Conflito de interesse? Juíza que atuou na Lava Jato agora revisa inquérito contra Moro no STF

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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A juíza assessorou Fachin na Lava Jato e estaria, em tese, impedida de atuar agora em inquérito contra a chamada República de Curitiba

A atuação da Lava Jato em Curitiba é investigada em inquérito determinado pelo ministro Dias Toffoli. À direita na foto, a juíza Camila Plentz Konrath, auxiliar do ministro. Foto: Reprodução/ Instagram Joalheria Konrath em Brasília
A atuação da Lava Jato em Curitiba é investigada em inquérito determinado pelo ministro Dias Toffoli. À direita na foto, a juíza Camila Plentz Konrath, auxiliar do ministro Toffoli, mas que já atuou na Lava Jato assessorando Fachin. Foto: Reprodução/ Instagram Joalheria Konrath em Brasília

O gabinete do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, mantém em seu quadro de auxiliares uma juíza que trabalhou junto ao ministro Edson Fachin nos processos da Lava Jato e por isso, em tese, estaria impedida de atuar em inquérito que agora investiga supostos atos criminosos envolvendo o ex-juiz Sergio Moro e figuras relacionadas. Trata-se de Camila Plentz Konrath, juíza federal da área do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, designada por ele para atuar em Brasília há quase 10 anos.

No gabinete de Toffoli, onde Camila Konrath está lotada hoje como juíza instrutora, tramita inquérito policial que atinge não somente a Moro, mas sua esposa e deputada federal Rosangela Moro; o padrinho de casamento do casal, o advogado Carlos Zucolotto; os ex-procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, entre outros nomes envolvidos na Lava Jato. Os delegados da Polícia Federal estão em Curitiba, nesta terça (9), para ouvir servidores da 13ª Vara Federal.

>>> Leia mais: Toffoli abre inquérito para investigar a “organização criminosa” de Sergio Moro, entre outros crimes

O artigo 18 da lei 9.784/99 versa sobre as hipóteses que configuram conflito de interesse e respaldam o possível impedimento de magistrados em determinados casos. A lei diz que está impedida de atuar em processos administrativos a autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria, ou que tenha participado da ação – que seria a hipótese que possivelmente alcança a juíza Camila Konrath.

Reportagem de O Globo publicada em 2017, auge da Lava Jato, registrou Camila Plentz Konrath como magistrada que trabalhava diretamente com Fachin, relator da Lava Jato no STF, e ao lado de outros dois juízes fixos. Do trio que assessorava Fachin, Camila Konrath e o juiz Ricardo Rachid teriam sido indicações de Sergio Moro, segundo apurou o GGN. Camila Konrath chegou a instruir audiências da Lava Jato enquanto ajudante de Fachin.

Em 2019, Camila Konrath foi nomeada por Toffoli, então presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, como juíza auxiliar do CNJ. Em 2023, ela foi designada por Toffoli para acompanhar pessoalmente o depoimento de Rodrigo Tacla Duran à Câmara dos Deputados, previsto para ocorrer em junho daquele ano. O depoimento foi cancelado e Tacla Duran jamais pisou em solo brasileiro para ser ouvido pelos parlamentares. >>> Leia mais: Como Tacla Duran foi impedido de delatar Moro e Dallagnol

Tentáculos da Lava Jato

Segundo relato feito ao GGN, a juíza Camila Konrath supostamente estaria criando óbices às investigações que revisam os atos da chamada República de Curitiba. Em caráter reservado, a fonte avaliou que a permanência da juíza comprova que os “tentáculos da Lava Jato ainda estão entranhados em boa parte do Judiciário”.

Por outro lado, fontes do STF informaram ao GGN que, pelo fato do caso ter acompanhamento direto de Toffoli, não haveria possibilidade de manobras de atraso. A reportagem procurou o gabinete do ministro para estender à juíza Camila Konrath direito de resposta, mas ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto.

O inquérito contra Moro

Em janeiro de 2024, Toffoli autorizou, a pedido da Procuradoria-Geral da República, a abertura de inquérito contra Sergio Moro e uma “organização criminosa” que teria deturpado o instrumento da delação premiada para atingir seus objetivos pessoais. O inquérito vai apurar supostas irregularidades, por exemplo, na delação do empresário Tony Garcia, que alega ter sido “agente infiltrado” de Moro e dos procuradores de Curitiba por muitos anos.

A colaboração premiada de Tony Garcia foi feita em 2004, após ele ser preso pela Polícia Federal sob a acusação de gestão fraudulenta do Consórcio Garibaldi. Por força da delação, Tony alega que foi usado por Moro para obter provas contra investigados, políticos e outras figuras proeminentes do Paraná. 

Garcia contou em depoimento à Polícia Federal que relatou sua experiência em 2021 à juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal. Hardt, porém, não teria dado andamento ao caso. As acusações feitas por Garcia foram encaminhadas ao Supremo somente em 2023, pelo juízo da 13ª Vara Federal.  

Esqueleto no armário

Em março de 2023, em depoimento ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, o advogado Rodrigo Tacla Duran acusou Sergio Moro e o ex-procurador da República, Deltan Dallagnol, de “extorsão”.

Como Deltan, à época, tinha direito a foro especial (era deputado federal, cassado em 2023) e Moro ainda detém o privilégio por ser senador, a 13ª Vara remeteu as acusações à Polícia Federal para que adotasse as providências cabíveis. Meses depois, o então juiz da 13ª Vara, Eduardo Appio, acabou afastado e posteriormente foi removido da jurisdição, em acordo com o Conselho Nacional de Justiça.

O enredo envolvendo Carlos Zucolotto foi revelado pela jornalista Monica Bergamo em 2017. À época, Tacla Duran veio à tona com a denúncia de que havia sido subornado pelo padrinho de casamento de Moro, que havia lhe cobrado 5 milhões de dólares para ajudar num acordo de delação premiada com a força-tarefa de Curitiba.

Cooptação de delatores

Outros pontos a serem investigados no inquérito determinado por Toffoli são as possíveis estratégias da República de Curitiba para cooptar delatores pré-selecionados e negociar acordos de colaboração premiada.

Espera-se que a PF investigue não somente o envolvimento de Moro, mas também da advogada e deputada federal Rosangela Moro, esposa d ex-juiz, do ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, e do procurador Januário Paludo e do ex-procurador Carlos Fernando de Santos Lima, além do advogado Carlos Zucolotto Júnior.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Eu imagino que exista muita gente do judiciário e da imprensa com rabo preso pela Lava Jato e por muitos que trabalharam na operação. Além do indecente, imoral e criminoso corporativismo, também existe o interesse em dificultar qualquer avanço nas investigações. Quem tem, também tem medo.
    Haja fraldas pra atender viúvos e viúvas do nefasto berço do crime dos togados.

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