No Bunker de Temer

 

Há alguns dias Michel Temer disse que o Brasil estava muito isolado https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/impeachment/temer-diz-que-brasil-viveu-isolamento-externo-nos-ultimos-anos,0293e4a1707432ae21923ab88c813dc53gfd6onx.html. O fato foi repercutido pela imprensa de maneira absolutamente acrítica.

O Brasil estava mesmo isolado? Abaixo farei uma pequena lista de fatos referentes à política internacional de Lula e Dilma que consigo lembrar sem recorrer a quaisquer fontes. Na última década o Brasil:

 

  • participou ativamente da ONU e da OEA, prestigiou o Mercosul e criou a Unasul, ajudou a construir o BRICS e o G-20, passando a gozar de imenso prestígio em razão de ter deslocado tropas para estabilizar o Haiti;

 

  • nosso país mandou construir barcos de guerra na Inglaterra e tanques modernos na Itália, comprou tanques usados da Alemanha, os sistemas de mísseis de médio alcance foram desenvolvidos em parceria com a Ucrania/Russia, helicópteros militares foram comprados da Rússia e da França, os novos caças serão fabricados em parceria com a Suécia e a novos submarinos serão construídos na França e em parceria com a França no Brasil;

 

  • continuamos exportando alimentos e matérias primas para a China e passamos a comerciar de forma mais regular e intensa com diversos parceiros ignorados pelo governo FHC (Rússia, Turquia, etc…), e o mercado brasileiro foi inundado por vinhos, queijos, manteiga, presuntos e salames fatiados, azeites europeus excelentes e de qualidade duvidosa.

 

  • o Brasil se aliou à Alemanha para barrar, na ONU, a espionagem massiva dos EUA e nossa diplomacia foi suficientemente ativa e competente para garantir posições importantes para brasileiros em diversos organismos internacionais.

 

É, portanto, inverídica a afirmação do presidente ilegítimo de que o Brasil estava isolado. De fato, o isolamento do Brasil começou no exato momento em que o golpe de estado levou Michel Temer ao poder. Ao falar em isolamento dos governos anteriores, portanto, ele apenas projetou no passado uma realidade que ele mesmo está impondo ao país.

Temer, aliás, se recusa a participar de atividades públicas com medo de ser vaiado. Ele se isolou no Palácio do Planalto e reconstruiu o aparelho de repressão da Ditadura porque tem medo de ser deposto.

Não causa estranhamento um governante impopular e fraco tentar criar a realidade através do discurso. O que causa estranhamento é a forma como a imprensa adula Michel Temer, amplificando o que ele e se recusando a enunciar os fatos que contradizem o discurso dele. Assim a paranóia auto-referente em que Michel Temer quer viver só conseguirá produzir duas coisas: o colapso do governo e do Estado e a violência política generalizada.

Temer é uma figura trágica. Quando penso nele isolado em seu próprio mundo discursivo  (desvinculado dos fatos) e reproduzido à exaustão (pelos jornalistas e comparsas que estão à volta dele), a única imagem que me vem à cabeça é de Hitler na fase final de seu governo de terror.

Ao descrever o Bunker do líder alemão, Joachin Fest afirma que:

“Os dois ambientes que compunham os aposentos de Hitler também eram decorados com parcimônia. Sobre o sofá, havia uma natureza-morta de origem holandesa e, sobre a escrivaninha, numa moldura oval, um retrato de Frederico, o Grande, pintado por Anton Graff, diante do qual o Führer frequentemente se sentava em meditativa ausência, como se dialogasse com o rei.” (No Bunker de Hitler, Joachin Fest, editora Objetiva, Rio de Janeiro, 205, p. 28/29).

Este fato é corroborado pela descrição dos últimos dias de Hitler feito por sua secretária, que relata o seguinte:

“… Os traços de Hitler refletiam dureza e ódio, e ele repetia constantemente. ‘Não é possível que essas bestas sem cultura inundem a Europa. Sou o último baluarte contra esse perigo, e se existe justiça venceremos , e algum dia o mundo reconhecerá o motivo dessa batalha!’. Muitas vezes ele citava as palavras de Frederico, o Grande, cujo retrato estava pendurado na parede sobre a escrivaninha: ‘Quem colocar a última tropa na batalha será o vencedor!’. E a batalha de Kunesdorf era como que uma evocação flamejante na memória de Hitler.” (Até o fim – os últimos dias de Hitler contados por sua secretária, Traudl Junge, Ediouro, Rio de Janeiro, 2005, p. 149).

Até o último momento Hitler foi vítima do seu próprio discurso auto-referente, muito embora ele já não fosse capaz de criar a realidade. Os assessores próximos de Hitler não o contrariavam, reforçando nele suas certezas. A imprensa reproduz o que Michel Temer diz se recusando a expor os fatos que ele deliberadamente passou a ignorar.

O Führer se apegava à imagem de Frederico, o Grande. Michel Temer evoca a herança militar de Carlos Magno. As vitórias destes heróis do passado alimentam as esperanças neuróticas de ambos de romper o isolamento e conseguir se impor à realidade do colapso?

Perto do fim, Hitler ainda se considerava o último campeão da civilização contra a barbárie. O mesmo sentimento parece alimentar o imaginário de Michel Temer, pois ele age como se não precisasse consultar o povo brasileiro para entregar nosso petróleo aos norte-americanos. Hitler encontrava dentro de si mesmo a legitimação necessária para produzir uma catástrofe humanitária. Michel Temer segue os passos dele com ajuda da imprensa brasileira.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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