De como Fernando Pessoa chegou ao Brasil – I, por Walnice Nogueira Galvão

De como Fernando Pessoa chegou ao Brasil – I,

por Walnice Nogueira Galvão

E pensar que a popularização do grande poeta português se fez no Brasil e não em seu país… O caso é tão sui generis que merece um exame das circunstâncias.

Os canais de divulgação que foram trazendo a obra de Fernando Pessoa até nós foram principalmente três. Em primeiro lugar, na era anterior à mídia visual, as revistas e os suplementos literários, de valia hoje incalculável. Em segundo lugar, o trânsito de escritores, fossem poetas ou críticos, ou então diplomatas-literatos. E um terceiro canal, inesperado, se encarregaria da considerável popularização, rara para um poeta, que sua obra teria em nosso país: a divulgação devida a Os Jograis, um grupo de declamação que se apresentava em teatros.

Entusiasta precoce da poesia pessoana, Cecília Meireles figura entre os primeiros a torná-la conhecida no Brasil, e até mesmo em Portugal. Cecília foi o primeiro escritor brasileiro a reconhecer seu cunho excepcional, em Poetas novos de Portugal (1944). Foi dos primeiros a apresentá-lo ao Brasil, mas também foi (logo após Casais Monteiro com Fernando Pessoa – Poesia, de 1942) dos primeiros a apresentá-lo a Portugal.

Para não haver dúvida quanto ao prestígio de Cecília em terras lusitanas, seu livro Viagem, publicado em Lisboa pela editora Ocidente, conquistou o prêmio da Academia de Letras daquele país, causando polêmica por ter sido dado a uma “estrangeira”.

À época, Cecília era de longe o mais popular poeta brasileiro em Portugal: e era mesmo mais considerada lá que em sua terra. Casada com um português, andava sempre por lá, fazendo amizade com intelectuais e artistas. Seu marido e Pessoa tinham sido colaboradores na revista Águia, anteriormente. E quase teve um encontro, infelizmente gorado, com o confrade a quem tanto admirava.

O desencontro, que deixou Cecília esperando por várias horas no local combinado, o café A Brasileira do Chiado, onde Pessoa marcava ponto quase diário, não impediria o poeta de deixar no hotel dela um exemplar de Mensagem, recém-saído do forno. Mais tarde, a amizade de Cecília com Ruy Affonso, líder de Os Jograis, pesaria na escolha do repertório do grupo de declamação privilegiando o poeta.

Graças à ditadura de Salazar em Portugal, um grande número de intelectuais e artistas de oposição procuraria asilo no Brasil. Entre eles, Adolfo Casais Monteiro, crítico português iniciando a jornada que o consagraria como grande estudioso de Pessoa. A ele fora endereçada a famosa carta dos heterônimos, escrita de próprio punho pelo poeta, documento único no gênero.

Após exilar-se no Brasil, seria incansável em dar cursos nas universidades, cuidando da ressonância dessa obra entre os alunos de Letras. Estes, por sua vez, expandiam tal ressonância em suas próprias aulas em ginásios e colégios. Na Faculdade de Filosofia da Maria Antonia, onde então se diplomava a maioria deles, tornou-se moda circular sobraçando os volumes da Ática, reconhecíveis pelo cavalinho alado, sinal de que o portador era um dos iniciados.

Casais Monteiro não seria o único, pois vários outros de seus concidadãos exilados eram como ele escritores e críticos, e passariam a trabalhar em nossas universidades. Outro exemplo é o grande intelectual Jorge de Sena, que escreveu sobre o poeta a vida inteira, além de editar algumas de suas obras e traduzir para o português, juntamente com Casais Monteiro, os 35 sonetos em inglês.

As revistas culturais e os suplementos literários de nosso país, que eram numerosos e detinham um prestígio que hoje nem dá para imaginar, logo se apoderaram do poeta e passaram a publicar seus poemas. Estes eram acompanhados por estudos, e os maiores críticos brasileiros trouxeram sua contribuição.

Quem, posteriormente, revelou-se ardorosa fã e muito escreveu sobre Fernando Pessoa foi Pagu, a Patrícia Galvão da gesta modernista, que praticou jornalismo cultural até a morte. Em Santos, onde viveu os últimos anos, criou um Centro Cultural Fernando Pessoa e manteve acesa a chama do culto ao grande poeta.

Mas o principal papel coube sem dúvida, como logo veremos, a Os Jograis.

Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da USP

Ilustração – do site ContiOutra

Walnice Nogueira Galvão

2 Comentários

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  1. De como Fernando Pessoa chegou ao Brasil – I,
    Álvaro de Campos

     

    A plácida face anónima de um morto.

     

    A plácida face anónima de um morto.

     

    Assim os antigos marinheiros portugueses,

    Que temeram, seguindo contudo, o mar grande do Fim.

    Viram, afinal, não monstros nem grandes abismos,

    Mas praias maravilhosas e estrelas por ver ainda.

     

    O que é que os taipais do mundo escondem nas montras de Deus?

     s.d.

    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

      – 130.

    http://arquivopessoa.net/textos/2448

     

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