Contribuição de Melhoria: uma alternativa viável ao financiamento das obras de infraestrutura no Brasil

Se, por um lado, há um sentimento global que o Brasil é um país com potencialidade para um promissor futuro econômico, ninguém duvida que as últimas três décadas de crônico subinvestimento em infraestrutura deixaram profundas sequelas na saúde financeira do país.

Apesar do sistemático crescimento da economia nacional observado desde o início dos anos 2000, este ainda encontra forte resistência nos inúmeros gargalos existentes na infraestrutura nacional,aumentando o famigerado “custo Brasil” e atravancando o desenvolvimento da indústria e do comércio.

Nesta toada, como o Brasil e a cidade do Rio de Janeiro foram, respectivamente, escolhidos como sedes da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, a necessidade de investimentos na infraestrutura mostra-se urgente, já que o tamanho das reivindicações feitas pela FIFA e pelo Comitê Olímpico Internacional para sediar os jogos constituem um desafio de grande monta.

Além da exigência de arenas e estádios com padrões internacionais, o enorme afluxo de pessoas nas cidades brasileiras aumentará a demanda por transportes, telecomunicações, energia elétrica, saneamento básico, entre outros serviços.

Ser o país-sede de eventos de tamanha magnitude impõe a superação de desafios igualmente gigantescos,obrigando o Brasil a investir massivamente em infraestrutura, sob pena de ver inviabilizados os mencionados jogos.

O problema para implementação deste grandioso projeto brasileiro de obras esbarra na falta de verba pública para operar tamanha transformação em tão curto espaço de tempo. Isto porque, a despeito de ser tachado como a próxima potência econômica, o Brasil ainda não o é, além de padecer denotória falta de credibilidade perante os investidores estrangeiros.

De fato,a comunidade internacional não estranharia se o Brasil deixasse de executaro seu programa de infraestrutura a tempo e conforme o orçamento, já que apresenta gravesindícios de que não atingirá as metas estabelecidas pelos órgãos organizadores dos citados eventos.

Com efeito, muito embora o governo brasileiro demonstre positivas intenções em estabelecer parcerias com a iniciativa privada, nacional ou estrangeira,é preciso que ele esteja mais atento às necessidades do setor privado de modo a lhe oferecer condições verdadeiramente seguras e atraentes.

O ideal seria a implementação de uma ampla reforma no ordenamento jurídico nacional, de modo a lhe conferir simplicidade, segurança, desburocratização e eficiência, sobretudo nas áreas trabalhista e tributária, atraindo, com isto, a participação da iniciativaprivada em atividades de interesse público.

Enquanto um número suficiente de investidores privados não se sentem encorajados a aplicar capital em projetos de infraestrutura no Brasil, projetos estes que, por suas características, demandam a alocação de grande volume de capital por longos períodos de tempo, cabe à Administração Pública utilizar as ferramentas de que dispõe para fazer frente aos crescentes gastos relacionados a estas obras.

Neste sentido, o esquecido tributodisposto no artigo 145, III, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual podem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, instituir contribuição de melhoria em decorrência de obras públicas, mostra-se como uma interessante alternativa à viabilização financeirados projetos estruturais brasileiros.

A realização de obras públicas, em regra, determina o incremento do valor dos imóveis lindeiros a esta. Nestes casos, é facultado ao Poder Público realizador da empreitada, desde que atendidos determinados requisitos legais, cobrar um tributo que incida sobre a parcela de valorização imobiliária que decorrer de sua atividade construtiva.

Cabe ao Código Tributário Nacional minudenciar o lacônico Texto Constitucional. E o faz em seus artigos 81 e 82, nos seguintes termos:

(i) a contribuição de melhoria é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado;

(ii)a lei relativa à contribuição de melhoria deverápromover a publicação prévia do (a) memorial descritivo do projeto, (b) do orçamento do custo da obra, (c) da determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição,(d) dadelimitação da zona beneficiada, (e) da determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;

(iii) mencionada lei deverá, ainda, promover a fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos acima referidos, bem como regulamentar o processo administrativo de instrução e julgamento desta impugnação.

A contribuição de melhoria, tributo constitucionalmente consagrado e absolutamente exequível, é um instituto de fundamental importância para a gestão urbanística, vez que tem a capacidade de angariar, de forma justa, importantes somas fiscais para ajudar o país a erguer a infraestrutura necessária aos jogos e, sobretudo, ao seu desenvolvimento socioeconômico.

Todavia, tal tributo não é utilizado. E a verdadeira razão para a sua não instituição é a exigência legal de publicação do orçamento da obra e o direito do contribuinte de impugnar o respectivo valor.

Já que as obras públicas brasileiras tendem, desgraçadamente, ao superfaturamento, prefere a Administração Pública não fazer uso das contribuições de melhoria pela transparência que a lei exige.

Lamentável a conduta dos governantes brasileiros, eis que, de fato, esta é uma espécie tributária que traria muitos benefícios ao país, arrecadando dinheiro aos cofres públicos de forma clara e equânime.

David Sampaio Barretto é advogado e diretor financeiro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI. E-mail: [email protected];

Matheus de Abreu Chagas é advogado e especialista, pelo Insper-SP, em Direito Tributário.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Outra causa da não utilização da Contribuição de Melhoria

    O texto lembra bem do tributo mas, a meu ver, o motivo de sua não utilização é equivocado – ou no mínimo incompleto.

    Para os autores a razão estaria na necessidade de transparência em relação aos custos de projetos e obras. Parte da premissa equivocada de que todas as obras públicas sejam superfaturadas. Pode ser, ou não, diria Caetano.

    Penso de maneira diversa. A dificuldade está em encontrar o índice de valorização dos imóveis lindeiros. Primeiro haveria que se avaliar todos os imóveis, antes de qualquer obra, e depois reavaliá-los, assim que as obras fossem concluídas.

    Quem garante que uma obra irá valorizar um imóvel que já esteja supervalorizado? Ou, quem garante que o contribuinte suporte um tributo sobre valorização estratosférica de um imóvel subavaliado?

    Os limites do tributo são a valorização do imóvel e o custo da obra, desde que este seja menor que a valorização.

    Suponha que uma obra custe R$ 1 bilhão e esteja superfaturada. O governante não pode simplesmente dividir o valor total pelo número de imóveis beneficiados. Ele terá que calcular quanto foi que cada imóvel se valorizou. Supondo-se que o conjunto de imóveis lindeiros tenha se valorizado em R$ 500 milhões, este será o limite – calculado individualmente – do tributo.

    Também não é possível, simplesmente, utilizar o valor venal dos imóveis como valor inicial, antes da valorização. Creio que a imensa maioria dos municípios possua cadastros imobiliários com valores defasados, tendo em vista o alto custo político de atualização desses valores. Além disso, a capacidade contributiva dos proprietários deve ser levada em conta.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador