Acordo nuclear Irã-P5+1: uma vitória histórica, para quase todos

Por Tomás Rosa Bueno

O estranho não é o Irã ter cedido (apesar da histórica teimosia persa) em alguns pontos (como a limitação do enriquecimento a 5%) que poderão ser renegociados mais tarde. O surpreendente é o fato de as potências “ocidentais” terem aceitado que o Irã dissesse “Sim” e terem abandonado a postura, que sabiam irrealista e inaceitável, de exigir que os iranianos simplesmente fechassem todas as suas centrais nucleares e centros de pesquisa e enriquecimento de urânio e pusessem fim ao seu programa de desenvolvimento de tecnologia nuclear — um direito que lhes cabe inequivocamente nos termos do Tratado de Não Proliferação).

Isto parece (sublinhe-se”parece”) marcar uma reviravolta histórica dos EUA e seus cúmplices europeus com relação ao papel do Irã no Oriente Médio e à política de manutenção do estado de guerra permanente na região, que servia, mas não serve mais, os interesses geoestratégicos “ocidentais”.

O mundo, apesar dos desejos dos seus donos, mudou. O impasse da guerra civil na Síria, onde os grupos financiados e armados pelo trio EUA-Reino Unido-França (pela via indireta dos sauditas e dos emires unidos) sofrem derrota trás derrota; a percepção da impossibilidade de manter o Egito como aliado incondicional e a possibilidade sempre crescente de revoltas populares potencialmente incontroláveis nos países árabes; a extrema deterioração política e o desmoronamento do Iraque após a invasão ilegal de 2003; o desmilinguimento contínuo da capacidade israelense de servir como cão de guarda dos interesses euroamericanos na região; e, finalmente e sobretudo, a crescente dependência da Europa do gás e do petróleo da Rússia e dos países da Ásia Central e a necessidade de garantir um passo tranquilo desses recursos para a Europa, o desenvolvimento do potencial do gás de xisto e a descoberta de jazidas gigantescas de petróleo e gás no Brasil e na África, que conduzem a uma sensível diminuição do peso econômico e da importância política dos países do Golfo Pérsico, fazem da paz – pelo menos naquela região e neste momento – um negócio lucrativo para quem há décadas vem “agregando valor para os seus acionistas” com base na manutenção de um clima de terror permanente nos países do Oriente Médio. E, para obter esta paz e esta segurança para os negócios, a colaboração do Irã – que já vem sendo utilizada discretamente há anos no Iraque e no Líbano – torna-se abertamente indispensável. Portanto, era igualmente indispensável remover os obstáculos à inserção do Irã no grande esquema.

Neste acordo, ganha quase todo o mundo. Ganham, antes de mais nada, os EUA e o Irã, que com o fim total das sanções dentro de seis meses poderão dedicar-se à atividade de que ambos mais gostam: ganhar dinheiro, de preferência um do outro. Ganham os EUA, que eliminam o que foi por três décadas uma fonte de tensão que consumia incontáveis bilhões de dólares por ano, conquistam um aliado que já soube demonstrar a sua grande utilidade no passado recente e não tão recente e, de quebra, mandam um recado inequívoco para outros aliados que estavam ficando inconvenientes. Ganha o Irã, que, com o fim total das sanções que com certeza virá após o final do “período de experiência” de seis meses, garante o acesso às suas reservas de divisas e a eliminação das barreiras à exportação de petróleo e outros produtos, conquistando instrumentos eficazes para combater a crise econômica que estava ameaçando afundar o país; e, principalmente, ganha liberdade para ampliar e aprofundar a sua já vasta influência na região, contribuindo decisivamente para a “pacificação” do Iraque, da Síria e do Afeganistão, garantindo nestes e em outros países limítrofes ou nem tanto um mercado quase cativo para a sua produção industrial e assegurando o seu ingresso como membro de honra ao “Oleodustão”, o grande “país” por onde passarão os oleodutos que vão unir as estepes russas e as planícies uzbeques e casaques aos postos de gasolina da Europa. Ganham os europeus, por todos os motivos acima. Ganham os russos e chineses, garantindo uma relativa tranquilidade na “frente ocidental”. Ganham os palestinos. Ganho eu, ganha tudo, ganha o Chico barrigudo.

Alguém tinha de perder, e os sauditas e israelenses, sempre fiéis, correram para preencher a vaga. Os grandes perdedores são sem dúvida os trogloditas sunitas da dinastia saudita, que tentaram por todos os meios sabotar as negociações entre o P5+1 e o Irã (inclusive pelo atentado contra a embaixada iraniana em Beirute na semana passada) e que agora terão de assistir à transformação do arquirrival xiita, de “promotor do terrorismo” a grande aliado garante da paz e da tranquilidade, e à lenta mas certa eliminação das hostes terroristas que financiam pelo mundo afora, do Afeganistão ao Sudão, que não contam mais com a garantia da cumplicidade dos EUA. E, finalmente, perdem os israelenses, que exerceram por tanto tempo e com tanto sangue derramado o papel de fiel cão de guarda de riquezas que hoje estão em outra parte que começaram a acreditar na propaganda antissemita do rabo abanando o cão, achando que podiam influenciar e até ditar a política externa dos EUA, exatamente ao mesmo tempo e na mesma medida em que se iam transformando em um cão velho e desdentado, que rosna o tempo todo e tenta morder quem passa por perto e mais alto ladra quanto mais impotente fica, apanhando até do Hezbolá. Israel vai continuar recebendo os bilhões de dólares habituais de ração do dono, que obviamente não vai permitir que ninguém maltrate o velho e fiel cão, contanto que ele entenda que não pode mais fazer as suas necessidades na casa do vizinho palestino impunemente.

O mundo mudou, mas não necessariamente para melhor. Uma vasta e conturbada região do mundo parece estar a caminho de viver em relativa paz, mas enquanto isto o resto do mundo vai viver o suspense de saber para quem vão se voltar agora os olhos da besta.

Redação

20 Comentários

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  1. Muito obrigado pelo post…

    E para bens ao Tomás Rosa Bueno: é um tipo de texto que é impossivel achar nos tabloides diarios do Brasil.

    É por isso que a leitura do blog do LN é a primeira coisa que faço diariamente.

  2.   Texto maravilhoso, concordo

      Texto maravilhoso, concordo com os colegas. Quanto a olhar para quem… bom, se os cães não podem mais entrar na casa do vizinho, isso significa mais barulho no quintal.

  3. Eu não sou tão otimista no

    Eu não sou tão otimista no desfecho deste acordo. Os sionistas e wahabitas vão colocar enormes pedras no caminho e eles dispõem do mais poderoso lobby da terra com ampla maioria no Senado e na Câmara, capaz até de derrubar vetos presidenciais. Quanto ao comportamento do governo de Israel, não vai mudar em nada. Desde que o Mossad organizou e executou o assassinato do Primeiro Ministro Yitzhak Rabin, não espero nada de positivo desse país.

  4. A questão não é SE a arábia

    A questão não é SE a arábia saudita vai atacar o irã, é QUANDO.

    E depois do ataque, o irã vai querer revidar, aí é a desculpa pro núcleo duro da OTAN bombardear mais o irã e entrar rasgando na Síria.

    Nem China nem Rússia vão segurar dessa vez.

    Já tá tudo planejado vadias antisemitas

    sorry

  5. Quem diria…

    da Folha

    clóvis rossi

    26/11/2013 – 03p2 

    O acordo Lula/Irã era melhor  

    O acordo, efetivamente histórico, alcançado domingo entre o Irã e as seis grandes potências me obriga a voltar ao acordo de 2010 entre Brasil, Turquia e Irã.

    Do ponto de vista das potências, o acordo que Luiz Inácio Lula da Silva e Celso Amorim ajudaram a costurar era melhor.

    Explico: o entendimento previa, expressamente, o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento na Turquia, para ser depois devolvido ao Irã preparado a um nível tal que lhe permitiria o uso para fins medicinais, mas impossibilitaria a utilização para fazer a bomba.

    Convém lembrar que, desde sempre, o objetivo das potências que negociam com o Irã é impedir que o país persa chegue à bomba.

    É bom lembrar também que foi o presidente Barack Obama quem, em carta a Lula, considerou “fundamental” a menção aos 1.200 quilos, no acordo que o Brasil então começava a costurar.

    A lógica desse item é simples de explicar: retirando de seus estoques os 1.200 quilos, o Irã não teria material suficiente para continuar trabalhando na bomba, se essa for a sua real intenção, como suspeita o Ocidente, mas que Teerã nega uma e mil vezes.

    Por que o acordo de 2010 é melhor que o de domingo? Também simples de explicar: o novo entendimento não tira do Irã um único quilinho de urânio. Logo, evitar que o país continue a enriquecer urânio a níveis suficientes para chegar rapidamente à bomba vai depender, única e exclusivamente, das inspeções internacionais.

    No acordo Irã/Turquia/Brasil, ao contrário, o enriquecimento –e unicamente até o patamar de uso pacífico– seria feito no exterior, sem necessidade de inspeções, sempre complicadas e passíveis de burla.

    Parêntesis: não creio que o Irã pretenda burlar as inspeções com as quais se comprometeu no domingo. Seria convidar os EUA e as demais potências a restaurarem as sanções que tanto dano provocaram ao governo e à população. Danos tamanhos que forçaram o regime à negociação com uma predisposição inédita em dez anos de impasse.

    Ainda assim, o acordo de 2010 daria mais segurança aos que temem que os aiatolás estejam mentindo quando dizem que não querem a bomba, até porque ela seria anti-islâmica.

    Havia ainda no entendimento da era Lula um item que falava na “oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação”.

    Ora, o acordo de domingo também cria essa “atmosfera positiva e construtiva”, mas com três anos e meio de atraso.

    A vantagem do acordo de 2010 não significa reduzir a importância do que foi alcançado no domingo.

    Com todas as ressalvas que possam ser levantadas, prevalece a análise do sítio “Al Monitor”:

    “A alternativa [ao acordo] seria mais sanções, que provavelmente resultariam em menos monitoramento, mais centrífugas, mais enriquecimento acima de 5% (…) e crescentes perspectivas de um ataque militar”.

    [email protected]

    1. Só lembrar que o Clovis

      Só lembrar que o Clovis Rossi, apesar do sobrenome, é judeu.

      Logo, qualquer acordo que inclua paz, os deixam desorientado.

      1. Independente

        Paulo Henrique,

        Independente desta consideração, a colocação de Clóvis parece razoável.

        Principalmente para alguém que raras vezes reconheceu qualidades em Lula.

        1. Mas esta que é  questão, ou

          Mas esta que é  questão, ou seja, bom (melhor) pra quem?

          O Clovis Rossi está falando enquanto jornalista ou enquanto judeu. Temos de tomar sempre este cuidado.

          Os judeus estão em todo lugar travestidos de diversas “funções”. É desta maneira que os caras levaram quase todas até 1973, quando a história começou a mudar e teve de ter intervenções cada vez mais incisivas dos irmãos fascistas estadunidenses.

          Estou muito feliz com o acordo.

          Espero que os próximos posts sejam a devolução (por bem ou por mal) das terras roubadas pelos judeus coitadinhos.

          1. Ser judeu e diferente de ser sionista

            Paulo Henrique,

            Prefiro não imputar a ninguém uma sentença, tendo como determinante a raça, ou credo religioso da pessoa julgada. Historicamente, isto sempre resultou em tragédia, nunca em solução.

            Convém lembrar alguns judeus, longe de estarem travestidos, prestaram enorme contribuição à humanidade. Começaria pelo mais conhecido deles: Karl Marx.

            O assunto, é uma pauta constante para minha geração. Nasci alguns anos após a fundação do Estado de Israel. Vejo com bons olhos qualquer perspectiva de estabilidade na região. Ninguém aguenta 65 anos de tensão e guerra…

             

             

          2. Gilberto,
             
            Por favor, sem

            Gilberto,

             

            Por favor, sem clichês.

            Quem mora nos territórios roubados dos palestinos é vítima?

            Como que um Estado consegue sobreviver gastando com “segurança” mais do que o Brasil, sendo que o Brasil  ter quase 40 vezes mais habitantes e ter soja, ferro, aumínio, petróleo. Como que um Estado consegue ser viável gastanto tanto com segurança e não ter os recursos que o Brasil tem, de onde vem o dinheiro? ds judeus espalhados pelo mundo. São vítimas?

            Outra coisa, muitos judeus espalhados pelo mundo, inclusive do Brasil, na hora de servirem ao exército, vão para israel. O que estes caras vão fazer lá por dois anos? te respondo: matar, humlhar, prender, estuprar palestinos. São vítimas? claro, para você deve ser. Mas para mim não.

            De maneira que vir com este papo que os judeus são vítimas, que “apenas alguns” são “malvados”, pelo menos para mim não cola, peço desculpas.

          3. Não tem clichê maior

            Paulo Henrique,

            Me desculpe, mas não tem clichê maior que a atribuição de características específicas determinadas pela raça de uma pessoa. Palestinos são, sim,  vítimas para mim. Mas não só dos israelenses.

            Não se iluda pela aparência e pelos discursos. Estado de Israel, gendarme na região, é uma coisa. Judeu, que aliás é religião, é outra coisa. Israel é mantido por inúmeros outros interesses que estão em jogo na região. Procure saber mais sobre a história da fundação e a briga por influência dos países “aliados” no final da guerra. 

  6. O texto tem os cliches de

    O texto tem os cliches de sempre né?

    Israel é o monstro e o regime que apoia terrorismo mundo afora ( vide atentado na argentina )  coloca como ministro da defesa alguem envolvido no fato, arma e financia grupo terrorista que parasita o Libano ( Hezbollah ) e aterroriza a faixa de gaza ( Hamaz ) é o bonzinho tao castigo pelos infeis

    Incrivel essas analises enchargadas de viés tendencioso travestidas de observaçoes isentas …

     

      1. Mauro,
         
        Este papo de

        Mauro,

         

        Este papo de sionista é coisa de esquerdista. Isto, como fala o padre Quevedo: não ecxiste!

        O que existem são covardes de esquerda e de direita, como o Leônidas, que não têm coragem de questonar a ditadura da superminoria chamada judeus.

        Os judeus tocam o terror no mundo, estão em cargos estratégicos, controlam o sistema financeiro, a mídia, a cultura (pois são os banqueiros que patrocinam), hollywood, indústria armamentista, lavagem de dinheiro do narcotráfico e corrupção (pois são os banqueiros que fazem isso).

        Como é mais cômodo concordar com os poderosos do que enfrentá-los, com dignidade e racionalidade, é mais cômodo dizer que existem judeus “bons” que são todos e os supostos sionistas, que ninguém sabe nominar. É claro que existem, mas são minoria da minoria e além de tudo, todos os judeus se beneficiam da suposta política dos sionistas. Por exemplo, quem vai morar nos territórios roubados dos palestinos é sionista ou simplesmente judeu?

  7. Jogo de Xadrez

    Texto bom, certamente. Mas peca por sugerir que o jogo de xadrez acabou, quando na verdade ocorreu apenas uma jogada, um lance jogado.

    Peca tb quando fala do “cão” e do “dono do cao”, como se as coisas fossem exatamente assim, como se o rabo abanasse o cão, quando na verdade é o cão que abana o rabo.

    Aguardemos os próximos lances.

    Att

     

     

  8. Palmas para o Lula…

    Vamos concordar, que alem dos países envolvidos no acôrdo, e da paz, que este acôrdo dá à comunidade internacional, que viu seu esfôrço reconhecido, foi o Presidente Lula, e as diplomacias brasileiras e turcas, que já tinham chegado a estas mesmas conclusões e condições, com o governo iraniano, em 2010 ?

    Apesar da prepotência do Depto de Estado norte-americano, de querer a “aura” deste acôrdo, e da insanidade do governo israelense, ganhamos todos nós, e ganha o ex-Presidente brasileiro, o verdadeiro conquistador desta façanha diplomática e que consagra o nosso Estadista Lula.

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