Marco Aurélio Mello: Temer adotou “saída” semelhante de Cunha para reforma da Previdência

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Em entrevista, o ministro do STF também criticou a delação premiada e a prisão preventiva na Lava Jato e disse que não queria estar na pele da presidente da República
 
Jornal GGN – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, já havia se posicionado contra a manobra adotada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), para aprovar a redução da maioridade penal. O Globo, que fez a entrevista, publicou que o ministro não se lembrava, contudo, de decisão sua em matéria semelhante. Em nova entrevista ao Correio Braziliense, o ministro recordou que Michel Temer, enquanto líder do PMDB na Câmara, também já apelou por “saída” para aprovar a reforma da Previdência, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e Marco Aurélio concedeu liminar, suspendendo a votação na Câmara.
 
“Tivemos aquela saída do então líder do PMDB na Câmara, Michel Temer, na reforma da Previdência (governo Fernando Henrique Cardoso). E reafirmei esses dias o que disse no passado, quando dei a liminar (suspendendo a votação). Não estou prejulgando. A Constituição Federal é muito clara ao dispor que, rejeitada ou declarada prejudicada certa matéria, a reapresentação só pode ocorrer na sessão legislativa seguinte. É o parágrafo quinto do artigo 60, que está em bom vernáculo e bom português. Agora, parece que a tendência é vingar o jeitinho brasileiro”, apontou o ministro.
 
Na entrevista, o ministro evocou, sem cautelas, sua opinião para diversas polêmicas em voga atualmente. 
 
Criticou o tempo levado pelo Supremo para conduzir o caso da Lava Jato: “na primeira instância, no Paraná, já há processos sentenciados, e no Supremo nós não temos sequer ação penal”, disse, não deixando de apontar “alguma coisa errada” nas decisões de Sérgio Moro na instância do Paraná, indicando que as prisões preventivas são “açodadas”, “precoces” e “temporãs”, sem seguir a “ordem natural” da apuração das investigações. 
 
“Alguma coisa está errada, porque está na Constituição o princípio da não culpabilidade. Enquanto não houver decisão condenatória já preclusa na via dos recursos, temos que presumir que há não culpabilidade. Mas dá-se uma esperança vã à sociedade, como se fôssemos ter dias melhores prendendo de forma açodada, precoce, temporã. (…) Não conheço as premissas lançadas pelo meu tão elogiado colega Sérgio Moro para prender o presidente da Odebrecht, para prender o presidente da Andrade Gutierrez”, disse.
 
O ministro estendeu as críticas para as punições contra as empresas envolvidas. “Que empresas tocarão as obras? Aí, de duas, uma: ou não teremos a sequência das obras ou, então, essas empresas constituirão outras, mudando apenas a nomenclatura para continuar contratando com o Estado. As empresas estrangeiras virão para o Brasil com essa instabilidade? Não”, questionou, completando: “com a morosidade da Justiça, com a insegurança jurídica, com o Ministério Público no calcanhar, como às vezes fica… É um problema sério”.
 
Marco Aurélio Mello acredita, ainda, que as delações premiadas não são “espontâneas”, mas que a prisão de Marcos Valério, de 41 anos de pena, pode ter motivado as colaborações; teme pelo esquecimento de que “o ônus é de quem acusa” e que a “delação não é um testemunho”.
 
O ministro da Suprema Corte também analisou a situação da presidente da República, Dilma Rousseff. “Eu a tenho como uma pessoa honesta”, dizendo que não queria estar na sua pele, “isolada e envolvida pelo sistema”, abandonada pelo próprio partido. 
 
Quando questionado se a presidente tinha conhecimento do que ocorria no esquema julgado pela AP 470, conhecido como mensalão, Marco Aurélio respondeu: “Não posso subestimar a inteligência alheia. Não posso conceber que uma pessoa que chegue a um cargo como o de presidente da República permaneça alheia ao que está ocorrendo. Quando me perguntaram em São Paulo, eu disse: O presidente é um homem muito safo. Usei até essa expressão. É o tipo da coisa, o presidente da República de então foi um grande chefe de Estado. Ninguém viajou tanto quanto ele ao exterior, mas foi chefe de governo também. A presidente Dilma, a mesma coisa. E se dizia que ela seria a grande executiva. Aí, é que falo que o comprometimento dela está em ter se permitido ser envolvida pelo sistema. Não estou dizendo que seja desonesta, não estou dizendo e nem acredito que ela tenha tido vantagem pessoal. Mas não posso conceber que ela, presidindo o conselho diretor da Petrobras, não tivesse conhecimento de certas coisitas, para falar o mínimo”, disse.
 
Leia a entrevista completa, concedida ao Correio Braziliense:
 
Já há uma ideia de quando a sociedade verá um desfecho das denúncias da Lava-Jato?
Para o leigo, a leitura é péssima. Qual é o fenômeno que está ocorrendo? Na primeira instância, no Paraná, já há processos sentenciados, e no Supremo nós não temos sequer ação penal. Vai explicar ao contribuinte. Parece que nós estamos passando a mão na cabeça.

Os empresários estão presos e os políticos ainda não foram denunciados. Isso confunde o cidadão?
É um problema seriíssimo. A população carcerária provisória chegou praticamente ao mesmo patamar nas masmorras — para usar uma expressão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — da população definitiva. Alguma coisa está errada, porque está na Constituição o princípio da não culpabilidade. Enquanto não houver decisão condenatória já preclusa na via dos recursos, temos que presumir que há não culpabilidade. Mas dá-se uma esperança vã à sociedade, como se fôssemos ter dias melhores prendendo de forma açodada, precoce, temporã.

Há exagero nas prisões?
Não conheço as premissas lançadas pelo meu tão elogiado colega Sérgio Moro para prender o presidente da Odebrecht, para prender o presidente da Andrade Gutierrez. Não é que eu ache exagero. É que se está generalizando a prisão. Qual é a ordem natural? Apurar para, selada a culpa, prender-se em execução da pena. É como o problema da inidoneidade das empresas. Que empresas tocarão as obras? Aí, de duas, uma: ou não teremos a sequência das obras ou, então, essas empresas constituirão outras, mudando apenas a nomenclatura para continuar contratando com o Estado. As empresas estrangeiras virão para o Brasil com essa instabilidade? Não. Com a morosidade da Justiça, com a insegurança jurídica, com o Ministério Público no calcanhar, como às vezes fica… É um problema sério. Ou, então, para-se o Brasil para um balanço.

Mas está precisando, não está?
Olha, a Sandra, diante do excessivo rigor na preventiva, diz: “Mas também a corrupção chegou a um ponto…” Aqui em casa sou voto vencido.

Como é esse debate em casa, o senhor sendo ministro do Supremo e ela, desembargadora?
Em primeiro lugar, não há hierarquia. Ela manda (risos). Em segundo lugar, as cabeças são totalmente diferentes. Sob a minha ótica, ela é mão pesada. Ela é juíza criminal, presidiu o Tribunal do Júri durante muitos anos. É mais rigorosa e eu sou mais de buscar, sob a minha ótica, pode ser que eu esteja errado, a prevalência da ordem jurídica. Mas nós não conversamos muito (sobre os processos). Às vezes, ela me pergunta e eu respondo de supetão. Quando a minha resposta não agrada, ela diz: “Você não refletiu”. Se agrada, ela bate palmas.

O senhor é voto vencido também em casa?
Em casa, ela acha que tem que prender mesmo. Prende e arrebenta.

Ela concorda com as decisões do Sérgio Moro?
Concorda. Eu acho que alguma coisa está errada. Não posso imaginar que todas essas delações, principalmente delação que parte de alguém que está entre quatro paredes, sejam espontâneas. Claro que o pessoal está colocando a barba de molho por causa dos 41 anos (de pena) de Marcos Valério.

O mensalão é um marco para novos julgamentos?
Sabe qual foi a grande virtude dessa decisão? Foi mostrar ao povo que a lei vale para todos, banqueiros, empresários, um ex-chefe do gabinete civil…

E as pessoas esperam a mesma coisa agora?
Todos nós estamos muito curiosos para conhecer o conteúdo das delações que ainda não se tornaram públicas.

Qual é a força dessas delações?
A lei de regência pressupõe a utilidade, colaborando para a elucidação dos fatos. E de acordo com essa utilidade é que será minimizada a pena a ser aplicada. Não quer dizer que o delator será absolvido.

É possível confiar na palavra de um delator?
O ônus é de quem acusa. Aí surge um problema, um princípio básico: a palavra do corréu não serve para respaldar a condenação. Os delatores são corréus. A delação não é um testemunho. O lado positivo da delação é que avança na elucidação de alguns fatos, mas a delação precisa ser espontânea. Não posso prender alguém para fragilizá-lo e conseguir que ele entregue as pessoas.

O que o senhor achou da declaração da presidente Dilma sobre comparar delator de agora com os dos tempos da ditadura?
Prefiro a ênfase que ela deu à mandioca. Sabe que eu gosto muito de uma mandioca? Tenho plantada em casa. E é maravilhosa, é muda da Embrapa. É uma mandioca muito boa. A Dilma nunca comeu mandioca aqui em casa.

O senhor a convidaria?
Convidaria. Eu não queria estar na pele da presidente. Isolada do jeito que ela está e envolvida pelo sistema. Eu a tenho como uma pessoa honesta.

O que pode acontecer, na sua opinião?
Pode acontecer tudo. Para mim, cidadão, pela experiência que tenho, pior do que a crise econômica, financeira, é a crise política atual, que é muito, muitíssimo séria.

O procurador-geral da República pretende manter no Supremo todos os processos envolvendo políticos, mesmo os sem foro… Vai ser o debate do mensalão sobre desmembrar ou não?
É outra coisa também que não compreendo, uma no cravo, outra na ferradura. Aí se diz que neste caso é conveniente que se tenha no mesmo órgão, detentores da prerrogativa e cidadãos comuns. Isso não pode ocorrer. Por quê? Porque a nossa competência é de direito estrito. É o que está na Constituição Federal. Uma norma processual comum, como é a norma do Código de Processo Penal sobre conexão ou continência, que é ter-se vários acusados, não pode alterar a Constituição Federal. Eu, por exemplo, quando recebo o inquérito, a ação penal, a primeira coisa que olho é se todos os investigados ou acionados têm a prerrogativa. Não tendo, eu desmembro na hora e aguardo o agravo regimental. Levo para o colegiado e o colegiado decida como quiser.

O critério é quem tem mandato vai para o STF, quem não tem fica na primeira instância?
Sim. E sou contra a prerrogativa de foro, porque não julgamos o cargo. Ninguém é insubstituível. Julgamos o cidadão. Por mim, todos seriam julgados lá na pedreira, na primeira instância.

No caso do juiz Sérgio Moro é pedreira mesmo?
Haja pedra…

Da redemocratização para cá, o senhor vê um momento tão conturbado? Podemos comparar a época do governo Collor ao que vivemos agora?
Penso que o quadro é muito pior. Pela corrupção generalizada. Sempre tivemos, desde que o mundo é mundo, a corrupção. Mas não dessa forma, linear, que todos, pouco importando a estatura do cargo, querem ganhar. É algo incrível. Agora mesmo, eu estava ouvindo o jornal de 13h, dizendo que já conseguiram recuperar R$ 700 milhões e não houve “hasta pública” (leilões de bens) até aqui. É em pecúnia, em espécie! E parece que chegaremos já a R$ 1 bilhão. E o prejuízo dado à Petrobras seria de R$ 19 bilhões. Algo que não conseguimos nem pensar. Sabe o que é mais triste? Lá atrás, na eleição do presidente Lula, acreditamos que havia um partido. Um partido ético, voltado a corrigir as desigualdades sociais que nos envergonham. Mas, a decepção é incrível. De quantos anos vamos precisar para corrigir isso? Para recuperar valores? Não sei.

Como o senhor vê a participação do ex-presidente Lula dizendo que o PT tem que mudar?O criador arrependido quanto à criatura.
Mas o que se diz é que ele não está sendo investigado. Não conheço o que há em termos de delação, e o que se diz é que ele não está sendo investigado mesmo. Agora, o desgaste, inclusive para ele, político, em termos de cidadania, é enorme.

Que saída o senhor vê para essa crise? A presidente Dilma tem condições de recuperar a credibilidade?
Ouvi outro dia um político muito experiente falar em algo que não é da nossa cultura: parlamentarismo. E o primeiro ministro seria, já com um poder maior do que tem agora, o vice-presidente Michel Temer. Agora, três anos e cinco meses com o governo precisando adotar medidas antipáticas. Não sei qual é a solução.

Quando o senhor fala em isolamento, o senhor acha que o próprio partido já a abandonou?
Acho. Tivemos, nas discussões travadas na Câmara, a revelação disso. Um partido de oposição diz não, não vamos votar enquanto o partido da situação não se definir. Vai ficar dando uma de mineiro, em cima do muro? Acho que ela está muito isolada e isso não é bom institucionalmente. Muito, mas muito isolada. E até certo ponto, há uma ultrapassagem de limites para uma retaliação em certas matérias.

Por exemplo?
A PEC da Bengala. Fiquei contentíssimo, meu sentimento foi duplo. Alegria por continuar fazendo o que gosto, o que eu amo fazer, e tristeza porque aprovaram na base da retaliação. Tenho que admitir, não sou ingênuo. Aprovaram na base da retaliação mesmo! Ela (Dilma) teria a possibilidade de nomear para o Supremo um grande número de ministros e, para o STJ, o TST, outro número. A cadeira tem uma importância enorme. Muitos rendem homenagens, muito mais à história da cadeira do que à pessoa que a está ocupando. Hoje, não se tem apego a qualquer valor. Eu não queria estar na pele dela.

Por quê?
Não sei a quem ela (Dilma) ouve, mas está superisolada. Por exemplo, o grau de aprovação caindo, chegou a 9%. Não é brincadeira. O que está ocorrendo agora, em termos de comemoração dos meus 25 anos de Supremo, me estimula. Recarrega incrivelmente minhas baterias. Agora, imagina o contrário? Nós somos humanos. O tempo todo a pessoa sendo fustigada por todos os lados? É algo incrível, porque você tem, de um lado, a necessidade de um Legislativo se fortalecer para não estar atrelado como esteve até aqui ao Executivo.

Nesses 25 anos de Supremo, qual foi o momento mais delicado, mais dífícil?
Não houve. Você entra numa dinâmica tão grande que se acostuma, não há momentos muito delicados.

Mas há um grande tema que o senhor julgou, que marcou? O mais crítico foi Cacciola (o habeas corpus que liberou o banqueiro, antes da fuga)?
Não, Cacciola foi um habeas corpus e reafirmei no plenário o que fiz anteriormente, que havia um processo crime, com cerca de 13 envolvidos, e apenas ele preso. E a base maior para a custódia seria o fato de ele ter dupla nacionalidade. Então, qualquer estrangeiro residente no Brasil acusado teria que ser preso, a prisão seria automática. Agora, há um detalhe interessante: ele praticamente já cumpriu a pena. E os outros condenados, inclusive um ex-presidente do Banco Central, o Francisco Lopes, onde estão? Onde está essa sentença? Não sei. Nunca foram punidos, nem provisoriamente.

Esse foi talvez o momento crítico para o senhor?
Você vai com o tempo criando uma couraça para críticas. O juiz sempre está a contentar uma parte e descontentar outra. E nem sempre o juiz está com a maioria. Ele, às vezes, é contra majoritário. Não busco nem aplausos. Quando a minha decisão coincide com os anseios da sociedade é maravilhoso, mas, quando não coincide, você tem que atuar segundo a ciência e a consciência possuídas.

O fato de o senhor ser voto vencido o incomoda?
Não. Eu estava vendo o livrinho do Supremo (dos 25 anos). Tem uma fala do ministro Peluso (Cezar Peluso) quando completei 20 anos de STF. Ele diz que eu saio com a mesma expressão que entrei na sessão. Integro um colegiado. Não disputo coisa alguma em votações verificadas, muito menos supremacia intelectual. Às vezes, acredito até no juízo da maioria (risos).

O seu temperamento não é de tentar impor o voto?
Não. As minhas participações são relâmpago. Às vezes, incomodo. Reconheço que incomodo. Por exemplo, no plenário, não conheço o instituto da ressalva. Eu penso uma coisa, mas não adiro, porque a maioria pensa de outra forma. Não reconheço. Quando cheguei ao Supremo, era um tabu divergir do presidente. O presidente leva um agravo, você levantar um dedo para divergir… O presidente é um igual. É um simples coordenador. 

Como o senhor gostaria que a história o julgasse?
Como um servidor. Uma pessoa que buscou servir com pureza da alma. Sou humano. A Justiça, obra do homem, será sempre passível, não sou o dono da verdade. Agora, o que se espera em um colegiado é que cada qual se manifeste segundo a compreensão da matéria que esteja em mesa. Isso é colegiado. Se não, teria uma voz única. Não se teria uma turma, um plenário. E, enquanto eu estiver por aqui, será assim, e me divertindo.

Acha que é justa a forma de nomeação dos ministros do Supremo?
Costumo responder revelando o que ocorre na América: por que lá funciona e aqui durante muito tempo não funcionou, principalmente a questão da sabatina, que era encarada como algo pró-forma? Sem crítica ao Senado, quando fui indicado, era ministro do TST havia oito anos, tinha sido juiz no Rio, tinha sido do Ministério Público. Preocupadíssimo, levei o meu currículo aos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e fui para a comissão para ser sabatinado. O presidente apressava os senadores porque haveria uma sessão conjunta. É brincadeira. 

Seus críticos usaram o fato de o senhor ter sido nomeado pelo presidente Collor, seu primo. Isso já lhe incomodou em algum momento?
Não. Cheguei ao Supremo em 1990 com uma trajetória. E vim manter contato com o presidente Fernando Collor quando ele já era deputado federal aqui em Brasília. Ele sempre viveu mais em Brasília e Alagoas. Tio Arnon era senador. Minha família, no Rio. No governo do presidente Sarney, meu nome surgiu apoiado pela comunidade jurídica trabalhista para três vagas. Mas, àquela altura, eu tinha como primo o maior desafeto do presidente Sarney. Depois, surgiu um problema seriíssimo, porque o presidente Collor tinha como bandeira o combate ao nepotismo. Como nomear um primo? O que fez o Planalto, e foi aí um ato de mestre? Dois ofícios: um ao STJ, questionando quem seria candidato, o presidente respondeu que todos. O meu tribunal (o TST) reafirmou que o nosso candidato era o ministro Marco Aurélio. Aí Collor ficou à vontade para me nomear.

O senhor já ocupou a Presidência algumas vezes. O que o senhor faria se estivesse no lugar da presidente Dilma? 
Primeiro, evitaria chegar a esse momento. Agora, atuaria. Não cruzaria os braços, não me acomodaria. E é o que ela vai fazer. Ela vai continuar atuando. Nessa questão dos servidores do Judiciário, ela vai vetar. Vai deixar o problema de derrubar o veto com o Congresso.

Acredita numa negociação para reduzir o percentual?
Mas, em cima da lei que já assegura o direito? E os servidores entrando em juízo a partir da lei? Vai ser a Babel se fizerem uma negociação porque o sindicato da categoria não vai aceitar.

O governo se propunha a conceder até 21%…
Mas eu acho que 21% não cobririam as perdas. Se você cotejar a remuneração do Judiciário com a remuneração do Executivo, a do Judiciário está acima. Com o Legislativo, não. O Legislativo é o céu.

O senhor é favorável ao auxílio-moradia para o Judiciário?
O subsídio foi criado para haver uma parcela única. Já avisei à minha mulher, que está recebendo — eu não recebo, porque são dois juízes morando na mesma casa e os dois não podem receber. Eu já disse a ela: Bateu no plenário, vou concluir pela inconstitucionalidade, porque a administração pública se submete ao princípio da legalidade estrita. Enquanto o particular pode fazer tudo o que não estiver proibido em lei, o administrador só pode fazer o que está na lei. Mas a coisa já ficou generalizada. Agora criaram a acumulação. Se o juiz atua em dois órgãos no tribunal, tem direito a um plus. Estamos voltando ao passado, de remuneração com acumulação de diversas parcelas.

O senhor falava da presidente Dilma, falou do presidente Collor. Que diferença o senhor vê entre a classe política de 20 anos atrás e a que temos hoje?
Os interesses paroquiais cresceram muito. O que é ruim, o que é péssimo. É aquela história de assumir um cargo não para servir, mas para se servir do cargo. Desta ou daquela forma, não importa, não é só a prata. Há uma outra forma, que é muito pior, segundo o padre Antônio Vieira, de se implementar a corrupção, que é a corrupção dissimulada. E aí, a corrupção latu sensu, pegando a contrariedade ao interesse público.

Durante o mensalão, a grande pergunta era se o presidente Lula sabia daquilo tudo. O senhor acha que a presidente Dilma sabia de tudo?
Não posso subestimar a inteligência alheia. Não posso conceber que uma pessoa que chegue a um cargo como o de presidente da República permaneça alheia ao que está ocorrendo. Quando me perguntaram em São Paulo, eu disse: O presidente é um homem muito safo. Usei até essa expressão. É o tipo da coisa, o presidente da República de então foi um grande chefe de Estado. Ninguém viajou tanto quanto ele ao exterior, mas foi chefe de governo também. A presidente Dilma, a mesma coisa. E se dizia que ela seria a grande executiva. Aí, é que falo que o comprometimento dela está em ter se permitido ser envolvida pelo sistema. Não estou dizendo que seja desonesta, não estou dizendo e nem acredito que ela tenha tido vantagem pessoal. Mas não posso conceber que ela, presidindo o conselho diretor da Petrobras, não tivesse conhecimento de certas coisitas, para falar o mínimo.

Delatores têm dito que houve doações legais por meio de chantagem. Como se julga isso? É corrupção?
Todos nós temos freios inibitórios e precisamos mantê-los rígidos. Se não mantiveram, é porque tiveram interesse em não manter. Essa história agora é como a lei da escravatura: é para inglês ver.

Numa lista, o Flamengo está em que lugar?
14° (risos). O Flamengo compõe a parte do divertimento. E muito sofrimento. Não queiram saber como me arrependo quando paro duas horas para ver um jogo como Flamengo e Vasco. Não me envolvi, por exemplo, com os jogos da Seleção porque ela deixou há bastante tempo de empolgar. Não me refiro apenas ao 7 x 1.

Foi ao Mané Garrincha?
Fui e tive o desprazer de ver aquela vaia dada à presidente na abertura da Copa das Confederações. Fiquei constrangido como brasileiro. Ali já foi uma sinalização muito forte do que estaria no horizonte.

O senhor seria um bom engenheiro, como seu pai queria?
Minha mulher diz que eu seria um bom militar.

Que conselhos que o senhor daria para esses jovens que querem seguir a profissão?
Primeiro, que o aperfeiçoamento é infindável, o saber será sempre uma obra inacabada. Pobre de espírito é aquele que acha que não precisa mais de aporte no campo do conhecimento. Segundo, ler o que puderem ler e cuidar da formação humanística, porque o direito é feito para os homens e não os homens para o direito. E eu digo que, para quem julga, mais importante do que a formação técnica, que se imagina que tenha, é a formação humanística. Como você aprimora? Na convivência, no relacionamento, lendo romance. Por que romance? Porque há conflitos, você adota posição, aguça a sensibilidade.

O senhor tem esperança de que a situação do país melhore?
Há uma inversão de valores, mas são tempos alvissareiros, porque já não se varre para debaixo do tapete, graças a uma imprensa livre como a que nós temos. Se há algo democrático, por excelência, é a imprensa. Graças também à atuação da polícia, especialmente a federal, do Ministério Público e da magistratura, nós podemos ter esperança daquele Brasil sonhado, ou seja, é tempo que preocupa, mas que sinaliza correção de rumos. Temos que passar por isso para evoluir.

Como o senhor viu a emenda aglutinativa da maioridade penal? Foi a primeira vez?
De certa forma, tivemos aquela saída do então líder do PMDB na Câmara, Michel Temer, na reforma da Previdência (governo Fernando Henrique Cardoso). E reafirmei esses dias o que disse no passado, quando dei a liminar (suspendendo a votação). Não estou prejulgando. A Constituição Federal é muito clara ao dispor que, rejeitada ou declarada prejudicada certa matéria, a reapresentação só pode ocorrer na sessão legislativa seguinte. É o parágrafo quinto do artigo 60, que está em bom vernáculo e bom português. Agora, parece que a tendência é vingar o jeitinho brasileiro.

Isso o preocupa?
Toda vez que há um desprezo à Lei das Leis, nós temos preocupação. Não se avança culturalmente assim. Não pode prevalecer o critério de plantão. O que tem que prevalecer é a Constituição. Entretanto, é cedo para falarmos qualquer coisa. Ainda temos a segunda votação. Quem sabe haja um arrependimento eficaz? E temos o Senado. De qualquer forma, se prosseguir o quadro, há a última trincheira, que é o Supremo. Naquela época da reforma da Previdência, surgiu uma nova proposta com a aglutinação. Pegararam pedaços, mas a matéria era a mesma. Agora é a mesma. É redução da maioridade. Que redução? Pouco importa. A Constituição se refere ao gênero matéria. Não ao texto. Naquela época eu dei a liminar e o pleno saiu pela tangente dizendo que não cabia. Mas, o homem (Eduardo Cunha) é um craque, hein? Se ele não estivesse numa idade mais avançada, eu ia sugerir a contratação pelo Flamengo (risos).

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Boa entrevista

    Mas no quesito corrupção está equivocado. Deve ler muito o jornal o globo, a revistinha do esgoto, o jn e assumiu esta de corrupção crescente. E desconhece que a imprensa “democrata” é a expressão de poder de 7 preciosissimas e desonestas  famiglias. Nossa imprensa não é livre, não é neutra, não é pluralista, e a quilômetros da democracia, só não vê quem não quer. Eu a considero criminosa.

    E a corrupção no governo?  Quem enriqueceu no leque dos auxiliares do governo pt? Pode ter até alguem, é claro, mas não posso citar ninguem. Sem falar que governo que ressuscita para a sociedade 40 milhões de pessoas, que leva pancadas para levar 50 milhões de consultas médicas aos que nunca a tiveram, não pode ser desonesto. Para ser desonesto o caminho seria o lado oposto, como antes faziam. E um lider da grandeza do Lula, ele sabe, nunca pode ser mencionado como safo.

    Não devia citar o marcos valério. Tinha por ele as piores impressões mas depois que pegou 41, 41, anos, a maior pena que conheço, ví que foi injustiçado, vítima da injustiça que se dirigia a outrem. Tudo porque o pt tava na mira. Comparemo-lo com o youssef. Este é heroi. E a injustiça destes 41 anos é bem coerente com esta idéia de que a corrupção está ai no ar. A maioria das pessoas se alivia com este grito de “pega ladrão”, tão conveniente para quem …

     

  2. É preocupante o pensamento

    É preocupante o pensamento desse ministro sobre a conjuntura política e a forma como ele a interpreta, formando opinião com base no que é publicado pela velha imprensa de papel. Marco Aurélio Mello é um grande leitor de jornais e assim como a imensa maioria que forma opinião no que é publicado nesse meio, um tremendo analfabeto político.

    Falar de corrupção generalizada nos dias que correm, quando todos os instrumentos que permitem as investigações foram ampliados e não há mais a famigerada ingerência política que caracterizava o Brasil patrimonialista de antanho, sem reconhecer que isso só foi possível graças a política de governo, desse e do governo anterior, é ignorar o processo histórico, ainda mais quando um órgão de estado como a PF que tem controle político do governo eleito pelo povo e a ele não é dado autonomia funcional, mas o chefe de Estado abdicando de sua autoridade para fazer o controle das ações funcionais de seus membros que agem de acordo com suas idiossincrasias políticas, em afronta a autoridade máxima do presidente da República, permindo que a crise polítca recrudesça, aumentando a temperatura da crise institucional em curso que se acentua quando as investigações tem um direcionamento claro, com alvo específico e não se espraia para todos os espectros ideológicos partidários, daí porque esse sentimento de corrupção generalizado vai se cristalizando em todas as camadas sociais, máxime pela recusa da presidenta de fazer a luta política, o debate sobre o tema da ordem do dia, preferindo a reclusão e o silêncio que a vitimam.

    Essa visão que tem o ministro se assenta no denuncismo e na campanha sistemática que a velha imprensa de papel faz  quando divulga com grande alarido os escândalos de corrupção que atinge o governo, apenas esse governo, como se as mesmas empreiteiras não tivessem negócios em todos os governos estaduais, na imensa maioria dos municípios e até no judiciário, quando são contratadas para reformar ou construir templos nababescos que são os palácios de justiça, uma ignomínia para um país tão desigual como o Brasil, praticando os mesmos superfatumentos, esquemas de propinas que vemos em todos setores da administração pública, formação de cartel e corrupção de funcionários subalternos e graduados dos três poderes.

    No mármore branco do STF, sobre o qual Marco Aurélio Mello pisa todo santo dia tem as digitais da corrupção. No metrô de São Paulo, no Rodoanel, no choque de gestão dos governos tucanos e de todos os partidos, assim como na vida diária de milhões de brasileiros que se comportam como virgens de bordéis mas que são corruptos desde criancinha quando fazem declaração de renda ou praticam o contrababndo, o descaminho, o suborno a policiais, guarda de transito et caterva.

    A corrupção no Brasil é uma prática cultural que está entranhada no modo de vida do brasileiro e o acompanha por toda a existência e para onde for: quando migra de uma escala funcional a outra, da iniciativa privada para vida pública e assim sucessivamente.

    Não existe isso de imprensa livre no Brasil. O que existe é uma imprensa comercial, com fartos negócios com o Estado, sobrevivendo dos cofres públicos, uma imprensa politicamente engajada, com interesses ideológicos e partidários muito claros e cujos representantes que melhor satisfariam esses interesses, são os tucanos, o braço visível da plutocracia nacional.

     

     

     

  3. Um danado, esse ministro de

    Um danado, esse ministro de dicção estilo barroco-rococó: ora dá uma de irônico(na resposta à pergunta acerca das palavras de Dilma sobre as delações); ora dá uma de “João sem braço”(na resposta acerca do auxílio-moradia e sobre as circunstâncias da sua nomeação); ora dá uma de “desinformado” (quando diz que a corrupção de agora é a maior da história). 

    O ministro Marco Aurélio de Mello é um safo(royalties para o ministro Marco Aurélio de Mello)

  4. O QUERTO PODER FALANDO COM O 3º ….

    O jornalista do “Correio” pergunta só o que quer ouvir. Mello responde só o que quer falar. E assim caminha o impedimento de Dilma que está na boquinha da garrafa. Infelizmente. Tudo, por enquanto, muito bem costurado.Com muito petista dando uma de “joselino barbacena”. Que náusea!

  5. Juiz midiático, que fala

    Juiz midiático, que fala muito, diz um monte de besteiras. Embora diga algumas obviedades, Marco Aurélio Mello é vaidoso e falastrão e várias das vezes em que ele votou de forma divergente e discursou em sessões da côrte foi por pura vaidade e presunção. E sobre política ele perdeu a oportunidade de ficar calado.

  6. E…………

    Ele como muitos do judiciário, querem é palanque !!!!!!

    Se honrassem os cargos para os quais foram indicados, diriam as verdades ocultadas pela imprensa prostituta, que ora defendem !!!!

    Se fosse a Operação Vaza Jato para realmene combater a corrupção, não se prestaria a fazer vazamentos seletivos e ingnorarem as delações de politicos dos outros partidos que blindam !!!!

    O golpe está em curso e esta figura, não s enganem, faz parte do processo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  7. Para colocar na página inicial do blog

    “”…são tempos alvissareiros, porque já não se varre para debaixo do tapete, graças a uma imprensa livre como a que nós temos. Se há algo democrático, por excelência, é a imprensa.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador