As críticas da Folha ao escritório do Ipea na Venezuela

Sugerido por Webster Franklin

Da Carta Maior

A indigência intelectual e a caça às bruxas da Folha

A Folha de S.Paulo registra nesta 5ª feira o seu descontentamento com o fato de o escritório do Ipea , em Caracas, não seguir a pauta do jornal na Venezuela.

por Saul Leblon

 

O jornal Folha de São Paulo traz na edição desta 5ª feira um artigo assinado pelo jornalista Fabio Maisonnave sobre o escritório regional do Ipea na Venezuela.

O texto registra o descontentamento do veículo e do autor com o fato de a representação do instituto em Caracas não seguir a pauta da Folha na abordagem dos problemas venezuelanos.

A cobertura do jornal dedicada ao país, como é notório, e reafirmado no artigo desta 5ª feira, carrega nas tintas do primarismo maniqueísta, prática de resto generalizada em uma linha editorial que alimenta a  infantilização progressiva do seu público leitor na compreensão e abordagem dos graves problemas enfrentados pelas economias em desenvolvimento na era da globalização.
A endogamia entre o emissor e o receptor compõe uma espiral de indigência histórica que, no caso da Folha,  tem no tema do ‘chavismo’ um de seus vórtices mais dinâmicos.

Os relatos dos seus correspondentes em Caracas, e o senhor Maisonnave foi um deles, notabilizam-se por reduzir a complexidade dos desafios econômicos e sociais da Venezuela aos mandamentos da cartilha colegial do maniqueísmo anti-chavista.

A indigência intelectual na abordagem dos problemas mais amplos do continente latino-americano, em grande parte ainda refém dos ciclos das commodities, conduzem ao paradoxo de um jornalismo que se esponja nos mesmos limites do personalismo politico que pretende criticar.

Escapa-lhe, por dificuldades cognitivas, ou opção deliberada, que a atrofia da participação democrática da sociedade na AL  explica em grande parte a rigidez de seus gargalos econômicos. Sem alterar um lado dificilmente se avançará na equação do outro.

O resultado dessa omissão mais oculta do que revela da dinâmica de uma Venezuela secularmente espremida entre uma elite próspera, uma vasta massa de alijados da renda petroleira e instituições –inclusive o aparelho de Estado, mas também a atrofia partidária–  contidos pela importância subalterna atribuída à vontade popular na ordenação do que estava condenado a ser um eterno entreposto de óleo bruto.

Desarmar essa rigidez –que o caso venezuelano magnifica, mas não é o único– é um dos problemas macroeconômicos mais complexos da luta pelo desenvolvimento latino-americano.

Não por acaso está no centro das análises de Raúl Prebisch e Celso Furtado– autor de um estudo de 1957, ainda atual,  sobre a armadilha do petróleo venezuelano—bem como de Fernando Henrique  e Faleto, entre outros.

Os 50 anos do golpe de Estado de 1964, agora em março, reavivaram a natureza desses impasses no Brasil. Há meio século, a encruzilhada  do desenvolvimento brasileiro foi respondida pela elites   com um ataque às instituições democráticas que permitiriam escrutinar transformações estruturais interditadas pela lógica dos beneficiados dominantes.

Em 1964 a Folha não perfilou ao lado dos que reconheciam a prerrogativa soberana da democracia para superar os impasses nacionais e aderiu aos golpistas.

Adota opção semelhante hoje na forma obtusa como aborda os –repita-se– graves dilemas enfrentados pela sociedade venezuelana na luta para escapar à dependência da renda petroleira –hoje melhor repartida, mas de forma ainda limitante.

 Por discordar dessa renitente irresponsabilidade no tratamento de questões cuja raiz histórica transcende o caso venezuelano –embora tenha ali um mirante extremado– Carta Maior convidou o economista Pedro Barros Silva para colaborar em sua página, com análises e informações de escopo mais amplo e equilíbrio indisponível nos despachos e no foco da Folha e da mídia conservadora  em geral.
Barros e Silva é o responsável pelo escritório do Ipea instalado em 2010 em Caracas. Seus textos em Carta Maior refletem opiniões pessoais, não do órgão que coordena.

O artigo do senhor Maisonnave na Folha questiona a colaboração do economista  com ‘um portal de esquerda’, Carta Maior.

 Faria o mesmo se a contribuição fosse com o site do Instituto Millenium, um sucedâneo do Ipes e do Ibad que tonificaram intelectualmente o golpe de 1964?
Dezenas de intelectuais de distintas instituições do governo ou associados ao aparelho público brasileiro escrevem na Folha.

É ótimo que seja assim.

Carta Maior reserva-se o mesmo direito de –a exemplo de outras publicações democráticas– recorrer  à contribuição ecumênica de estudiosos e pesquisadores da universidade e de esferas do setor público.

Inspira-nos contribuir assim para formar um discernimento desassombrado e progressista dos desafios e as opções colocados ao passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

Quanto à instalação do escritório do Ipea em Caracas, criticado pelo senhor Maisonnave por não ‘tratar de temas econômicos’, por certo  incomoda à pauta da Folha o fato de ter sido criado, e assim funcionar, como uma contribuição ao desenvolvimento venezuelano nas diferentes dimensões que o termo encerra.

 A expansão do mercado interno, como se sabe, fez daquele país um dos principais destinos das exportações brasileiras nos últimos anos.

Entre 1999 e 2012, o volume negociado bilateralmente saltou de US$ 1,5 bilhão para US$ 6 bilhões. As exportações brasileiras passaram de 36% do valor total intercambiado, que tornavam a balança deficitária para o país, para 84% das transações. O dado é do Ministério do Desenvolvimento (MDIC).

 A Venezuela constitui hoje  um dos principais parceiros do comércio exterior  brasileiro;  o Brasil é  o terceiro maior parceiro da Venezuela. Os dois primeiros são Estados Unidos e China. Como se vê, um espectro ideológico distinto da obtusidade destilada por um certo jornalismo.

Alimentos, aviões, automóveis e serviços  –sobretudo  a construção de grandes obras públicas, incluem-se na pauta das exportações brasileiras.

Em 2010, quase seis meses depois de o Congresso Nacional ter aprovado o ingresso da Venezuela no Mercosul, o então pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, o delfim da derrota conservadora predileto da Folha, manifestou-se contrário à entrada daquele país no bloco do Cone Sul.

A sandice ideológica foi recebida com apreensão na Fiesp.

Contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico da sociedade venezuelana, uma das atribuições da missão do Ipea, rebate favoravelmente –até do ponto de vista capitalista– no comércio exterior e no crescimento brasileiro.

Mas a Folha talvez preferisse que o Ipea funcionasse ali como uma extensão da Casa das Garças, o think tank tucano da apologia de um receituário econômico que jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 1929. Indisponível essa opção, o jornal procura compensá-la –com denodo, reconheça-se— através de textos e artigos como o desta 5ª feira, onde a indigência intelectual bordeja a caça às bruxas.

Redação

8 Comentários

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  1. “Desculpem a nossa ‘falha’. É

    “Desculpem a nossa ‘falha’. É da nossa natureza, como a do vilipendiado escorpião, ferroar nossos adversários”,

    Assinado, ‘Bolha’ de São Paulo.

  2. CRÍTICAS

    A crítica da Carta Maior é compreensível, mas junto deveria ser mostrado alguns trechos de forma literal:

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/160679-filial-do-ipea-na-venezuela-ignora-crise-e-elogia-governo.shtml

    “…Colaborador da publicação de esquerda “Carta Maior”, ele escreveu, na visita recente a Brasília da deputada oposicionista radical cassada, María Corina Machado:

    “[O senador tucano] Aécio Neves a saudou como representante da voz das barricadas, legitimando a violência que levou a morte de quase 40 venezuelanos.”

     

    “Ele [Barros] está lá pra chancelar um governo estrangeiro, pra dar um ar de democracia, de legitimidade a um governo ditatorial”, disse à Folha o economista Adolfo Sachsida, desde 1996 no Ipea.

    Ele ressalva que a responsabilidade por isso é de Pochmann, e não do atual presidente, Marcelo Neri.

  3. IPEA VENEZUELANO TURBINADO

    “Há também relatórios mais políticos, como o “Federalismo, Democratização e Construção Institucional no Governo Hugo Chávez”, de três autores, onde se lê:

    “O modelo bolivariano afasta-se, sem dúvidas, da democracia representativa despolitizadora que predomina ainda hoje no mundo. Supera o modelo idealizado pelos pais fundadores da república norte-americana”

    Os autotes poderiam ter sido um pouco mais modestos.Comparar a democracia bolivariana com a americana é demais

  4. Um comércio bilateral que

    Um comércio bilateral que saltou de perto de zero para 6 bilhões e esse pessoal de implicância infantil. O despreparo é tão grande que fazem fogo amigo contra o empresariado que fatura alto nos negócios com a Venezuela. Não percebem – vejam a ideologia em ação – que estão vocalizando só o que ouvem do estamento financeiro, que não produz nada; que ignora o que é planejar, contratar, organizar, vender, produzir, embalar, entregar…

    Talvez só esse reparo possa ser feito ao texto. Por incompreensão total a falha não percebeu que passou de porta voz do capital industrial em 64 para ser porta voz do estamento financeiro.

    1.   Nooooooossa, sério mesmo

        Nooooooossa, sério mesmo que você, Leonidas, dá mais valor às considerações da Folha que do IPEA? Rs, essa, rs, me espantou, rs.

  5. Gostaria de saber se o

    Gostaria de saber se o regimento do IPEA permite este tipo de colaboração. Quem paga os salários dos funcionarios publicos  e demais despesas ? 

  6. A folha foi aliada da

    A folha foi aliada da ditadura brasileira, cedeu carros para que os ditadores levassem jovens que lutavam pela democracia para que fossem torturados e mortos, E vem falar da Venezuela?

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