É Proibido Rock and Roll no Carnaval, por Alexandre Camargo de Sant’Ana

O Rock and Roll era recente no país e a atitude juvenil assustou as autoridades, que transformaram essa música do diabo em caso de polícia.

É Proibido Rock and Roll no Carnaval

por Alexandre Camargo de Sant’Ana

O ano era 1957 e de acordo com o jornal “A Tarde” de 22 de fevereiro, o Rock and Roll estava terminantemente proibido nos bailes carnavalescos tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Tal proibição era extremamente necessária por conta da:

“histeria da juventude cocalizada que esquece de grandes vultos da história-pátria para idolatrar canastrões como Helvis Presley”[1].

Mas por qual motivo as autoridades paulistas e cariocas estavam proibindo o Rock and Roll no Carnaval, ofendendo o Elvis (Helvis?) e reclamando da falta de patriotismo da juventude nacional? A resposta é bem simples: medo do novo. O Rock and Roll era recente no país e a atitude juvenil assustou as autoridades nacionais, que não pensaram duas vezes antes de transformarem essa música do diabo em caso de polícia.

Em janeiro de 1956, Elvis lançou sua música que alcançou o primeiro lugar nos Estados Unidos: “Heartbreak Hotel”, deixando o Rock and Roll ainda mais em evidência. Naquele ano, lançaram o filme “Rock Around the Clock”, causando uma repercussão enorme entre a juventude norte-americana e europeia, com dezenas de jovens enlouquecendo durante as exibições: cantavam, dançavam e faziam uma bagunça enorme. A película chegou ao Brasil em dezembro, sendo exibida primeiro em São Paulo, no Cine Paulista. Como ocorreu na Europa e Estados Unidos, a sala foi tomada por dezenas de jovens – maioria menor de idade, pois era censura 14 anos – e eles também enlouqueceram com o Rock and Roll do Bill Haley & His Comets, dançando e fazendo intensa algazarra durante a exibição. O estilo de música era praticamente desconhecido por aqui naquela época e o comportamento dos jovens no cinema (visto como imoral pelas autoridades) gerou uma reação violenta e repressiva da polícia. Bem na verdade, as autoridades nacionais não conseguiam compreender o que estava acontecendo.

Ninguém entendia porque essa dança denominada Rock and Roll excitava os adolescentes que assistiam ao filme, chamado aqui de “Ao Balanço das Horas”, afirmava um jornal paulista. Pouco a pouco, os jovens foram se levantando e passaram a dançar no meio do cinema. Imitando os atores da película, acenderam cigarros e papeis e rapidamente a bagunça virou em depredação, danificando móveis e poltronas. A polícia foi chamada, chegando com várias viaturas e expulsando alguns jovens da sala. O filme continuou com a presença de policiais[2]. Por conta da baderna adolescente, o Juiz de Menores de São Paulo, considerando que o Rock and Roll era extremamente prejudicial à juventude brasileira, pois sua dança gerava intensa excitação, determinou censura 18 anos para o filme[3].

O Chefe de Serviços de Censura de Diversões Públicas do governo federal criticou a decisão do juiz paulista, afirmando ter assistido ao filme e visto apenas “um swing monótono”. Para ele, a baderna foi ação de alguns poucos jovens ricos e isso não seria imitado pelos jovens mais pobres, ocupados em ganhar seu sustento[4]. Opinião parecida teve um grupo de repórteres do Correio Paulistano. Segundo eles, os jovens teriam quebrado o cinema não por estarem contagiados pelo novo ritmo, mas de raiva, porque o filme era muito ruim. “Essa música não pode, nem deve suplantar o samba”[5].

Apesar das críticas dos formadores de opinião e das autoridades (ou talvez exatamente por causa delas), circulavam rumores sobre os jovens cariocas estarem se organizando para imitarem os paulistas durante a exibição do filme. Por conta disso, já havia quem defendesse policiamento nas salas de cinema[6]. Para acalmar as elites dominantes da capital brasileira, o Chefe do Serviço de Censura realizou uma exibição especial da película com o Ministro da Educação e sua esposa, o Juiz de Menores do Rio de Janeiro e outras autoridades cariocas. A conclusão foi unânime: o filme era uma decepção de baixa qualidade e serviria apenas como propaganda desse ritmo que vem rendendo milhões às gravadoras norte-americanas[7].

Mais de uma semana depois, com censura 14 anos, o filme estreou em 5 cinemas do Rio de Janeiro e o comportamento da juventude foi ainda mais radical do que em São Paulo. Além da dança durante a exibição e de acenderam cigarros e causarem muita depredação, alguns mais exaltados foram dançar no meio da rua, impedindo o trânsito de veículos, e nas calçadas. Rapidamente chamaram a polícia e mais de 30 jovens acabaram presos e muitos outros expulsos dos locais. Por conta dos acontecimentos, as exibições da película estavam canceladas até segunda ordem e o Chefe de Polícia determinou censura 18 anos para o filme[8].

Apesar da censura e da repressão, nas próximas duas semanas, apenas no Rio de Janeiro, foram vendidos mais de 50.000 discos da banda do filme e o jornal “Correio Paulistano” sugeriu questionando: não seria certo fazer como a Rússia Soviética e tornar o Rock and Roll fora da lei?[9] Seguindo a corrente moralista e tentando impedir o avanço da trilha sonora da película, o Rio de Janeiro, no início de fevereiro de 1957, proibiu tocarem as músicas do filme “Ao Balanço das Horas” em festas e bailes devido às confusões ocorridas nos cinemas[10]. Mantendo o ataque ao novo ritmo que vinha dos Estados Unidos para destruir a juventude brasileira, o Rock and Roll em geral foi proibido nas festas carnavalescas, como mostra a nota do jornal “A Tarde” lá do começo do texto, mas que vale repetir a justificativa:

“prende-se á histeria da juventude cocalizada que esquece de grandes vultos da história-pátria para idolatrar canastrões como Helvis Presley”

Mesmo com toda a perseguição, o Rock and Roll não parou de crescer no Brasil e naquele ano de 1957, o jovem Cauby Peixoto, um “moço viajado que passa metade do tempo nos Estados Unidos”, lançaria o primeiro rock em português. Com letra de Miguel Gustavo, a música “Rock ‘n’ Roll em Copacabana” tinha como base as estripulias “verificadas pelos jovens que assistiram o meigo Ao Balanço da Horas”[11]. De lá para cá, muita coisa mudou: o Rock ganhou seu espaço no território nacional, surgiram muitas bandas por aqui e mesmo assim o Carnaval continua firme e forte.

Em retrospecto, é engraçado ver essa tentativa das elites dominantes do país em barrarem o avanço do Rock and Roll, pois o novo estilo musical destruiria nossa juventude e até nossa cultura. Mais engraçado é ver que aquela terrível ameaça à moral e aos bons costumes, não se mostrou tão radical e revolucionária como gostamos de pensar que o Rock foi (ou é). Bem na verdade, está cheio de roqueiro bastante conservador por aí, tanto entre os fãs quanto entre as bandas[12], deixando claro que o estilo musical não tem nada a ver com a ideologia política dos indivíduos. Acho bastante interessante que ainda hoje há quem acredite que Rock no carnaval (ou qualquer outro estilo musical) vai destruir uma suposta essência da festa carnavalesca, como se houvesse um Carnaval puro a se defender das invasões. Em minha opinião, o Carnaval, como um elemento histórico, não é imutável. Ele está sempre mudando e continuará se alterando conforme o tempo e o espaço.


[1] A Tarde, 22 de fevereiro de 1957.

[2] Correio Paulistano, 20 de dezembro de 1956.

[3] Correio Paulistano, 21 de dezembro de 1956.

[4] Correio Paulistano, 23 de dezembro de 1956

[5] Correio Paulistano, 30 de dezembro de 1956

[6] A Noite, 04 de janeiro de 1957

[7] Cine Repórter, 05 de janeiro de 1957)

[8] Correio Paulistano, 15 de janeiro de 1957

[9] Correio Paulistano, 31 de janeiro de 1957

[10] Correio Paulistano, 01 de fevereiro de 1957

[11] O Dia, 02 de fevereiro de 1957

[12] (https://jornalggn.com.br/artigos/punk-visual-art-contra-o-fascismo-por-alexandre-camargo-de-santana/)

Alexandre Camargo de Sant’Ana é historiador e trabalha como bancário, mas pesquisa e escreve nos horários de folga. Possui contos de ficção selecionados em concursos de nível nacional, regional e municipal, um livro sobre a primeira poetisa do Paraná que será relançado em breve, alguns artigos publicados na internet e escreveu semanalmente na coluna do Centro de Letras de sua cidade por cerca de três anos.

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