O mercado de arte e a lavagem de dinheiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Alfeu

do Deutsche Welle

Falta de controle torna mercado de arte atraente para criminosos, diz especialista

Criminosos de todo o mundo se voltam para o mercado de obras de arte na hora de lavar dinheiro, garante estudioso. Principais motivos são falta de controle e má preparação das autoridades.

Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de artes suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro. Nesta quinta-feira (19/03), 139 peças recolhidas na décima fase da investigação foram destinadas ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Só na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, a PF encontrou 131 obras.

Desde o início da operação, o museu curitibano recebeu 203 obras apreendidas. O acervo conta com quadros de artistas internacionalmente conhecidos, como Joan Miró, Salvador Dalí, Amílcar de Castro, Di Cavalcanti, Romero Brito, Aldemir Martins e Miguel Rio Branco. A coleção da Lava Jato ficará sob custódia provisória do MON até o fim da investigação e o julgamento dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

O uso do mercado de artes em esquemas de lavagem de dinheiro, no entanto, não é algo novo nem exclusivo do Brasil. Durante seis meses, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sanctis pesquisou nos Estados Unidos como o mercado de arte é usado mundialmente para lavar dinheiro. A pesquisa resultou em um livro, lançado em 2013 nos Estados Unidos e posteriormente na Europa.

A obra, com o título provisório Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte, foi atualizada e traduzida para o português e será lançada em breve no Brasil pela editora Del Rey. Em entrevista à DW Brasil, De Sanctis falou sobre as relações entre a lavagem de dinheiro e o mercado mundial de obras de arte.

DW Brasil: O que torna o mercado de artes um espaço atraente para a lavagem de dinheiro?

“O mercado da arte sempre foi relativamente livre”, afirma o desembargador Fausto Martin De Sanctis

Fausto Martin De Sanctis: O mercado da arte sempre foi relativamente livre. Ele é uma arena real e, ao mesmo tempo, clandestina. Poder-se-ia dizer que constitui um ecossistema à parte, porque sempre existiu, com muita tolerância, o uso de documentação falsa ou, muitas vezes, a documentação de posse sequer existe.

Então é um mercado em que a ética de suas práticas deve ser discutida. Ele acabou se tornando atraente para a criminalidade organizada, pois é muito mais fácil lavar [dinheiro] diante da ausência de controle por parte das agências governamentais.

Essa ausência de controle se deve a que fatores?

Há um furo de regulamentação e regulação mundial desse mercado. Assim, delinquentes de crimes econômicos, corrupção, fraudes financeiras e, mais recentemente, tráfico de drogas usam esse mercado diante dessa falta de controle e da facilidade de transporte da obra de arte, sem que ninguém questione esse comportamento.

Hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que a obra de arte. Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta. Não há, no mundo inteiro, preparação por parte das autoridades alfandegárias e por parte das autoridades da receita federal.

Por outro lado, as grandes casas de leilão internacional vendem obras e admitem pagamento em espécie. E, quando ocorre o pagamento em espécie, pouco é questionado sobre quem são os compradores dessas obras.

Onde são adquiridas as obras compradas para a lavagem de dinheiro?

Elas podem ser compradas diretamente com o proprietário ou em casas de leilões internacionais. Um aspecto importante desse setor é que ele é marcado pela confidencialidade, ou seja, quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota.

Assim, seria uma vergonha se mostrar com vendedor de arte, o que não necessariamente é verdade. O mercado faz questão de preservar a confidencialidade com esse argumento. Só que a confidencialidade não pode existir para as autoridades públicas. Se houver suspeita, os nomes do vendedor e do comprador precisam ser comunicados.

Obras roubadas também são compradas no esquema de lavagem de dinheiro?

Existe de tudo. Roubo de obra de arte é frequente. Eu tive casos grandes de tráfico, por exemplo, nos quais peças estavam sendo negociadas para fins diversos, inclusive de fuga, ou seja, obras de artes estavam sendo negociadas e o setor não estava fazendo nada. Quando há o combate à lavagem de dinheiro e se permite esse furo, então não há um combate à altura do crime organizado.

Então, no esquema de lavagem de dinheiro, a pessoa compra a obra para lavar o dinheiro e, depois, caso precise do dinheiro, ela revende a peça…

Exatamente. Na lavagem de dinheiro há três fases. Na primeira, a pessoa coloca o dinheiro num local que não seja ligado a ela. Depois ela afasta esse valor ainda mais para quebrar a cadeia de evidências. A terceira fase é a reintegração, ou seja, o montante que estava em algum lugar escondido volta para o mercado com a aparência de licitude. Eu falo também numa quarta fase, a reciclagem, quando a pessoa começa a apagar todos os indícios de lavagem de dinheiro.

Existe um motivo que leve uma pessoa a escolher o mercado da arte, e não outro meio, para a lavagem de dinheiro?

Quem recebe dinheiro ilegal adquire a obra de arte para não chamar atenção, pois poucos conhecem arte de verdade, ainda mais arte moderna. Uma obra de arte muitas vezes não acarreta sinais exteriores de riqueza. A pessoa pode ter um monte de obras de arte em casa e ninguém percebe que ela é milionária ou bilionária, dependendo do valor das obras.

Como é provado que as obras apreendidas em alguma operação são oriundas de lavagem de dinheiro?

No crime de lavagem de dinheiro, a pessoa desejar ocultar das autoridades o dinheiro obtido ilicitamente. Então, cabe ao Ministério Público provar que a pessoa adquiriu determinada obra de arte com o objetivo de não chamar a atenção das autoridades públicas para o dinheiro obtido ilicitamente. Lavagem de dinheiro é indício, basta a comprovação de indícios, ou seja, o conjunto de indícios é que vai dar a certeza ou não da existência do crime.

Com relação ao Brasil, existe alguma legislação que determina o destino final de obras de arte oriundas de crimes de lavagem?

A legislação não fala exatamente sobre o destino a ser dado ao bem obra de arte quando apreendido. O Brasil é signatário da convenção da Unesco de 1970 sobre proteção à arte no mundo, que deixa claro que os estados têm dever de preservar obras de arte para gerações futuras. Assim, obras de arte apreendidas, a meu ver, têm que ser destinadas a entidades culturais para acesso público.

Então, na verdade, a decisão do destino final fica na mão do juiz que está julgando o caso?

É. Mas a minha tese é que a legislação internacional conjugada com a legislação brasileira sobre arte determina que essas obras sejam destinadas a entidades culturais. A minha interpretação jurídica disso é que não pode ser dada outra destinação a não ser entidades culturais, não é possível a venda das obras para ressarcir quem quer que seja.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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    1. Essas obras não tem valor algum

      Essas obras mostradas de forma espetaculosa por uma midia babando de sede de ódio e vingança podem ser jogadas na lata do lixo pq não tem o valor algum uma vez que, apesar de serem atribuidas a artistas famosos são obras sem grande significado, há  até falsificações/reproduções,  o acervo não tem o valor que a midia lhe atribue embora  a sensação que se tem é a de que Picasso tá brotando feito água das ‘paredes falsas’ do Renato Duque …um Renoir noticiado como sendo autêntico era uma cópia…tudo bem, servem ao espetáculo que só pode ser compreendido à luz do Direito Penal do Inimigo…deu na insuspeita Folha: Critica Cafona: Exposição de obras apreendidas na Lava Jato vale mais pela coragem da PF

      http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/03/1605830-critica-cafona-exposicao-de-obras-apreendidas-na-lava-jato-vale-mais-pela-coragem-da-pf.shtml

    2. Sim, André! Romero Britto é

      Sim, André! Romero Britto é horrível.

      mas, justamente, a partir do momento em que existe uma valorização deliberada do trabalho deste senhor, não seria uma pista para um esquema de lavagem de dinheiro? o mesmo (para mim) para Damien Hirst etc e tal…

    3. Calma

        Meu caro AA,

         Quanto a “qualidade artistica “, possivelmente o Sr. Britto, um produtor de arte em larga escala, pode não ser do gosto de muitas pesoas, mas trata-se de um bom marketeiro, com obras bastante vendaveis (  é um dos participantes da Montblanc International Collection, o que é um reconhecimento de sua obra para o mercado ) na Asia , de onde atualmente – aliás há uns 10 – 15 anos –  aflui o dinheiro grosso neste mercado, tanto que uma obra de Britto, já alcançou, na Shoteby’s, em venda para asiáticos, quantias superiores a US$ 80.000,00. ( 120.000 HKD )

           Artistas de “facil expertise” ( grande movimento em galerias e leilões, facilmente reconhecidos pelos experts), mas desconhecidos do publico, mas com influencia no mercado internacional de arte, com grande produção – chancelados por casas de leilões, portanto “possuem valor e preço ” – são os mais “utilizaveis” em operações heterodoxas de transferencia de capitais, pois um Renoir, Matisse, Picasso, Dali, Volpi, POrtinari etc.., claro que em Oleo s/ Tela ( gravura, xilografias, são para principiantes, nada valem ), até mesmo um Procurador Publico ou um Auditor Fiscal , com suas parcas culturas artisticas, conseguem reconhecer, já obras de autores conhecidos apenas pelo mercado, fica dificil avaliar, até para especialistas.

           Meu caro, já encontrei um Teruz , e imagine só: um Volpi fase academica, a inicial ,antes das famigeradas “bandeirinhas”, em um closet da casa de um galerista, e este quadro tem um valor muito maior que qualquer outro da fase posterior, por sua raridade.

  1. Vamos chegar a um momento em

    Vamos chegar a um momento em que qualquer transação com arte será lavagem de dinheiro nessa obsessão louca para

    criminalizar a vida, a arte, o lazer, até liquidarem com a economia de mercado, tudo será lavagem de dinheiro, menos os salarios da turma do concurso publico.

  2. Desapontamento

    A entrevista do douto desembargador me deixou desapontado. Não disse coisa com coisa. Absolutamente nenhuma novidade. Pior, colocou todos (sim, todos) os vendedores/compradores como lavadores de dinheiro. Não seria mais fácil um criminoso vender para outro criminoso? Dizer que a legislação (mundial) não a contempla, em si, risível. Era só o que faltava, agora, quererem um código penal específico para as obras de arte. Acontece que nossa(s) polícia(s) não possue(m) treinamento exclusivo sobre o assunto. Então, invadem as moradias e tiram tudo das paredes. Aliás, se nossos legisladores dessem mais importância à ação da receita federal, já estaria de bom tamanho. Se o livro do desembargador é (só) isso aí, agradeço e passo longe.

  3. O VALOR SUBJETIVO DA ARTE

    Assim como banqueiros de países diferentes, que, muitos anos atrás, aceitavam um documento como “valendo” dinheiro, o comercio da arte precisa também de algum grupo organizado e espalhado pelo mundo, que permita nivelar o valor do material (neste caso “arte”) comercializado pelo mundo. Trata-se de outorgar valor a coisas fáceis de transportar, já que não é possível tirar de dentro de uma nação – por subjugada que esta seja – os seus rios, a natureza e os minérios.

    Um sujeito com uma tela assinada por um bacana, dentro de um tubo, pode ser então mais rico do que um país inteiro, se este estivesse à venda. Isso não parece lógico, mas existe o tal de “mercado” que nos obriga a pensar assim. O quadro vale para quem sabe que em outro lugar do mundo alguém poderá trocar este em espécie (dólar, por exemplo, outro papel pintado que vale por convenção – desta vez, aceito pela maior parte do mundo).

    Em suma, o fato de utilizar obras de “arte” para lavar dinheiro deve-se, principalmente, a que existe comprador e, por tanto, convenção entre grupos globais, que outorgam valor a determinadas coisas que às vezes nem valem tanto assim. Existem catálogos, entre os “marchand”, que universalizam o valor de determinadas obras. Alguns artistas são mais “valorizados” e são carimbadas como sendo de “valor” algumas telas horrorosas. Eles criaram uma moeda, universal, e transada entre gente da tchurma e infiéis iludidos, que acham que isso vale mesmo. Assim como “o rei está nu”, algum dia alguém vai gritar que as pinturas de fulano são falsas e, em algum lugar do mundo, algum incauto irá ficar com milhões de dólares perdidos por causa de uma tela sem valor nenhum.

    O valor é subjetivo (e protegido, por grupos organizados), assim como a própria arte, de modo que se alguém utiliza este tipo de alternativa para movimentar dinheiro mal havido, somente o poderá fazer por conta de um grupo de espertos que convencionam e pactuam o comercio mundial de obras de arte. São eles o misterioso “mercado”, que algumas pessoas mencionam sem saber o que é.

    O Juiz autor do livro deveria procurar também culpar a esses facilitadores de corrupção, que transportam riqueza de um lugar a outro, uma espécie de Western Union de obras de arte.

    Pessoalmente, eu não vejo valor algum em pedras coloridas nem em telas de pintor abstrato, muito menos em antiguidades (podem achar que sou um sujeito um tanto rústico). Valor para mim tem a terra, a água, a natureza, ou seja, Brasil é rico demais e não trocaria nenhuma parte dele por uma pedra ou por uma tela de artista bacana enrolada num tubo.

    O mundo todo está sufocado por valores veniais, impostos por convenção pelo tal de “mercado”, mas que na verdade não têm esse valor todo. A riqueza de homem está na sua terra, nos seus valores morais e éticos, na sua companheira (o), na força da coletividade. Já o deslumbrado, acha que uma pedra da lua vale bilhões de dólares. Eles começam assim, comprando um jeans da santista por mil reais, apenas porque tem uma marca bacana. Há no mundo gente que cria arte, outros que espalham e valorizam como se moeda fosse, e os incautos que compram achando que vale tudo isso.

  4. Arte, a vida e o sistema.

    Nada do que se escreveu no texto do “Deutsche Welle” deixa de servir para todas as ativididades humanas transformadoras de coisas em mercadoria.

    De jogador de futebol a pratinhos de louça de pendurar na parede com reprodução da Mona Lisa, como bem nos lembra Nelson Leirner.

    O grande mote é o fetiche!

    O fetiche serve pra vender do ensino nossos filhos até o nosso caixão e funciona perfeitamente azeitado, mesmo que não haja nenhum funcionário público concursado na correia de muitíssimos objetos subjetivados pela busca do lucro liberal.

    Qualquer dúvida no que se refere à obras de arte (e similares) procure-se qualquer grande, médio e pequeno museu, grandes médias e pequenas galerias e negociantes de arte (e similares) eles sabem tudo sobre arte, dos negócios a roubos em meio à guerras patrióticas (e similares).

    Os meliantes de todas as categorias, exceto os ladrões de galinha investem em aluguel de casas, em jogador de futebol, hotel fazenda, boutique da filha, balada do filho, construção de sobrados nas periferias, terras no Pará (só prara lembrar de um lugar grande e distante), jóias da esposa, casa na praia e seus complementos, não esqueçamos o subjetivismo lucrativo da fé e etc, etc, etc. 

    Estarão meliantes incultos fazendo exatamente o que fazem os meliantes cult.

    A Arte jamais estará no plano desses mercados, mas isso somente para quem sabe o significado da vida e não do dinheiro.

    Os artistas poderiam ser trabalhadores proprietários dos seus meios de produção muito específicos… Mas os ‘liberais não concursados’ não entenderiam e impediriam de acontecer. Seria muita grana desperdiçada no subjetivismo mais feitichoso do planeta, perdendo só para o mercado do sexo!

    Mas a ‘culpa’ não é dos liberais mas também dos artistas que amam-se exageradamente. 

    Que se dê ao Renato Duque uma coleção dos “Gênios da Pintura” assim ele poderá se ilustrar e aprender, na prisão, o sentido e o valor e não o preço da arte. 

      

  5. ” Expertise ” et ” Raisonné “

      Arte é um mercado complexo, mas obras de artistas reconhecidos – com valor no mercado internacional -, somente são aceitas nas casas de leilões quando acompanhadas de avaliações prévias ( expertises ), e do “histórico” da obra, e no caso dos mais valorizados internacionalmente, a obra negociavel deve estar constando do  “Catalogue Raisonné” do artista.

       Sem o atendimento destas condições, o valor de uma obra oferecida ao mercado, é discutivel, inclusive pode valer nada, portanto uma investigação fiscal séria, poderia ser iniciada atuando-se sobre quem emitiu a “expertise” ( galerista, galeria, museologo, colecionador reconhecido como expert no artista).

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