduaçao) em Planejamento Regional do desenvolvimento-OEA-Universidade Federal do Ceara-CETREDE (1977). Bacharel em Administraçao – Faculdade de Ciencias Economicas da Universidade Federal do Amazonas.(1975).
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