Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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OTAN: uma confrontação de décadas com a Rússia?, por Gilberto Lopes

Secretário-geral da OTAN e general alemão acreditam em provável conflito com a Rússia nos próximos cinco anos

Bandeira da Otan em fundo branco Crédito: Freepik

OTAN: uma confrontação de décadas com a Rússia?

Por Gilberto Lopes

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) deve se preparar para uma confrontação de décadas com a Rússia, disse o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, em entrevista à emissora alemã Welt em fevereiro. Uma declaração como essa fica ressoando na mente: uma confrontação de décadas com a Rússia? É possível imaginar algo assim? É para isso que temos que nos preparar?

Isso é o que pensa o chefe do estado-maior do exército alemão, general Carsten Breuer. Assim como Jens Stoltenberg, ele tem o cuidado de afirmar que a confrontação não é “inevitável”, mas acredita que é possível nos próximos cinco anos. E ele especula sobre o tempo necessário para que o exército alemão se prepare adequadamente para essa guerra.

Em que guerra o general está pensando? Mais uma vez, será que não aprendemos nada com as duas guerras anteriores às quais seu exército levou o mundo? A Alemanha não é uma potência nuclear. Mas é membro da OTAN. O mundo não tem nada a dizer sobre as especulações de Jens Stoltenberg e do general alemão?

A última guerra “mundial” começou antes da existência da bomba atômica. Mas terminou com a explosão de uma, de potência muito modesta em comparação com as atuais. Jens Stoltenberg pediu a reconstrução das reservas militares dos membros da OTAN e a rápida ampliação de sua base industrial, para aumentar os suprimentos para a Ucrânia e repor suas próprias reservas. Para adaptar a indústria aos tempos de guerra.

Como se os países membros da OTAN estivessem em condições econômicas para realizar tal esforço, quando os agricultores protestam nas ruas, a economia alemã se desacelera e o país enfrenta um processo de desindustrialização, consequência, entre outras coisas, dos ataques aos gasodutos Nord Stream e do corte do fornecimento de energia russo. Os governos alemão e norueguês não são, naturalmente, os únicos a se alinharem a essa perspectiva.

Em dezembro, Martin Herem, chefe das Forças de Defesa da Estônia, disse a um canal local de TV que a Rússia estaria pronta para atacar a OTAN dentro de um ano, ao término do conflito na Ucrânia. Os chefes militares dos demais países bálticos, da Finlândia, da Suécia e de outros se aventuram a fazer as mesmas previsões, convocando para a preparação da guerra contra a Rússia.

A mesma ideia é sugerida por Ed Arnold, pesquisador do Royal United Services Institute (RUSI), instituição inglesa dedicada ao estudo de questões de segurança e defesa, para quem os países da OTAN “devem estar prontos para a guerra” contra a Rússia. Ed Arnold lembra que o documento sobre o “Conceito Estratégico”, adotado pela OTAN em 2022, considera a Rússia não mais um parceiro, mas uma ameaça. Parece evidente que, nessas circunstâncias, a única coisa sensata a fazer é tirar o dedo dessas pessoas do gatilho e criar as condições para que seus sonhos não se tornem realidade. Eles seriam o último pesadelo para a humanidade.

Vladimir Putin se aproxima da Europa

Não faz muitos anos, a perspectiva de uma maior integração europeia parecia decolar. No final de novembro de 2010, Vladimir Putin, então primeiro-ministro da Rússia, visitou a Alemanha e anunciou o acordo com a OTAN para a construção de um escudo antimísseis em solo europeu. A União Europeia, após uma cúpula com a Rússia, saudou a perspectiva de que esta finalmente entraria para a Organização Mundial do Comércio (OMC), o que aconteceu em agosto de 2012.

Mas talvez ainda mais importante foi a proposta de Vladimir Putin, feita em declarações ao jornal Süddeutsche Zeitung, de integrar uma comunidade econômica que se estenderia de Lisboa a Vladivostock. “Apoiamos a ideia de criar uma zona de livre comércio entre a Rússia e a União Europeia”, respondeu a então chanceler alemã, Angela Merkel. Há muito, acrescentou, “A Rússia deixou de ser um inimigo para se tornar um parceiro da Alemanha e da União Europeia.”

As advertências de Putin

A proposta não pode ser avaliada adequadamente sem considerar o cenário internacional que Vladimir Putin, três anos antes, tinha exposto na Conferência de Munique sobre Política de Segurança. A mesma conferência será realizada novamente neste mês de fevereiro, agora sem a participação da Rússia.

Vladimir Putin encerraria seu segundo mandato como presidente em 2008. Ele começou sua apresentação dizendo que o formato da conferência permitia que ele dissesse o que realmente pensava sobre questões de segurança internacional.

Há duas décadas, terminava a Guerra Fria, com o triunfo do Ocidente e a dissolução da União Soviética. Mas o mundo unipolar que surgiu naquele momento não estava funcionando. “O que é um mundo unipolar?”, perguntou Putin. “É um mundo onde há um senhor, um soberano”, respondeu ele. “É um mundo pernicioso para todos, não apenas inaceitável, mas impossível no mundo de hoje”. “É algo que não tem nada em comum com a democracia”. Precisamos ler esses discursos se quisermos acompanhar os conflitos atuais.

“O que está acontecendo no mundo é a tentativa de introduzir estes conceitos nos assuntos internacionais”, disse ele. “Eles estão constantemente tentando nos ensinar sobre democracia. Mas, por alguma razão, aqueles que nos ensinam não querem aprender”. Estamos vendo um abuso excessivo da força militar nas relações internacionais, o que está empurrando o mundo para o abismo de conflitos permanentes. “Uma nação – e naturalmente estamos falando principalmente dos Estados Unidos – atua além de suas fronteiras e tenta impor seus interesses políticos, econômicos, culturais e educacionais a outras nações”.

“Ninguém se sente seguro, isto é extremamente perigoso!”, alertou. “Chegamos a um momento decisivo em que temos que pensar seriamente na arquitetura da segurança global”. Já nessa época, ele se referiu à expansão da OTAN para o leste. Essa expansão não tem nada a ver com a modernização da aliança, nem com o estabelecimento de padrões de segurança mais elevados na Europa. Ao contrário, “representa uma grave provocação que reduz o nível de confiança mútua”. “Temos o direito de perguntar: contra quem essa expansão é dirigida?”

E citou declarações do então secretário-geral da OTAN, general Manfred Wörner, que, em Bruxelas, em 17 de maio de 1990, tinha assegurado que “a não localização de armas da OTAN fora do território alemão dava à União Soviética uma firme garantia de segurança”. “Onde estão essas garantias?”, perguntou Vladimir Putin em Munique.

No ano seguinte, em abril de 2008, na reunião de Bucareste, a OTAN dava as boas-vindas às aspirações da Ucrânia e da Geórgia de se juntarem à organização. E reiteravam à Rússia que sua política de ampliação (de “portas abertas”, diziam) “longe de representar uma ameaça à nossa relação, oferece oportunidades para aprofundar os níveis de cooperação e estabilidade”. Uma afirmação que, naturalmente, Moscou não compartilhava.

O discurso de Vladimir Putin em Munique foi extenso, impossível de ser resumido aqui. Quem quiser conhecer suas opiniões deve consultar o texto, disponível em inglês no site do Kremlin. Mas suas preocupações já estavam claramente expressas, três anos antes da visita de 2010 à Alemanha e da cúpula com a União Europeia (à qual já nos referimos) e 15 anos antes da intervenção militar na Ucrânia.

Para os setores conservadores (e aqui me limito a referir a dois artigos publicados no jornal espanhol El País), “Vladimir Putin se apresentou com seu cinismo habitual e estilo direto”, como publicou o correspondente Andrés Ortega de Munique no dia seguinte. De seu ponto de vista, “foram as críticas tão diretas de Putin aos Estados Unidos que exaltaram os ânimos em Munique”.

Mais recentemente, apenas dois meses depois da invasão russa à Ucrânia, uma escritora de origem tcheca, Monika Zgustova, referia-se, também no El País, ao discurso de Vladimir Putin em Munique, 15 anos antes, afirmando que ele pretendia “recuperar o território perdido após o fim da Guerra Fria” e vender aos europeus um “sonho”: “de Vladivostok a Lisboa, a Rússia deveria compartilhar com a Europa algo mais do que a segurança”.

Novas regras ou um jogo sem regras?

Em outubro de 2014, Vladimir Putin fez outro longo discurso no Club Valdai, em meio aos desdobramentos da crise desencadeada pelos protestos Maidan na Ucrânia, apoiados pelo Ocidente, que depuseram o presidente Viktor Yanukovych e instalaram um regime afim em Kiev. Os protestos, que tinham começado em novembro de 2013, terminaram em fevereiro do ano seguinte. Em 18 de março, Vladimir Putin declarou a Crimeia parte fundamental da Rússia, após um referendo no qual uma maioria esmagadora nessa região votou a favor da medida. No Club Valdai, Vladimir Putin referiu-se novamente à situação política do mundo. O tema da reunião foi: “Novas regras ou um jogo sem regras”.

Vitoriosos na Guerra Fria, os Estados Unidos, “em vez de estabelecerem um novo equilíbrio de poder, essencial para manter a ordem e a estabilidade, adotaram medidas que provocaram um desequilíbrio acentuado e profundo”, disse Vladimir Putin. Esse período de dominação unipolar mostrou claramente que ter um único centro de poder não torna o processo global mais manejável. Pelo contrário, esse tipo de construção instável mostrou-se incapaz de lidar com as ameaças verdadeiras”. A Ucrânia, acrescentou ele, “é um exemplo desse tipo de conflito, que afeta o equilíbrio internacional de poder, e tenho certeza de que não será o último”.

“Dissemos à Europa e aos Estados Unidos que medidas como a entrada da Ucrânia na União Europeia representava uma série de ameaças à nossa economia, que era o maior parceiro comercial do país. Insistimos que era necessária uma discussão sobre essas questões. Ninguém quis nos ouvir, ninguém quis conversar conosco. Simplesmente nos disseram: isso não é da sua conta. Ponto final, fim da discussão!”. Mesmo assim, reiterou que os argumentos de que a Rússia estava tentando criar um novo tipo de império, para subjugar seus vizinhos, eram infundados. “Quero enfatizar isso”, acrescentou Vladimir Putin.

Tucker Carlson, o jornalista que o entrevistou em fevereiro em Moscou, reiterou esse ponto de vista. Falando na Cúpula Mundial de Governos em 12 de fevereiro, em Dubai, ele afirmou que a postura de Vladimir Putin endureceu porque “a Rússia foi desprezada pelo Ocidente”. O líder russo propôs ao presidente estadunidense, Bill Clinton, que a Rússia se unisse à OTAN e tentou fazer um acordo sobre mísseis. “Foi a Aliança Atlântica que recusou Moscou”, enfatizou Tucker Carlson. Também não há “provas de que Vladimir Putin tenha interesse em ampliar suas fronteiras”, disse ele. “A Rússia é o maior país do mundo e não precisa de recursos naturais”. “Não há nada na Polônia que ele queira. Ele não ganhará nada tomando a Polônia, exceto mais problemas”, acrescentou Tucker Carlson.

Ao contrário, Vladimir Putin tem insistido em seu interesse em negociar uma saída para a crise na Ucrânia, proposta rejeitada tanto pela OTAN quanto pela própria Ucrânia. Relatórios militares de fontes profissionais insistem que os movimentos das tropas russas na Ucrânia não são compatíveis com o objetivo de conquistar militarmente todo o território do país. Essa é, naturalmente, uma visão diferente da daqueles que insistem se tratar da recriação de um império e que um triunfo na Ucrânia seria apenas um primeiro passo nessa direção. Em sua entrevista a Tucker Carlson, Vladimir Putin insistiu que os Estados da OTAN, ao falar sobre um possível conflito nuclear, estão “tentando assustar sua população com uma ameaça russa imaginária”.

O erro mais fatal

Olhar para trás ajuda a entender a crise na Ucrânia. Não é a visão russa que estamos discutindo, mas a de um dos diplomatas mais importantes dos Estados Unidos, George F. Kennan (1904-2005), notável promotor de uma política de contenção da União Soviética no início da Guerra Fria. George F. Kennan, que passou muitos anos como diplomata em Moscou e foi embaixador na Rússia por um curto período em 1952 no governo Truman, continuou acompanhando a política internacional. Em 5 de fevereiro de 1997, quando a OTAN negociava sua ampliação com três países do antigo Pacto de Varsóvia – República Tcheca, Hungria e Polônia – George F. Kennan publicou um artigo no New York Times intitulado “Um erro fatal”.

“Algo de extrema importância está em jogo aqui”, disse ele. “E talvez não seja tarde demais para defender um ponto de vista que – acredito – não é só meu, mas é compartilhado por outras pessoas com ampla e, em muitos casos, mais recente experiência em assuntos russos. O ponto de vista, claramente expressado, é que a expansão da OTAN pode ser o erro mais fatal da política norte-americana em toda a era do pós-Guerra Fria”.

“Esta decisão pode exacerbar as tendências nacionalistas, antiocidentais e militaristas na Rússia”, “pode restaurar a atmosfera da Guerra Fria e empurrar a política externa russa numa direção que não gostaríamos de forma alguma”. Isso, acrescentou ele, “é duplamente infeliz, considerando que essa medida é completamente desnecessária”. Sobre a reação russa, George F. Kennan alertava que não lhes restava outra escolha a não ser aceitar a ampliação da OTAN, mas continuariam considerando isso uma ameaça do Ocidente. Eles poderiam então “procurar em outro lugar garantias de um futuro seguro e esperançoso”.

Em abril de 1951, em plena Guerra Fria, George F. Kennan – um dos arquitetos do Plano Marshall, com o qual os Estados Unidos consolidaram suas posições na Europa após a Segunda Guerra Mundial – publicou outro artigo na Foreign Affairs: “America and the Russian Future”. Ele escreveu ali que os países bálticos nunca mais deveriam ser forçados a qualquer tipo de relacionamento com a Rússia se não quisessem, mas estariam loucos se rejeitassem qualquer cooperação com uma Rússia tolerante e não imperialista, interessada em deixar para trás as lembranças infelizes do passado e estabelecer relações com base no respeito mútuo.

Depois, falaria sobre a Ucrânia. Suas palavras são particularmente incisivas, vindas de um profundo conhecedor das idiossincrasias desse povo. A Ucrânia merece todo respeito, pelo caráter de seu povo, pelas possibilidades de desenvolver suas características culturais e linguísticas. Mas, acrescentava George F. Kennan, “a Ucrânia é economicamente mais parte da Rússia do que a Pensilvânia dos Estados Unidos”. Como ex-satélite da Rússia, deve recuperar totalmente sua independência, “mas eles não garantirão um futuro estável e promissor se cometerem o erro de atuar com sentimento de vingança e ódio pelo povo russo, que compartilhou sua tragédia”.

“Estou expondo os fatos”

Como Tucker Carlson disse em Dubai, “não estou apoiando Putin, sou estadunidense, não vou morar na Rússia, não amo Vladimir Putin, estou expondo os fatos”. Essa parece ser uma atitude sensata. É diferente da atitude do chanceler alemão Olaf Scholz, para quem as explicações de Vladimir Putin sobre as causas da guerra são “absurdas”; ou a do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, para quem as avaliações de Vladimir Putin sobre o papel da OTAN e dos Estados Unidos na provocação do conflito são “ridículas”.

Há ideias muito mais perigosas na Europa, como a do general polonês Jaroslaw Kraszewski, para quem a implantação de armas nucleares na Polônia contribuiria para a segurança do país. Aposentado em 2019, Jaroslaw Kraszewski hoje comercializa armas e munições, treina policiais e militares e sonha em garantir a segurança da Polônia com armas nucleares norte-americanas.

Ler Kennan (assim como ouvir Putin) são tarefas indispensáveis para entender e negociar uma ordem internacional adequada ao mundo pós-Guerra Fria, que substitua a que estava em vigor quando os vencedores pareciam convencidos – com visão curta – de que tínhamos chegado ao “fim da história”.

*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor, entre outros livros, de Crisis política del mundo moderno (Uruk).

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