TRF-4 julga caso de estudante da UFRGS por problemas na banca de avaliação étnico-racial

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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A UFRGS responde ação na Justiça Federal para garantir a realização de uma nova e correta avaliação étnico-racial ao estudante

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) responde ação na Justiça Federal para garantir a realização de uma nova e correta avaliação étnico-racial a fim de comprovar a condição de pessoa autodeclarada parda do estudante de medicina Arthur Franca de Souza. 

Nesta sexta-feira, dia 1 de setembro, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre (RS), começam a julgar o litígio.

Em sua defesa, a UFRGS alega nos autos que realizou “criterioso escrutínio por comissão plural, onde ocorreu julgamento colegiado,” e entendeu que o estudante não contemplava os requisitos para se matricular em vaga destinada à cota étnica, não havendo impedimento legal de subtraí-lo do curso.

Conforme a defesa do estudante, a UFRGS cumpriu a decisão judicial, e fez a banca de heteroidentificação. Todavia, a defesa prova que a decisão já estava atestada e que ele não seria confirmado enquanto pardo, independente do fenótipo. A defesa do estudante chegou a essa conclusão analisando os autos.  

A Advocacia-Geral da União (AGU), cuja procuradoria defende a UFRGS, fez uma apelação no dia 19 de maio de 2022, em que diz que o estudante havia reprovado na banca de heteroidentificação. Só que a banca não havia sido feita ainda, ocorreu apenas no dia 31 de maio, ou seja, 12 dias depois.

Juntada da apelação

Ou seja, a apelação à segunda instância da Justiça Federal já estava pronta, e o estudante foi reprovado pela banca para atender a fins processuais da ação em curso. Para a defesa do estudante, isso corrobora com uma estratégia jurídica recursal em que se alega que a UFRGS tem a autonomia de fazer a banca de heteroidentificação. 

Acontece que a AGU fez a juntada da apelação em data errada, conforme a defesa do estudante. “Deveriam ter entrado com a apelação depois da banca de heteroidentificação. O que colocou por água abaixo toda a estratégia deles”. Nas contrarrazões apresentadas por último, no dia 29 de junho de 2022, o advogado do estudante demonstra a ordem desses fatos. 

Documentos acessados pelo GGN, enviados ao estudante a respeito da banca do dia 31 de maio, um X assinalado indica que o estudante não possui o fenótipo pardo. Consta uma assinatura e mais nenhuma explicação. O estudante precisou se afastar da UFRGS e acabou entrando em depressão. 

Conforme apuração do GGN com estudantes e ex-estudantes, existem mais denúncias de casos correlatos na Faculdade de Medicina da UFRGS envolvendo perseguição a cotistas e estudantes críticos à direção do curso, sendo constatada desistências de matrículas por essa razão e até um suicídio. 

Uma ex-aluna ouvida pela reportagem, que prefere não se identificar, afirma ser “um jogo maior da faculdade contra os cotistas pretos e pardos a respeito dos entraves burocráticos e falta de transparência do processo de identificação racial, que parecem ser projeto de uma gestão marcada por exclusão”.  

A ação judicial 

A petição inicial do estudante da Faculdade Medicina da UFRGS solicitou uma nova avaliação étnico-racial, a fim de comprovar a condição de pessoa autodeclarada parda, porque na primeira ele não compareceu por estar presente em atividade obrigatória na disciplina de Atividade de Integração Básica-Clínica do curso. 

Realizada na mesma data e horários da “perícia”, a defesa do estudante argumenta que a avaliação ocorreu em junho de 2022, quatro meses depois da publicação da lista de aprovados e do semestre letivo, no qual o jovem se matriculou em sete disciplinas.  

Mas não apenas ele faltou à avaliação. Nos autos, a defesa salienta que a data e local “foram marcados em 23/06/2022, agendando-se a entrevista para 27/06/2022, o que ocasionou alto índice de não comparecimento, por ser um prazo muito exíguo”, além das atividades acadêmicas estarem em curso.

Conforme a Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-racial da UFRGS, as candidaturas reservadas às vagas para pretos e pardos serão indeferidas caso o candidato não compareça, nos termos da convocação, ou não forem aferidos como pretos e pardos. 

Primeira sentença 

O juiz Federal Guilherme Gehlen Walcher julgou procedente o pedido e ordenou à UFRGS que promova o reingresso do autor no curso de Medicina, a contar do semestre 2023/2, e a submissão do autor a uma nova avaliação étnico-racial. Walcher destacou que 37% dos avaliados não compareceram. 

“Ou seja, houve apenas um dia útil inteiro entre as datas, mais uma tarde e uma manhã. Se o autor checasse o site da UFRGS em todos os dias úteis, uma vez, às 12hs, teria tido somente uma chance de tomar conhecimento da convocação, ou seja, na sexta-feira, 24/06/2022, e uma outra na segunda-feira, 27/06, neste caso apenas 1h30m antes da avaliação. É um prazo exíguo”, declarou.

Escreveu o juiz que a determinação visa possibilitar ao estudante comprovar a condição de pessoa autodeclarada parda, observando-se na convocação a antecedência mínima de três dias úteis conforme a Lei n. 9.784/99, arts. 26 e 41. O cumprimento da sentença deveria ser imediato. 

“Independentemente de deferimento de tutela de urgência, pois desnecessária para atribuir exigibilidade imediata à obrigação de fazer (reingresso na graduação), já que eventual recurso inominado da UFRGS seria destituído de efeito suspensivo “ex lege””, determinou o juiz. 

UFRGS apela da decisão 

Representada pela AGU, a UFRGS apelou da decisão, no último mês de maio, requerendo que seja atribuído efeito suspensivo à apelação e improcedentes “todos os pedidos do autor, condenando-o aos ônus da sucumbência”: que o estudante pague o valor das custas processuais.

A defesa da UFRGS ressaltou que, após criterioso escrutínio por comissão plural, onde ocorreu julgamento colegiado, “entendeu a Universidade que a parte autora não contemplava os requisitos para se matricular em vaga destinada à cota étnica”.

Argumentou ainda que a declaração étnica feita por aluno está sujeita a exame posterior, nos termos do edital e “não é simplesmente pelo fato de alguém se declarar “negro” ou “pardo” ou “indígena” que faz com que o Órgão Público vá meramente homologar essa afirmação”. 

Mesmo sem o estudante ter questionado a legalidade da avaliação, a defesa da UFRGS disse que os argumentos do autor não se sustentam, porque a autodeclaração étnica é subjetiva e, portanto, sujeita a escrutínio necessário pela universidade.  

“Seja porque o procedimento de verificação étnica não viola a legalidade dado estar escorado em lei expressa e ser necessário para a preservação da política social de cotas de ingresso no ensino superior”, expôs a defesa. 

Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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