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Políticas públicas para a transição sustentável, por Caetano Mascarenhas

Pensando o caso Brasileiro, que poderia se traduzir para outras nações em desenvolvimento, pode-se questionar se a valorização e preservação ambiental serão suficientes, pois o futuro se mostra demasiadamente agressivo para nós

Agência Envolverde

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Políticas públicas para a transição sustentável

por Caetano Mascarenhas

Nos últimos anos foi possível perceber o crescente aumento do debate em torno das mudanças climáticas e possíveis soluções de transição para uma economia mais sustentável. Geralmente o debate é pautado por uma linha lógica do tipo “o que podemos fazer hoje para evitar um futuro desastroso”. Felizmente a preocupação não se dá apenas em planos retóricos, embora tenha sido mais intensa neles, mas também se refletiu em algumas medidas práticas, ainda que tímidas. De qualquer forma essas medidas estão desconexas com a realidade – o futuro desastroso já é um fato, o ponto é administrá-lo com medidas de mitigação de danos, adaptação e contenção do agravamento da crise climática.

Talvez as afirmações do parágrafo acima soem exageradas, então segue alguns dados do estudo[1] realizado pela Confederação Nacional dos Municípios junto com as defesas civis: o prejuízo em decorrência de desastres naturais foi superior a R$ 150 bilhões no período entre os 2013 e 2019, nos últimos dez anos foram realizados mais 22.261 decretos municipais de emergência em decorrência de estiagem/seca e 11.000 por conta de chuvas, inundações e deslizamentos. Somente as chuvas[2] deixaram 1.756 de mortes, dos quais 457 ocorreram em 2022 e 1.260 (>70%) de 2019 em diante. Evidencia-se, assim, não somente as gravidades da crise climática, mas também as consequências de falta de planejamento e gestão.

A ocorrência de eventos extremos não é exclusividade no Brasil, somente por ocasião das ondas de calor foram associadas cinco milhões de mortes[3]  ao ano em todo mundo. Só nos EUA o custo associado aos desastres climáticos entre 2012 e 2021 foi de pelo menos US$ 1 trilhão[4]. A situação se torna mais dramática quando essas catástrofes atingem países mais pobres, pois possuem menos capacidade financeira, operacional, estrutural e tecnológica para responder aos choques, nessas localidades mais vulneráveis os desdobramentos das crises podem assumir caráter nefasto, como fome e proliferação de patógenos. As assimetrias não se dão apenas entre as nações, mas também dentro das fronteiras nacionais – os que mais sofrem são os mais pobres. Uma lógica perversa se acentua, os danos serão sentidos de forma muito mais acentuada pelas populações que menos contribuíram para o aquecimento global. Os 50% da população mais pobre do globo contribuíram para apenas 12% dos totais das emissões enquanto os 10% mais rico foram responsáveis por 47,6% das emissões[5], dos quais um terço fica na conta dos 1% mais ricos.

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Diante desse contexto, resta pensar quais são as opções dos países em termos de políticas públicas e estratégias de desenvolvimento levando em consideração suas especificidades.  Muito tem se falando em green new deal, resiliência, transição verde, e outros terminologias que indicam uma economia mais amigável para pessoas e meio ambiente. Entretanto infelizmente incorre-se nos riscos de gerar uma “entulhação léxica”, pois o que vem sendo produzido em papers, policy briefs, jornais e meetings parece estar deslocado da realidade no sentido que muito tem sido falado e pouco executado, basta olhar as metas conveniadas no Acordo de Paris, muito longe de serem atendidas. Outro ponto importante e a inserção dos países periféricos nessa agenda global, resgatando um vocabulário cepalino, as relações econômicas entre centro e periferia[6] precisam ser repensadas e agendas regionais devem ingressar com mais força no debate internacional. Em termos de América Latina podemos afirmar que o Chile e a Colômbia já deram os primeiros passos no sentido de escolher democraticamente projetos de governo que valorizem a área ambiental, contudo ainda não sabemos se haverá força política para sua implementação.

Pensando o caso Brasileiro, que poderia se traduzir para outras nações em desenvolvimento, pode-se questionar se a valorização e preservação ambiental serão suficientes, pois o futuro se mostra demasiadamente agressivo para nós, especialmente levando em considerações os altos níveis de desigualdades. Qual será o custo em termos de vidas humanos, materiais e biodiversidade de um planeta mais inóspito (única promessa das mudanças climáticas cujos impactos, novamente, serão inevitáveis e desconhecidos). Será suficiente apenas zerar o desmatamento ou cortar as emissões? Ou precisaremos pensar em mecanismos mais avançados para proteção de pessoas e ecossistemas mais vulneráveis?

 Nesse sentido será imprescindível incorporar outros paradigmas de análise na condução das políticas públicas e planos de governo, sugiro aqui a necessidade de se pensar a resiliência como um dos parâmetros norteadores. Apesar de ser uma palavra muito utilizada e com semântica muito elástica, é possível extrair alguns elementos fundamentais, como a capacidade de lidar com uma situação adversa e gerar processos de recuperação, além de traduzir em termos socioeconômicos, levando em consideração a sustentabilidade é um desafio, especialmente a estruturação e articulação de políticas públicas. O fortalecimento de algumas dimensões pode ser tido como estratégico para aumentar a resiliência das economias e acabam por significar mudanças estruturais e pesados investimentos. Podemos elencar aqui quatro dimensões de extrema relevância: uso do solo, segurança energética, sistema de resposta e proteção social e internalização de cadeias produtivas estratégicas.

Uso do solo – é necessário repensar como o solo é utilizado na produção e habitação. O uso mais eficiente do solo produz menos impactos ambientais e favorece a proteção de ativos verdes, como mananciais e florestas, estimula a produção local de alimentos e inclusão de pequenos produtores, e se preocupa com as condições de habitação e moradia.

 Segurança energética – insumo fundamental para qualquer processo produtivo . Controlar a volatilidade de preços e capacidade de oferta é fundamental, especialmente para as populações mais pobres que podem sofrer mais com a exclusão do acesso à itens básicos como botijão de gás e luz residencial, além das pressões inflacionários. E mais uma vez, não basta energia barata, ela precisa ser sustentável.

Sistema de resposta e proteção social – é imperioso que se tenha equipes treinadas para responder a calamidades, como incêndios e enchentes, assim como é necessário que haja acompanhamento das comunidades vitimadas após os desastres.

Internalização de cadeias produtivas estratégicas – algumas cadeias produtivas, como de medicamentos e componentes da indústria elétrica precisam estar articuladas dentro do território nacional para garantir o fornecimento de produtos básicos e estratégicos para a população, como os medicamentos e peças e equipamentos para o desenvolvimento do setor de energia sustentável.

Portanto o desafio será grande, será técnico e sobretudo político.

Caetano Mascarenhas – doutorando em economia pela UFF e pesquisador do Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp


[1] https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/em-quase-10-anos-municipios-acumulam-r-341-3-bilhoes-de-prejuizos-causados-por-desastres-naturais

[2] https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/mais-de-25-das-mortes-por-chuvas-no-brasil-nos-ultimos-10-anos-ocorreram-em-2022

[3] https://www.sciencedaily.com/releases/2021/07/210707185329.htm

[4] https://www.climate.gov/news-features/blogs/beyond-data/2021-us-billion-dollar-weather-and-climate-disasters-historical

[5] https://wid.world/news-article/climate-change-the-global-inequality-of-carbon-emissions/

[6] Para os leitores que não tem formação econômica ou desconhecem a leitura da CEPAL, as relações entre centro e periferia, também conhecidas como sistema centro-periferia, dizem respeito às relações assimétricas desenvolvidas entre as economias capitalistas desenvolvidas, notadamente EUA e Europa ocidental, e os países de capitalismo tardio, como as nações latino-americanas e africanas.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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