Os 19 anos do massacre no Carandiru

Por wilson yoshio.b…

Do Portal Imprensa

“A tropa aparentava ter saído do inferno”, diz repórter que cobriu o Massacre do Carandiru

Luiz Gustavo Pacete

No último dia 2 de outubro, o Massacre do Carandiru completou 19 anos. Pelo país, dezenas de entidades e organizações realizaram atos em protesto à violência, que vitimou 111 presos da então Casa de Detenção de São Paulo. 

Arquivo Pessoal 

Cid Barboza 

A tragédia aconteceu após 360 policiais terem invadido a penitenciária, em meio a uma rebelião. Os militares utilizaram metralhadoras, fuzis e pistolas, e a ação foi considerada um dos mais violentos casos de repressão do país. O padre Valdir João Silveira, coordenador da Pastoral Penitenciária, destacou que “o massacre não terminou e continua em nossas periferias, com chacinas de população de rua e pessoas pobres”.  O Portal IMPRENSA registrou, com exclusividade, o depoimento do jornalista Cid Barboza, atual repórter da Rádio Capital, que, na época, atuava na CBN e conseguiu noticiar o número de 108 mortos, ao invés de oito, como todos os outros veículos estavam informando no dia dessa tragédia. Ele conta de que maneira descobriu as centenas de mortos e os cuidados que precisou tomar na hora de dar a notícia. Barboza destaca que o furo foi um dos principais de sua carreira, mas se recente de a Rádio CBN ter omitido o caso quando fez um livro sobre os 15 anos da rádio. “Quando fizeram um livro dos 15 anos da CBN, me convidaram para falar sobre este caso. Eu fiz um texto, gravei um depoimento, mas o livro saiu com duas linhas, informando que quem tinha dado a informação teria sido o chefe de redação, Bené Corrêa. Até hoje não entendo o motivo da omissão”, desabafa.

Confira o depoimento de Barboza sobre os bastidores do dia 2 de outubro de 1992: Meu plantão era das 0h às 7h. Naquela noite, eu cheguei à redação sem saber de nada do que estava acontecendo no Carandiru. Ao tomar conhecimento, fui direto para a penitenciária. Quando cheguei estava cheio de gente, principalmente de repórteres e havia uma falta de informação terrível.

A informação que tinha partido da polícia e que estava sendo divulgada pelos veículos era de oito mortes. Mas eu comecei a reparar os acontecimentos por lá e prestei atenção na hora em que a tropa de choque saia do presídio. O que me causou um espanto muito grande foram os semblantes daqueles policiais. Eles estavam com uma aparência transtornada e eu até comentei com uma colega que eles pareciam ter saído do inferno. 

 Como as informações estavam desencontradas, decidi ir até a base da assessoria de imprensa da Polícia Militar; os colegas ficaram no Carandiru, eu arrisquei e fui. Ao chegar, imaginei que deveria estar tendo alguma reunião… Encontrei um policial que me conhecia e perguntei se ele tinha alguma informação. Ele me deu um fax que seria divulgado à imprensa e nele constava o nome dos policiais feridos. O documento me dava a sensação de um confronto violento, não poderia ter sido somente oito mortes. Voltei para o Carandiru, mas nada tinha acontecido. Arrisquei novamente e decidi ir até o Instituto Médico Legal; ninguém quis ir comigo. Chegando lá, por volta de 4h da manhã, lembro-me da imagem de um funcionário de branco, parecendo um açougueiro, cheio de sangue e duas funcionárias que conversavam no balcão. Elas olharam para mim e uma perguntou para a outra: “vamos contar para ele?”. Na mesma hora, elas disseram que 108 presos estavam mortos. Nessa hora, quase cai duro.

Depois da notícia, comecei a andar nas imediações do IML. Encontrei outro funcionário, que confirmou. Eu sei que cheguei a confirmar com umas quatro pessoas. Tive que tomar a decisão de ir ou não para o ar com esse número. Naquela altura, todos os jornais já estavam nas bancas com oito mortos.

Entrei em contato com a redação, o Jornal da CBN era apresentado pelo Heródoto Barbeiro. Semanas antes, eu tinha recusado um convite para ser Chefe de Redação e optei por ser repórter, acho que por isso desconfiaram um pouco da minha apuração. Chamaram o jornalista Carlos Maglio, das antigas, e pediram para ele ir até o IML. Ele foi e disse que estava tudo certo e que poderíamos divulgar.

Nessa hora, Heródoto saiu do estúdio e foi falar comigo, via rádio, e eu disse: “olha, é uma situação que se eu tiver errado vale meu emprego, merecidamente, mas eu vou bancar a informação”. Eu acabei entrando e isso desencadeou um alvoroço gigante na cidade. Depois disso, o oficial deu entrevista e falou em dezenas de corpos. O quadro foi se desdobrando até chegarem ao número de 111 mortos; entretanto, era dia de eleição, e eles só confirmaram os mortos depois do fechamento das urnas. Até hoje, varias especulações surgiram, que mulheres morreram na rebelião, mas são coisas que nunca se confirmaram.

Luis Nassif

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