O manicômio mineiro que exterminou 60 mil pessoas

Enviado por Ramalho12

Holocausto brasileiro: Manicômio de Minas Gerais exterminou 60 mil pessoas

Do Blog do Assis Ramalho

Controlar os meios para criar uma sociedade de bem nascidos. Esse é o significado original do conceito de “eugenia”, criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882). O termo ganhou forte conotação negativa após a eugenia nazista, a pedra fundamental da ideologia de pureza racial que culminou no Holocausto, como ficou conhecido o extermínio de milhões de pessoas em campos de concentração europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Caso o leitor considere o assunto distante de nossa realidade, basta dizer que as mesmas ideias de “limpeza étnica” embasaram um genocídio silencioso cometido no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.

Foram pelo menos 60 mil mortes no hospício, onde apenas 30% dos “pacientes” tinha diagnóstico de doença mental. A maioria dos internos fazia parte de minorias excluídas do convívio social, como epiléticos, mendigos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas violentadas ou que perderam a virgindade antes do casamento. A instituição foi criada em 1903 com 200 leitos, e alcançou a marca de cinco mil pacientes na década de 1960. 

A matança foi tema de uma premiada série de reportagem produzida em 2011 pela repórter Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, agora transformada no livro Holocausto brasileiro (Geração, 256 páginas, R$ 39,90). “Em 2009, um entrevistado me mostrou fotos do manicômio tiradas por Luiz Alfredo e publicadas na revista O Cruzeiro. Nenhuma daquelas imagens me remetia a hospital, e sim a campo de concentração. As pessoas conhecem Barbacena como ‘a capital dos loucos’, sobretudo aqui em Minas Gerais, mas quase ninguém sabe o que se passava de fato em Colônia”, diz a autora.

Levantamento

Durante um ano, a jornalista investigou as crueldades cometidas naquele local ao longo das décadas. Descobriu que, ao chegarem, as pessoas tinham os cabelos raspados e eram rebatizadas. Pacientes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Alguns morriam de frio, fome e doenças. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. “Havia uma omissão coletiva. Quem sabia dos atos violentos, ou participava deles, preferia fingir que aquilo não estava acontecendo. A violência foi naturalizada, banalizada”, comenta Daniela Arbex. 

Mesmo cinco décadas após ter conhecido in loco a realidade do manicômio, o repórter fotográfico Luiz Alfredo ainda guarda na memória o que viu e registrou. “Diferente do trabalho de um profissional que vai para a África e encontra cenas de miséria por lá, cheguei em Barbacena sem saber direito o que estava fazendo e sem saber o que iria encontrar. De repente vi tudo aquilo. Fiz imagens chocantes”. 

No Hospital Colônia, cerca de 16 pessoas morriam por dia. Corpos eram vendidos ou decompostos em ácido para viabilizar o comércio das ossadas. Entre 1969 e 1980, mais de 1,8 mil corpos foram vendidos para faculdades de medicina de todo o país, sem que ninguém questionasse. Em valores atualizados, renderam R$ 600 mil. A realidade de Barbacena começou a mudar a partir dos anos 1980, quando a reforma psiquiátrica ganhou força. 

Um dos cabeças do movimento antimanicomial, o psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou a instituição em 1979. Logo em seguida, convocou coletiva de imprensa para dar a seguinte declaração: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei tragédia como essa”. À afirmação, somou-se o documentário Em nome da razão, gravado dentro do Hospital Colônia por Helvécio Ratton, considerado o “golpe de misericórdia” de Barbacena. Reformulado, o local abriga hoje cerca de 160 pacientes.

Para ler a matéria completa, no Diário de Pernambuco, clique aqui.

 

Redação

14 Comentários

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  1. “Às vezes os eletrochoques

    “Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município.”

    Como uma simples frase pode tirar toda a credibilidade de um artigo que provavelmente é verdadeiro.

    1. “A instituição foi criada em

      “A instituição foi criada em 1903”. Antes de “tirar toda a credibilidade de um artigo que provavelmente é verdadeiro”, repare que este não diz quando isso aconteceu. As redes elétricas eram muito frágeis e reduzidas em seus primórdios no Brasil, e até relativamente há pouco tempo.

      1. A corrente máxima que pode

        A corrente máxima que pode passar pelo corpo humano sem causar a morte é da ordem de miliamperes. Acima disso não é eletrochoque, é cadeira elétrica, que não só mata mas também frita, o que não parece ser o caso. Miliamperes não são suficientes sequer para acender uma lâmpada. Então você está falando de uma rede elétrica que não consegue nem mesmo acender uma lâmpada.. Ou seja, não se trata de uma rede elétrica antiga, mas uma rede elétrica de trenzinho de brinquedo.

        Ou então a particular afirmação não tem credibilidade.

        Certo? Ou tem alguma outra coisa misteriosa que o meu raciocínio de colegial não alcança?

         

    2. De quem trabalhou lá.

       

      “Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves”, revela o psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, 80 anos, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica…”

      http://www.geledes.org.br/holocausto-brasileiro-50-anos-sem-punicao-hospital-colonia-barbacena-mg/

      1. Ronaldo Simões Coelho, um dos

        Ronaldo Simões Coelho, um dos poucos que se opôs a essa tragédia, e que foi afastado do hospital e do serviço publico pelas suas posições. 

  2. 160 pacientes? Então o manicômio não foi desativado

    Se o objetivo desse artigo era fazer camapanha anti-manicomial, fracassou, pois o próprio autor afirma que o hoje o local, reformulado, abriga 160 pacientes. Ora essa, quer dizer então que manicômios são necessários!

    O problema é que construir manicômio não dá voto. Nem construir cadeia. Então os políticos acham mais prático despejar loucos e marginais nas ruas, e o povão que se vire para suporta-los. Assim sobra mais grana para fazer bastante obra superfaturada que garanta um retorno mais rápido em votos. Como justificativa, contam com uma claque de bobalhões que repetem as baboseiras de Focault, aquele filósofo que afirmava que escolas, cadeias e manicômios seriam subterfúgios da sociedade burguesa para enquadrar os recalcitrantes. Então tá.

    Os doentes estão mal dentro de um hospício que se parece com um campo de concentração? Certamente! Mas nas ruas, estarão melhor?

  3. O livro pega uma ótima história e ….

    Já li o Livro de Daniela Arbex e me parece que ela teve a capacidade de transformar algo que poderia ser notável como referência mundial de luta contra o sistema manicomial e o transforma numa colcha de retalhos.

    Me desculpe os demais, porém se uma pessoa com melhor capacidade literária e documental poderia ter transformado o livro em algo que seria reconhecido em todo o mundo, porém li todo o livro e fiquei com raiva não só daqueles que mantiveram o sistema por muito tempo, mas também da autora que não soube valorizar o material que tinha em mãos.

    Espero que algum dia ainda saia um livro que descreva da maneira correta todo o terror que havia naquela instituição.

    1. Desculpe …

      Eu também li o livro e tenho muitas críticas como vc. Mas – sempre tem um mas – o livro é dela. O que vc gostaria de ler (e eu também) com o material que ela tinha na mão fica pra depois. Na verdade, o livro é as matérias que ela publicou acrescido de muito pouca coisa mais. Faltou cimento.

      1. Ficou no meio do caminho.

        O problema é que o livro foi feito a apartir de uma série de reportagens, e sabendo como é a sociedade mineira dá para ver que o material não foi usado como era possível de usar.

        No fundo parece que o hospital de Barbacena caiu do céu, era gerenciado por ninguém, sem ninguém como responsável e que não existiam governadores do estado nem secretários da saúde no estado de Minas Gerais.

        Ou seja, a autora não aborda estes temas simplesmente por conveniências políticas, da oligarquia mineira.

  4. O problema básico é que os criminosos são os próprios médicos.

    O problema que se mostra no livro de Daniela, e que não foi nem um pouco desenvolvida pela a autora, é que quem eram os responsáveis por este crime que se chamava o sistema manicomial brasileiro eram os nossos queridos e amados médicos psiquiatras, que arranjavam uma boquinha no serviço público e simplesmente não apareciam nem faziam nada pelos pacientes.

    Para crimes de guerra tivemos um tribunal em Nurenberg e para os crimes desses monstros de branco não houve até os dias atuais nenhum tribunal.

    Pelos relatos dispersos no livro se vê claramente que a ação dos médicos em Barbacena e que se repetiu em todos os estados brasileiros era nula, o descaso, o consentimento explícito de quem deveria cuidar ou pelo menos supervisionar os cuidados nestes hospitais deveriam ser a máfia de branco. Entretanto havia uma verdadeira omissão de todos os responsáveis que deixavam para outros profissionais a sua responsabilidade.

    David Nasser escreveu um livro escrito que se chamava “Falta alguém em Nuremberg” que relata as torturas conduzidas principalmente sobre a ação do capitão do Exército Filinto Müller durante o Estado Novo, porém neste livro mostra que em qualquer lugar do país sempre havia um verdadeiro doente mental que nunca foi posto num manicômio que torturava com prazer.

    Temos que varrer do Brasil a violência, mas para isto temos que reconhecer que além de haver em várias instâncias pessoas que torturam ou mesmo coadunam com a violência, somos um povo extremamente complacentes com tudo isto. Ou seja, como a população alemã em torno das centenas de campos de extermínio que diziam que não sabiam nada, até que uma velha senhora disse:

    – Talvez não enxergávamos nada, mas o cheiro dos fornos crematórios todos sentiam.

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