Negócios envolvendo intervenção no RJ revelam elos de militares com a ultradireita, mercenários e o Haiti

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Investigação da PF começa com assassinato de presidente do Haiti e revela ligações de militares brasileiros com a ultradireita e mercenários

Braga Netto, investigado pela Polícia Federal, pode ser um dos elos que ligam militares a esquemas da ultradireita armada, neopentecostal e de mercenários. Foto: Alan Santos/PR

Os indícios que levaram operação da Polícia Federal a apurar suposta fraude no uso da verba de R$ 1,2 bilhão destinada à intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, tendo como principal investigado o general Walter Souza Braga Netto, interventor designado, suscitaram reportagens do jornal GGN entre julho e agosto de 2021. 

Enquanto as investigações puxam o fio que chega até a Missão de Paz no Haiti, vemos se desfazer o tecido que liga esquemas da ultradireita armada com pastores neopentecostais, interferência política violenta, ligações com Israel, empresas com fachadas de normalidade, mas articulas por ações criminosas e a montagem de ONGs para exercitar o marketing da benemerência.

Conforme informações apuradas pelo jornalista Luís Nassif à época, se sabia que o general Braga Netto tentou adquirir coletes de segurança da CTU Security LLC de Miami, sem licitação, antes mesmo das primeiras denúncias vindas dos Estados Unidos, naquilo que antecipou as intenções e o perfil do grupo militar que se apossou do poder através de Jair Bolsonaro.

Braga Netto fechou ao menos R$ 140 milhões em contratos sem licitação. Inquieto nos gastos, tentou comprar os coletes de uma empresa presidida por um mercenário venezuelano (leia mais abaixo) e adquiriu 14 mil pistolas Glock para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, empresa de armas que tinha como um dos principais garotos propaganda Eduardo Bolsonaro (PL/RJ). 

Não é só corrupção 

Ocorre que não se trata de uma típica tentativa de corrupção encerrada na regularidade com que ocorre no Poder Público. A isso se referia as reportagens publicadas pelo jornal GGN: os militares operam desde a missão de paz das Nações Unidas no Haiti, passando pela intervenção no Rio de Janeiro, a articulação de uma nova direita, extremada e ultra.  

Um modus operandi vem sendo desvelado. Em fevereiro de 2022, o governo dos Estados Unidos avisou às autoridades brasileiras do desvio envolvendo a compra de coletes ao investigar o atentado ao presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em julho de 2021 e se deparar com a CTU Security LLC.  

Em seu site oficial, a CTU Security LLC apontava como presidente, no ano de 2021, o empresário e ex-militar venezuelano Antonio Emmanuel Intriago Valera, conhecido como Tony Intriago. 

Este nome aparecerá de forma recorrente agarrado ao calcanhar de Braga Netto e da ultradireita na América do Norte, América Central, América Latina e Caribe. Além disso, o modelo de negócio no qual Intriago empreendia é semelhante ao modelo adotado pela empresa relacionada ao escândalo das vacinas (que você lê mais abaixo), durante a pandemia, envolvendo militares brasileiros. 

Haiti, mercenários e ultradireita  

Segundo a Newsweek, a CTU era uma empresa de segurança em dificuldades, “que supostamente tinha um histórico de evitar dívidas e declarar falência”. Ou seja, o padrão Precisa (a empresa que intermediava vacinas durante a pandemia alvo de denúncias de corrupção) já estava presente nas compras de Braga Netto.

Intriago, por sua vez, levou a sua empresa ao radar do FBI e hoje é investigado na Flórida por participação no assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, dentro do palácio do governo, em 7 de julho 2021. Intriago, conforme se revela no próprio currículo, acumula ações criminosas do tipo. Na Bolívia, segundo forças de segurança do país, Tony Intriago foi procurado para organizar o assassinato do presidente Luís Arce.  

A empresa de Intriago não era fabricante de coletes, mas intermediadora, mantendo fachada de empreendimento de segurança, mas que até no nome mostrava seus reais propósitos políticos: a sigla CTU Security LLC significa Academia Federal da Unidade de Combate ao Terrorismo, em outras palavras: organizar, municiar e garantir a logística de grupos mercenários a serviço da ultradireita. 

Conforme apuração da Agência Pública, a CTU é especializada em contratar mercenários, exatamente o tipo de grupo que entrou no Haiti, ao que tudo indica o próprio FBI com o suporte e participação direta de Intriago, e assassinou o presidente, o que poderia ter feito na Bolívia, ou contra qualquer outra liderança indesejada na América Latina ou Caribe.  

A imprensa americana menciona que Intriago esteve envolvido com a tentativa de invasão da Venezuela em 2020. Não se trata de coincidência Intriago ter se relacionado com militares brasileiros levando-os à ultradireita mundial, ligada por negócios variados e articulados, desde serviços de salvação da alma, a jogos, armamentos e prestação de serviços de mercenários.  

Missão de paz da ONU

Os generais que comandaram as tropas do Brasil, no Haiti, na operação de manutenção da paz da ONU na missão conhecida como MINUSTAH, tiveram destaque no governo Jair Bolsonaro. O principal deles foi o general Augusto Heleno, além de outros quatro. Mais de 30 mil soldados estiveram presentes durante a missão entre 2004-2017.

Tony Intriago, durante a Missão de Paz, já circulava pelo Haiti e prospectava serviços nos países de toda a região, entendendo como poderia ser útil – e faturar milhões.  

A empresa de Intriago, mostrou a Agência Pública, foi citada nas revelações do WikiLeaks em 2015 sobre a Hacking Team, uma empresa italiana conhecida por desenvolver ferramentas de vigilância e espionagem cujos programas foram acusados de roubar senhas de jornalistas e espionar ativistas de direitos humanos em países como os Emirados Árabes Unidos e Marrocos. 

Neste vazamento do WikiLeaks, se revela que a CTU buscou a Hacking Team para tentar vender projetos conjuntos de vigilância para o governo do México, revelando interesse, inclusive, na implantação remota de softwares espiões em computadores. 

Vacinas: modus operandi comprovado

Tanto nos contratos da intervenção do Rio de Janeiro quanto nos do Ministério da Saúde, durante a pandemia, tentou-se fugir das licitações alegando emergência. Os militares estiveram presentes em ambas as situações com o mesmo modus operandi. 

Nos dois casos, Braga Netto foi personagem central, como comandante da intervenção militar no Rio, e como Ministro-Chefe da Casa Civil e coordenador do grupo de combate ao coronavírus. Os órgãos de controle, ainda não desmontados por Bolsonaro, nos dois casos, impediram a consumação das compras.

Não só isso: os personagens envolvidos guardam preocupante semelhança com aqueles envolvidos na tentativa de venda das vacinas Covaxin.

No caso da Covaxin, um dos personagens principais é Carlos Alberto Tabanez, proprietário de um clube de tiro e de uma empresa de terceirização, a G.S.I., que nos últimos anos conquistou R$ 20 milhões em contratos com o setor público, especialmente com o Hospital das Forças Armadas.

A CTU Security LLC, segundo o Miami Herald, além de vender equipamentos, é uma academia de tiro – e uma agenciadora de mercenários para ações políticas, conforme mencionamos e exemplificamos acima. 

Desde 2019 o jornal GGN aponta que os Clubes de Tiro são o principal braço armado do bolsonarismo, a partir das ligações de Eduardo Bolsonaro com o clube de tiro de Florianópolis. Eles são peças centrais da ideologia das armas.

E agora chega o principal: o fator Haiti, comprovando que o núcleo original é o da força de paz do Haiti. Em Brasília, Tabanez deu aulas de explosivos à tropa, quando se preparavam para ir ao Haiti. Já Tony Intriago tem relação umbilical com Haiti, a ponto de participar do assassinato do presidente.

Esmiuçando o caso Covaxin

No caso da Covaxin, um dos principais personagens é o reverendo Amilton Gomes, atuando através de uma falsa ONG, uma empresa de nome Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), que faz marketing da benemerência, mas está aberta para negócios.

Chamado de Covaxingate, o caso se trata de uma compra bilionária da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde, com vários indícios fortes de corrupção e participação direta do presidente da República. Militares transformaram, em plena pandemia, a compra das vacinas em negociatas realizadas em uma praça de alimentação de um shopping de Brasília.   

Conforme revelou Luís Nassif, a Senah é apresentada como ligada a uma tal Embaixada Mundial Humanitária pela Paz, além de se dizer parceira da ONU nas metas do milênio. Também se apresenta como especialista terapêutico, em psicologia e psicanálise.

No site da Senah, menciona-se que a tal Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários integra uma rede mundial que atua em 18 países.

Em 2021, o jornal GGN já dizia: “as ligações de Braga Netto com empresas especializadas em atentados políticos, o eixo Haiti, a enorme quantidade de militares envolvidos em irregularidades, os abusos de contratos sem licitação beneficiando os neo-empresários, militares da reserva que estão conseguindo contratos polpudos com o setor público, tudo isso leva a crer que o Twitter do general Villas Boas não foi o início da tentativa militar de empalmar o poder, mas o tiro de largada”.

O tuíte se refere ao postado pelo general mandando um recado direto aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que em menos de 24 horas votariam o pedido de um habeas corpus do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderia evitar a sua detenção pela condenação em segunda instância referente ao triplex do Guarujá. Lula acabou preso e fora das eleições de 2018.  

Entenda o caso da intervenção no RJ

O presidente Michel Temer decretou a intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro em 16 de fevereiro de 2018. A ação, que seguiu até 31 de dezembro daquele ano, envolveu um amplo conjunto de ações onde atuaram as forças de segurança do estado e, junto a estas, as forças militares, através das operações de “garantia da lei e da ordem” (GLO)

Toda a segurança do estado ficou nas mãos dos militares organizados pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF). São exatamente os militares do GIF alvos da operação com 16 mandados de busca e apreensão da PF, nesta terça-feira (12). Agentes saíram para cumprir os mandados no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em São Paulo e no Distrito Federal.

A PF investiga crimes de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa na contratação da empresa americana CTU Security LLC para aquisição de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço de R$ 4,6 milhões. O acordo acabou cancelado, e o valor, estornado.

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Renato Santana

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