Governo contesta estudo do Fed sobre vulnerabilidade da economia

Do Valor

Governo contesta estudo do Fed
 
Por Alex Ribeiro

O estudo do Federal Reserve que aponta o Brasil como a segunda economia mais vulnerável do mundo, publicado na semana passada, tem falhas básicas e constrói conclusões sérias a partir do que economistas chamam de “regressão espúria”, na visão de um técnico do governo.

O estudo sustenta que os países que sofreram a maior desvalorização de suas moedas desde 30 de abril de 2013, quando o Fed começou a retirar estímulos monetários, são justamente os que pontuam pior num índice de vulnerabilidade. Uma regressão analítica apresentada no relatório, técnica estatística que procura capturar a relação entre dados, mostra que o índice de vulnerabilidade explica a desvalorização cambial em 71% das situações.

O Fed não detalha exatamente como calculou o índice de vulnerabilidade, o que é pouco comum em trabalhos científicos, já que a prática é abrir a metodologia para que seja checada e criticada. Diz apenas que é construído com base em seis indicadores: déficit em conta corrente em relação ao Produto Interno Bruto (PIB); dívida pública bruta como proporção do PIB; inflação média dos últimos três anos; mudança no crédito em relação ao PIB nos últimos cinco anos; razão entre a dívida externa total e as exportações; e reservas como proporção do PIB.

Uma da principais críticas é que a escolha desses indicadores, em meio a dezenas de alternativas, não tem respaldo na teoria econômica. Em tese, com a escolha aleatória de indicadores para alimentar uma regressão, sem respeito ao conhecimento científico acumulado, é possível provar virtualmente qualquer coisa.

Os indicadores escolhidos pelo Fed são questionados. A relação entre reservas internacionais e PIB, por exemplo, não diz muito sobre a vulnerabilidade, pois só mostra o caixa em moeda forte de um país em relação aos bens e serviços produzidos ao longo de um ano. O usual é comparar as reservas com os compromissos em moeda estrangeira do país.

Outro dado altamente questionável é o aumento do crédito como proporção do PIB. No caso de um país como o Brasil, com volume de crédito ainda pequeno, há um crescimento maior que não necessariamente indica vulnerabilidade. O déficit em conta corrente como proporção do PIB diz pouco se, como no caso do Brasil, ele é 80% financiado por investimentos diretos.

A extrapolação dos critérios adotados pelo Fed aos extremos mostra seus limites: se inflação mais baixa deixa um país mais vulnerável, o que dizer da deflação? Se menor crescimento do crédito deixa um país menos vulnerável, a contração nos financiamentos nos Estados Unidos, que está no centro da crise recente, seria positiva?

A amostra usada pelo Fed, de apenas 15 países, é inferior ao mínimo exigido para chegar a conclusões minimamente confiáveis. “Está na primeira página dos manuais de estatística: não se pode fazer uma regressão analítica com uma amostra de 15 países”, diz o técnico do governo. Estão de fora Argentina, Peru, Venezuela, Hungria e Polônia, para citar alguns. Escolhendo a dedo a amostra, é possível chegar a resultados de acordo com a vontade do freguês.

O trabalho do Morgan Stanley que inclui o Brasil entre os “Cinco Frágeis” (com Turquia, Indonésia, África do Sul e Índia) também tem seus flancos. O analista James Lord, que ganhou projeção por ter criado uma expressão que entrou na moda, constrói sua tese a partir de um ranking de vulnerabilidade em que Índia e África do Sul não estão entre os cinco piores. Nele, o Brasil está na quinta posição.

O topo é ocupado pelo Chile, e o terceiro lugar, pelo Peru. Mas Lord acha por bem tirar esses países da lista dos mais frágeis porque seus riscos vêm apenas de sua dependência de exportações de commodities e sua exposição à China. Ele também tira o México da lista porque reformas recentes do país aumentariam a sua capacidade para atrair capitais. Assim, o Brasil sobe para o terceiro lugar entre os frágeis, atrás de Turquia e Indonésia.

 

Redação

12 Comentários

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  1. Quem é de fora da economia

    Quem é de fora da economia pode achar estranho, mas é com esse nível de profundidade que e economistas costumam fazer pesquisas. Não todos, é verdade, mas uma parcela significativa

    1. Infelizmente …
      Reza a lenda que certa vez um colega foi consultado por um cliente sobre a possibilidade de escrever um “paper” sobre Jesus Cristo. Aceito o trabalho e combinado o preço, o cliente ameaça se retirar e o economista lembra:
      – só falta você me dizer se é a favor ou contra …

  2. É a SELIC, estúpido!
    Uma das maiores decepções com Obama foi não ter retirado o FED do controle de Wall Street, vigente desde a era Reagan. E do Morgan Stanley, que esteve entre os maiores protagonistas e beneficiários da farra dos “subprimes” que faliu o mundo em 2008, o que dizer? Não duvido que haja nos dois lugares quem esteja disposto a torturar números para defender teses viesadas pelos interesses do sistema financeiro. Aceitar as “opiniões” destas instituições sobre a política econômica do Brasil é o mesmo que delegar à raposa a segurança do galinheiro. O mesmo que perguntar à FEBRABAN se ela acha que aumentar os juros é uma medida interessante no momento.

    1. Nada a ver. O relatorio do

      Nada a ver. O relatorio do Fede é sobre o estado da economia mundial e como ela repercute na economia americana, a finalidade do estudfo é kustificar ações internas do Fed, não é dirigido ao Brasil e sim aos EUA. O Brasil nbão deveria tomar conhecimento. Seria como um relatorio do nosso Banco Central para justificar decisões do Comité de Politica Monetaria se referindo à economia argentina. O Fed é dirigido por um Board de sete pessoas, ninguem tem ligações com Wall Street, são professores academicos de economia e a atual presidente do Board é da burocracia do Fed, onde entra o Morgan Stanely nisso?

      1. Não são infalíveis

        Não são infalíveis e a bagagem e a kilometragem deles varia muito.

        Não dá para confiar só em credenciais, têm de ir para o debate público.

      2. Tudo a ver
        Tudo a ver, André. Desde o início da era Reagan, o FED se tornou cada vez mais agente da desregulamentação bancária e influenciado por Wall Street, que despeja 4 bilhões de dólares em Lobby por ano em Washington. Paul Volcker, aquele que dizia que estava tudo tranquilo até a véspera da falência do Lehman Brothers, era executivo do mercado financeiro também até a véspera de sua nomeação para o FED. Quanto aos acadêmicos do “Board”, bem … o estoque de doutores a favor do fundamentalismo de mercado nas universidades americanas, sedentos pelo prestígio deste emprego, é inesgotável. É claro que não se trata de uma conspiração simplória, mas de uma narrativa destinada a não só retratar mas construir uma realidade que interessa ao nucleo duro do sistema financeiro internacional. E realmente não é direcionada ao Brasil, mas ao mundo todo: ou você acha que quem produz e divulga um documento como este não sabe a influência que ele terá na formação das expectativas por toda parte? Antes de 2008, teria quase o poder de uma profecia auto realizada. Hoje em dia, felizmente, as antes hegemônicas “políticas de austeridade” estão enfrentando crescente descrédito.
        Quanto ao Morgan Stanley, ele entra na história principalmente por que é parte dela mesmo – já que hoje o FED e Wall Street praticamente se confundem – e não é por acaso que sua própria profecia sobre os “vulneráveis” é mencionada no artigo.

  3. Uma resposta adequada a redução de compras de ativos pelo FED

    Creio que precisamos manter o atual processo  de correção gradual da taxa de câmbio, apenas limitando a correção em 10% nominais ao ano, para reduzir o impactos nos índices de inflação.

    Hoje as exportações estão ao redor de R$ 250 bilhões ao ano, o que  representa R$ 375 bilhões com o dólar a R$ 1,50 ou R$ 600 bilhões com o dólar a R$ 2,40, ou seja um aumento expressivo na remuneração em reais dos exportadores.

    Com a correção gradual mais setores terão condições de exportar, além disso os investimentos para redução de custo  de produção estarão sendo incentivados, principalmente nos setores que falta menos de 10% para se tornarem competitivos para exportar ou competir com a importações.

    A venda de parte das Reservas Cambiais além de afastar os movimentos especulativos, como a retenção de dólares por exportadores, e as compras antecipadas de dólares pelos importadores, limita os impactos da correção gradual da taxa de câmbio nos preços internos.

    Além disso, a correção gradual da taxa de câmbio, exige uma quantidade cada vez maior de reais para manter as importações, que estão ao redor de US$ 250 bilhões por ano, o que representa R$ 375 bilhões com o dólar a R$ 1,50 ou R$ 600 bilhões com o dólar a R$ 2,40.

     

  4. O FED não pode abrir a

    O FED não pode abrir a formatação dos índices pois há um componente muito sigiloso. A espionagem de governos estrangeiros…

  5. 6 indicadores em oito possibilidades

    Me parece insuficiente  por base no design, mas quem sabe a mágica deles é de boa qualidade, ver para crer.

  6. Manipulação

    Posso estar errado, mas em alguns casos damos ênfase exagerada à relatórios externos a respeito da economia brasileira. Há frequentemente pouca boa vontade em se mostrar números justos com análises imparciais por má fé mesmo.

    Creio que o ajuste continuo do câmbio irá auxiliar já no médio prazo a balança de pagamentos do país, via redução das importações e extímulo das exportações, fazendo com que se torne mais vantajoso a produção local.

    Precisamos parar de gerar emprego no exterior. A indústria brasileira precisa ser estimulada. Fora isso, há muito a se fazer ainda para tornar a empresa brasileira competitiva a nível mundial.

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