Leis Federais dificultam acordos internacionais

A capital da Dinamarca, Copenhague, irá sediar em dezembro o encontro mundial sobre mudança climática: a 15ª Conferência das Partes (COP-15), realizada pela Convenção-Quatro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC). A reunião ocorre anualmente, mas desta vez a comunidade internacional espera que os países ricos finalmente se comprometam com a redução de emissões dos gases de efeito-estufa, estabelecendo um acordo climático global com metas quantitativas.

O fator econômico é uma das principais dificuldades enfrentadas nas negociações da COP. A redução das emissões de gases de efeito-estufa demanda investimentos para substituição de combustíveis fósseis por combustíveis de matrizes limpas, fim do desmatamento e desenvolvimento de tecnologias de captação de CO2.

Mas ainda existe outro fator de peso relacionado às negociações: a legislação dos países. No arNo artigo ‘Responsabilidade Internacional do Estado por Dano Ambiental’, a juíza Alessandra Nogueira Reis, aborda a evolução das normas internacionais e as dificuldades de consenso devido à soberania legal de cada nação.

Evolução do marco

Os códigos que compõem o direito do Estado podem interferir na responsabilidade do Brasil em âmbito internacional por danos ao meio ambiente. No mundo, não existe um poder central judiciário capaz de submeter todos os países a um código uno, dessa forma, as questões relacionadas aos impactos ambientais, que transcendam territórios, dificilmente chegam a uma resolução que favoreça a recomposição dos sistemas.

Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, diversos tratados surgiram integrando o direito internacional do meio ambiente – acordos bilaterais e multilaterais que abordam sobre poluição marítima, poluição química, poluição atmosférica transfronteiriça, transporte de substâncias perigosas, entre outros temas.

Atualmente, o direito internacional de meio ambiente consiste em um agregado de tratados, ou seja, não há um regimento abrangente que proteja o ecossistema como um todo. Além disso, o tempo entre a criação e aplicação de um tratado entre países leva de 2 a 12 anos.

A Comissão de Direitos Internacionais (CDI) da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou um conjunto de regras relativo à responsabilidade internacional dos Estados e que pode ser aplicado às questões ambientais. As diretrizes balizam opiniões sobre a evolução da jurisprudência internacional, mas ainda não está em vigor, porque dependem da assinatura dos países membros da sigla.

Os dois direitos

A dificuldade de se fazer respeitar um código uno está relacionada à concepção de soberania. A princípio existem o direito interno (de dentro do país) e o direito internacional. O complexo de leis interno é baseado nos costumes nascidos nos limites de um Estado e nas normas já aplicadas dentro do território, logo, regula as relações entre os indivíduos subordinados ao Estado. Enquanto que o direito internacional regula relações entre as nações.

Com base nos conceitos desenvolvidos pelo autor inglês Lassa Oppenheim, a juíza explica que o direito interno é o direito soberano do Estado sobre os indivíduos, o direito internacional não é um direito sobre, mas entre Estados soberanos, consequentemente um direito mais fraco. Essa definição, segundo ela, representa a visão ‘dualista’ do direito internacional compreendendo que os dois complexos de leis são tão diferentes que o conjunto de normas interno não tem forças para criar ou alterar as regras do internacional.

As discussões sobre a relação dos direitos interno e internacional não se resumem a concepção dualista. Existe também a ‘monista’, doutrina que não enxerga diferenças entre os dois conjuntos sustentando que é a conduta dos indivíduos que se submete a regulamentação do direito interno. E na esfera internacional, as consequências dessa conduta são atribuídas ao Estado.

Para os monistas, o direito interno e o internacional devem ser vistos como manifestações de uma concepção singular de direito. Isso porque os adeptos desse conceito entendem que “o principal ponto de identificação das duas esferas de direito – interno e internacional – reside no fato de que alguns conceitos fundamentais de Direito Internacional não podem ser compreendidos sem que se reconheça a existência de uma ordem superior da qual os vários direitos internos derivam, por delegação. Tal ordem superior seria a ordem internacional”, completa Reis.

O conceito monista possibilita a aplicação imediata de normas de direito internacional sem necessidade de adequá-las ao direito interno. Logo, a adoção de uma postura monista permite minimizar os riscos do Estado ser responsabilizado por crimes ambientais internacionalmente, já que elimina a existência de incompatibilidade entre os dois conjuntos de normas.

A juíza ressalta que a Constituição Federal Brasileira de 1988 é omissa quanto ao status conferido às regras internacionais. Como exemplo, cita o inciso I do artigo 49 da normativa que concede competência exclusiva ao Congresso Nacional para solucionar “tratados, acordos ou atos internacionais, que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

Caso Brasil X UE

Em 2007, o Brasil proibiu a importação de pneus remoldados da União Européia (UE) alegando questões ambientais. O grupo de países questionou a decisão brasileira no tribunal da Organização Mundial do Comércio (OMC), argumentando tratar-se de uma barreira não-tarifária com objetivo de garantir o mercado para pneus recauchutados à indústria do Brasil. A UE ressaltou, à época, que o país importava pneus remoldados de países do Mercosul, logo, a decisão brasileira se configuraria em discriminação dos produtos europeus.

Inicialmente a OMC aceitou os argumentos do Brasil levando em consideração que a medida estava fundamentada na proteção ambiental e na saúde pública – além do elevado tempo de degradação, pneus são focos de criação de insetos, como o mosquito da dengue. Na primeira instância a organização também aceitou a exceção feita às importações do Mercosul considerando que a discriminação seria injustificada apenas se o volume de pneus recauchutados dos países latinos fosse significativo, a ponto de contrariar o propósito da proibição imposta à UE.

A União Europeia recorreu ao órgão de apelação da OMC que manteve a decisão original, mas reconsiderou a posição feita a favor do Mercosul determinando proibição do material importado de qualquer que fosse o bloco de nações. “A OMC é uma organização voltada ao comércio, e seus princípios sempre prevalecerão. No caso dos pneus, embora aceite como legítima a exceção ambiental, prevaleceu o princípio comercial da não-discriminação. Para cumprimento desta, o Brasil deve não discriminar, o que significa liberar a importação para todos ou proibi-la para todos”, coloca Reis. Conclusão que reafirma a necessidade de fortalecer instituições que tratem do meio ambiente para que o tema seja protagonista, levando em consideração a importância econômica da preservação dos recursos naturais.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador