Argentina: saques mostram desgaste entre governo e sindicato

Saques: governo e sindicato escondem os quatros mortos

Governo e sindicato escondem os quatro mortos, quatro vidas que pagaram o preço de uma relação política truncada e camuflada entre os representantes máximos das duas instituições, Cristina Kirchner e Hugo Moyano. Governo e sindicato manipulam a situação ao pronunciarem-se sobre os saques aos supermercados, ocorridos na última semana, em Bariloche, Rosario, Campana, San Fernando e outras cidades da província de Buenos Aires.

Cada qual utiliza das ferramentas que tem à disposição. O governo, principalmente fazendo uso do jornal Página 12, coloca-se como vítima do poder bruto e irracional do sindicalismo dirigido por Moyano, que mostra seu poder e escancara suas intenções de desestabilizar o atual governo. Difundir material jornalístico que tentam revelar à sociedade que os saques foram orquestrados pelo movimento sindicalista é insistir no óbvio para beneficiar o governo e retirar da discussão a sua parcela ou não de responsabilidade pelo ocorrido.

O sindicalismo argentino prova e demonstra que pode chegar aos extremos. A violência é uma alternativa, já utilizada em outras situações, e demonstra ser capaz de mover seus soldados – não apenas Cristina Kirchner tem soldados, que fique claro aos militantes do
movimento La Campora, que assim cantam à presidente: “somos soldados de Cristina”. Esse é o aviso do presidente da Confederação Geral do Trabalho (CGT).

Mas o governo não é uma espécie de vítima de desestabilizadores profissionais de políticos. Tão simples como pensar que quem tem poder dificilmente torna-se vítima. Mas quem detém poder pode ser vitimizado por pura conveniência. Por que o Página 12 não faz uma retrospectiva da relação sindicato e governo? Qual é, então, o motivo pelo qual o sindicato e o governo de Cristina Kirchner já não andam de mãos dadas, como acontecia há um ano? A relação começou a esfacelar-se por briga de poder? Cristina tem razão quando deseja retirar de Hugo Moyano tanto protagonismo e domínio de determinados setores da classe trabalhista? Ou o atual governo apenas não quer que o poder dos sindicatos interfira nas esferas de domínio político que não lhes é de competência? E se as razões e intenções governamentais são objetivas e claras, por que não as expõem e, ao contrário, Cristina Fernández faz uso de discursos cheios de entrelinhas e modo indireto para mencionar sua distância frente aos representantes sindicais, como Hugo Moyano?

O sindicalismo argentino exige e mostra pautas muito coerentes com o que lhe convém e é de direito da classe trabalhista. O governo começa a dizer mais “nãos” e não concede o que sempre esteve disposto a negociar, assim está armado o ringue. E o sindicato é violento, uma patota. Assim podem chegar a ser mencionados pelos meios de comunicação e pelo cidadão comum argentino, que conhece a agressividade das reações sindicais, quando exigem, ao invés de dialogar, e não obtêm o que querem.

O governo tem razão em defender-se ao dizer que a atual situação socioeconômica do país, neste 2012 que chega ao fim, após o cumprimento de mais um ano de mandato de Cristina Kirchner, iniciado em 2008, não justifica os saques ocorridos. Mas esconder-se no
discurso de vítima do poder violento sindical é ausentar-se por completo frente às quatro mortes. E os episódios dos saques podem ser vistos como o resultado de um processo de desgaste político entre ambas as instituições: sindicato e governo.

O movimento sindicalista, no domínio de Hugo Moyano, atirou seus soldados no campo de guerra contra o governo, não lhes importa se haverá mortos ou feridos, os fatos assim o comprovam. E o governo, ou poderá ver-se caído no campo de batalha, morto pelo sindicato, projeção um tanto fora da realidade, ou seguirá na cômoda posição de defesa com todas as armas disponíveis e poder nato para tal. Assim, usará do Estado para manter as bases de poder político que sustentam uma e outra instituição. E os soldados que sigam a cumprir suas tarefas.

Luis Nassif

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