corpo ambiente habitat: as ideias de jorge de campos valadares

uma prosa, uma con.versa com-versos de jorge de campos valadares _________ 

p­­­­­­rimeiro espaço a ser criado em direção a uma ação que si.tua, a uma “situ-ação” do su.jeito: pequena ante-sala: conversar é a origem do verbo. é ação conjunta, inaugural, que implica um sítio, corpos, signos.

partindo daí, poderemos encontrar nosso espaço. espaço como lugar dos corpos em sua inquietude e procura de homeostase, que seria um apaziguamento para a inquietação – inquieta ação: espaço com suas infinitas possibilidades de complementações, mas também do di.verso e do di.ver.gente. lugar das lutas, de conflitos próprios da vida.

não pensemos em equilíbrio, mas em múltiplos equilíbrios, que se retomam, se desfazem, se repetem, independentemente de  nossa pretensão de controle, e se transformam sem sabermos como. pensemos em des-equilíbrios. e isso se dá, mesmo quando o espaço está nas suas dimensões menores, como acontece na cela do monge, um sítio que comporta a presença de deus, ou como na parede nua para se encostar, o muro, onde o judeu reza, em busca de permanecer com esperança, pois aí também há des-esperanças. __________ mas, sobretudo, não admitamos um espaço visto independentemente do olhar.humano. um olhar.humano – inversamente do que querem o estado a religião e o mercado: vigiar e punir – não vigia o mundo, se comove com ele e com o ambiente: lugar de sustentação, de aconchego, de acolhimento, sobretudo do inesperado, da perplexidade, do novo, do susto, da vida.

que a vida para nós, seja a capacidade de assombro, de espanto.

não pensemos aqui o susto no sentido do pavor, do medo repentino, que nos pega desprevenidos e nos paralisa, ou mesmo nos faz fugir ou atacar. mas, pensemos na tranquilidade que nos dá a consciência da força para enfrentar a intranquilidade, e no prazer que conseguimos desfrutar diante de uma espera constante, que conta com aquele espanto, como condição de vitalidade da vida. é o que os filósofos chamam de perplexidade, e mesmo de capacidade de espanto. espera daquilo que vem sem nosso controle, que é dádiva graciosa e por isso não nos apavora. e quando a temos à nossa frente, é a coisa mais simples que, na sua inesgotável leveza, sempre nos enche de novidade e de esperança. e a coisa simples é tudo aquilo que a vida oferece, se a olhamos com o olhumano, aquele que procura mais a sabedoria do que acúmulo de saber, e que, por isso, não estaciona facilmente com o escabroso.

o escabroso é o que sempre queremos destrinchar com olho de detetive, para procurar a razão, a ratio, a medida mais original e primeira da causa. como se pudéssemos chegar à origem primeira das coisas ______________ mas a tocamos, a essa coisa simples, quando podemos com ela nos co-mover, co-mo por exemplo, com a despalavra do poema “despalavrares” de danilo abreu lima, ou com o som do vento na folhagem, ou o tom azul do céu que não é céu nem é azul, mas porque assim o olhamos podemos dizer com o poeta: “pérolas impares no diadema dos dias que a ostra ainda não inventou”.

e continuamos, apesar do ainda não. nos assustemos dessa mesma maneira, com o indesejável, com o ainda não do mundo. porque essa estação, esta parada, é o ponto de uma viagem sem fim – a viagem da emoção. e lembremo-nos sempre dos limites da inteligência humana, a se manifestar, por exemplo, nos frios modelos econômicos de hoje, e pensemos em seus resultados dilacerantes, na multiplicação que faz dos excluídos. liguemos sempre inteligência à sua raiz etimológica, intelegere – ler a partir do interior – e mais inteligência temos, quanto mais podemos ler desde o mais profundo em nós. não tenhamos medo da acusação de que olhamos para o  umbigo, porque somente podemos estar no mundo se, inicialmente, nos situamos nele: onde começamos e onde começam nossas cogitações.

e isso porque sangramos, um dia, com a separação primeira e cada separação nos remete à primeira, para nosso imenso desamparo – pensando na capacidade de estar só.

só é possível, nos preocuparmos com o outro e com o ambiente, se pudermos escutá-los. e cada coisa tem seu silêncio e sua linguagem. quem não pode sangrar com a separação ficará tributário de um sentimento de onipotência, de uma vida imaginária em que se pode tudo, e verá o outro sempre como um apêndice seu – estarmos separados do mundo, percebermos que podemos sangrar nos faz sensíveis ao que vive e sofre o outro. o outro, como nós, pode ter o sentimento do abandono mas, por isso mesmo, como nós, a cada momento, pode optar por companhias, ideias, gestos e solidões.

e, nesse ambiente, larga-se e se larga, não se submete e, se o faz, guarda-se no mais profundo e perigoso ressentimento. não há governo e saber sobre o sujeito e seu grupo que os tire do seu ser mais profundo. no humano, a profundidade é o sentimento. por isso não haveria nada mais profundo do que a pele, pois somente vivemos, separados do mundo, se estivermos dentro de nossos corpos. qualquer abordagem meramente intelectiva nos transforma em inteligentes almas penadas e nunca em viventes desse mundo de mortais. por isso não desprezemos as emoções, as paixões, sobretudo as da inteligência. e é percebendo os limites e as limitações do corpo e da pele que estamos diante do outro e do mundo. não desprezemos e não vivamos sem a ciência e suas razões, suas medidas, mas não acreditemos que o mundo comece ou termine ali. a racionalidade, com os instrumentos que usamos para construi-la, é um dos caminhos que percorremos e que não dis-pensa os demais.

pensemos também em biologia e seu território, e em geografia, arquitetura, engenhos, ordenações, leis, instituições. Pensemos em instrumentos, dispositivos, que vêm sempre a partir do humano.

pensemos na história como uma geografia do tempo. trata-se da imensa reconstrução do mundo, da casa do homem___ pensemos na casa no mundo e no saber sobre essa casa________ saber que se convencionou chamar de ecologia. imenso campo de convívio e de construção de memória _____________ recordações______________ vida de humano é isso: memória e convívio. sem um ou sem o outro, desaparece o ser humano, embora possa ele, ainda, sobreviver inteiramente desafortunado. pensemos a casa desde a cabana primitiva, feita de peles de animais e depois, com a técnica, desde a pele e  o suor dos operários, onde a habitação no mundo é costurada, tecida, cultivada, enquanto o ser humano tece suas ligações às suas histórias e geografias. sobretudo pensemos nesse umbigo e nas separações, para que consideremos nossos instrumentos do habitar. uma teoria da habitação somente pode ser construída a partir de uma percepção da des-habitação. antes, tínhamos um mundo mágico que governava o pensamento. os deuses exigiam, de dentro do pânico ante o desconhecido, os primogênitos para que viessem as boas colheitas. os animais, antes ainda, eram sacrificados aos poucos, na medida da necessidade de alimento: o corpo do animal era consumido aos pedaços, com ele ainda em vida. não havia um destacamento e era uma carne à custa de outra, carne como lugar de dor. o sacrifício de animais, no lugar do sacrifício do ser humano, permitiu a substituição essencial: o simbólico _______ a partir daí, constroem-se teorias _____ por isso dissemos que temos invenções de mundo e dependemos, para isso, de todos os tipos de afastamento que o ser humano se faz do e no sacrifício. há várias teorias e vários ideais. é preciso que os conheçamos. devemos conhecer pelo menos um autor ou uma autora e uma teoria sobre a habitação da casa-mundo, não para seguir mas, para, a partir dela, considerarmos os outros autores e autoras, as outras teorias, e irmos criando nosso ponto de vista nossa situação no mundo_________ não há situação sem e.moção, ou como dizem alguns, sem um partido.

o partido, em geografia é, mais que um saber sobre a paisagem, é uma co.moção, é um movimento emocionado com ela. a escolha a aposta em um partido, que nos situa como criativos e inventores de novas situações humanas, é que nos situa também como humanos, com um lugar que, no artesanato cotidiano, tecemos_______ sendo lugar do sujeito, o espaçoambiente é espaço de convívio, de possibilidades e impossibilidades, de encontros e desencontros, seja o quarto, a sala, o parque, a praça, a internet, a rua, a escola ou a linguagem. e são lugares de memória esses espaços, porque ficamos ali com eles, pois estão sempre em nossas vidas como rastros de recordação, do nascer ao morrer, ou seja, a todo instante. não há memória sem imagens, metáforas, e não existem imagens sem espaçoambiente.

na casa-mundo, no espaçoambiente, podemos sentir uma morte, um incêndio, e até algumas coisas mais. mas quando a escala aumenta, nas guerras, nas depredações, a narrativa se transforma em estatística, ou números cientificamente pesados e medidos______ mas o poeta ___ em sua desmesura, pode nos dar, com a dimensão emotiva, algum socorro no sentimento do mundo, a partir do precário, de suas duas mãos, e da falta inamovível e dilacerante de uma precisão e, assim, ele diz que “cansei-me dos versos de todos os poeta que sou eu” … e por isso em sua casa é  capaz de guardar uma pedra, uma panela de barro, um pedaço de madeira encontrada no caminho, uma foto amarelada ou uma planta … porque o espaço da intimidade é lugar nenhum, sítio onde se abrem todas as perspectivas para  o sonho___________ e todo lugar é espaço de nascimento e de legitimação de sonhos, de linguagens: de sujeitos  ________ aí, temos lugares de ações, de viventes e morrentes, mas não somente atores sociais, porque nesse socius, não há lugar somente para hypocrités, como eram chamados os atores da tragédia, com suas máscaras e sua distância, mesmo que trágica. aí as pessoas são sujeitos, não assujeitados a nenhum script, e devem viver, inventar a cada instante sua própria vida, e sabemos que isso custa _____________ a noção de falso-si-mesmo, na psicanálise, tenta dar conta do sentimento da pessoa que representa o tempo inteiro, que vê a sua própria vida passar como se fosse um filme, em que apenas se assiste representada por outros, ou representa um personagem que não tem a própria procura de si como meta__________ no falso-si-mesmo a vida não é desfrutada e o sujeito se comporta como uma criança que não sabe se come o bolo ou se guarda para um dia, quem sabe, se dar o direito de o saborear___________________ fiquemos atento à vida e todo o seu banquete_____________ ao presente e o agora em um intenso e cuidadoso viver_____ viver a vida! 

o intenso viver é a negação de todo o ruído dilacerante desta tal moderna idade da razão_____ uma anarco-luta diária ____________ gestos sutis que procuram duvidar da realidade e inventar outras e duvidar do que inventa, destituir-se do e de poder. 

*toda a tessitura acima é diretamente creditada ao pensamento, as ideias e aos escritos de jorge de campos valadares.

leia também: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n1/7081.pdf

Redação

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