Os sem namorado

Uma pausa na política e na economia – para incluir um tema pertinente ao momento. Enquanto, como sempre, cresce o frisson em torno do Dia dos Namorados (12 de Junho, no Brasil), um psicólogo vai na contramão para abordar o avêsso do tema , no texto de seu Blog que reproduzo a seguir.

Do Blog do Aílton Amélio

O  mistério  dos  sem namorado

por Ailton Amélio*

“Namorar é um termo usado tanto para nomear um dos estágios iniciais dos relacionamentos amorosos (flerte, namoro, noivado…), como para nomear um padrão de comportamento cuja ocorrência é desejada em todos os estágios desse tipo de relacionamento que acontecem após o flerte.

O “namoro”, nesse último sentido, neste inclui contatos prolongados de olhares, declarações de amor, troca de carinhos românticos, abraços de tirar o fôlego, beijos na boca, etc. A presença desse tipo de namoro é um sinal de que há amor romântico entre o casal e que o relacionamento entre eles vai bem.

Infelizmente, muita gente que tem parceiro não namora. Pode ser casada, pode transar, pode ser amiga, pode ser fiel e comprometida, mas deixou de namorar. Este não é um estado desejável: o relacionamento conjugal geralmente tem como pilares o relacionamento amoroso, o romance e o sexo. 

Neste artigo, por uma questão de tempo e espaço, vamos tratar apenas daqueles que não têm namorado.

Desvendando os mistérios dos sem namorado 

Neste momento que escrevo, início da noite de domingo, estou pensando nos milhares de pessoas que estão sentindo muita solidão porque estão sem um relacionamento amoroso. Muitas delas já estão nesta situação há bastante tempo e já estão perdendo as esperanças de que um dia, em um horário como esse, vão estar nos braços da pessoa amada.

Às minhas sessões de terapia comparecem muitos homens e mulheres querendo namorar. Independente do sexo, eles apresentam reclamações semelhantes: ninguém quer nada sério; iniciar um namoro é uma atividade altamente complexa; é necessário ser uma pessoa com qualidades excepcionais para atrair um pretendente com qualificações razoáveis; etc.

É quase inacreditável que haja esse tipo de dificuldade. Existem estimativas que mais de 90% dos seres humanos se casam (constituem parcerias duradouras). Os antropólogos e historiadores nunca se depararam com uma sociedade onde não houve algum tipo de casamento. Por isso o ser humano é considerado um animal que se casa (existem várias espécies de animais que se “casam”. A arara azul é um exemplo). Existem animais que só se encontram na época da cópula e não constituem parcerias duradouras. No ocidente, onde o casamento arranjado é raro, o namoro funciona como uma oportunidade para a escolha de parceiros antes do casamento.

Tipos de obstáculos para iniciar relacionamentos amorosos

Sempre que pessoas compatíveis para um relacionamento amoroso estão em um mesmo local ou atividade, o interesse recíproco surge. Isso só não acontece quando há obstáculos para impedi-lo.

Os obstáculos para iniciar relacionamentos amorosos podem ser classificados como “objetivos” e psicológicos. Dentre os objetivos, podemos destacar os demográficos (percentagens de disponíveis compatíveis em cada faixa etária e nos locais e atividades frequentadas) e as características pessoais que tornam uma pessoa mais ou menos atraente para os possíveis parceiros (beleza, riqueza, traços de personalidade, etc.).

Neste artigo vamos examinar alguns dos principais obstáculos psicológicos para iniciar namoros.

Mestres do disfarce

Já recebi muitos pacientes que tinham um grau de atratividade acima da média, e até graus excepcionais  de atratividade, que reclamavam das dificuldades para atrair parceiros amorosos. Quando recebo um paciente assim, geralmente pergunto como ele consegue realizar essa proeza: neutralizar as manifestações de interesse de tantas pessoas, por tanto tempo! Realmente fico muito interessado em aprender como alguém pode circular por ai com tantos atrativos e, ainda assim, não receber sinais de interesse. Muitas dessas pessoas relatam que no dia a dia não vêem as outras pessoas como possíveis parceiras. As vêem apenas como amigas, clientes, desconhecidas. Por isso também não mostram sinais de interesse.

Polvos do amor

Tal como os polvos, que lançam uma nuvem de tinta quando se sentem ameaçados, muitos daqueles que têm dificuldade para iniciar namoros rapidamente lançam uma nuvem de tinta assim que se deparam com um possível parceiro: evitam, com um alto grau de eficiência, manifestar este tipo de interesse. Por exemplo, essas pessoas evitam se aproximar do seu objeto de interesse ou se envolvem em atividades de outra natureza, que chamam a atenção e desviam o olhar daquilo que está nos seus pensamentos e coração: como aquela pessoa me atrai.

Ineficácia para verificar se há interesse recíproco

Um grupo de pessoa teme, mais do que o diabo teme a cruz, manifestar qualquer tipo de interesse amoroso e ser rejeitado. Essas pessoas são tímidas, possuem baixa autoestima ou temem demais as opiniões alheias

Os tímidos, por exemplo, adotam uma espécie de dois pesos e duas medidas. Quando recebem uma manifestação amorosa ficam propensos a interpretá-las como manifestação de gentileza ou amistosidade. Quando exibem qualquer sinal de interesse, acham que derem um sinal óbvio de interesse amoroso. Pedi para grupos de tímidos interpretaram o grau de interesse amoroso de vários tipos de convites. Para um grupo pedi que pensassem que estavam recebendo esses sinais e para o outro, que estavam apresentando-os para alguém por quem tinham interesse. Dito e feito: os grupo de tímidos que recebia os sinais deu uma nota muito menor de interesse amoroso do que o outro grupo de tímidos que imaginou que estava recebendo-os (veja um relato desse estudo no meu livro, O Mapa do Amor)

Por isso, os tímidos apresentam sinais muito fracos de interesse amoroso, mas acham que estão sendo óbvio na manifestação de seus interesses. Quando recebem esses sinais continuam muito inseguros sobre as intenções daqueles que os estão apresentando.

Pessoas que acham difícil flertar

Existem mais de cem sinais de interesse amoroso. Muitos desses sinais também são apresentados durante as manifestações amistosas ou por pessoas que estão sendo cordiais e gentis. Essa falta de exclusividade de muitos sinais de interesse amoroso  confunde os tímidos e as pessoas com baixa autoestima.

Embora existam tantos sinais, não é necessário sair por ai comprando e estudando todos os livros de comunicação não verbal que prometem ensinar como decifrar os sinais de flerte. O tímido, por exemplo, procura com afinco aprender quais são os sinais de interesse amoroso. Ele faz isso porque a situação ideal para ele é ler o interesse do outro sem mostrar nenhum interesse. Assim ele não correria nenhum risco de manifestar o seu interesse e incomodar a outra pessoa ou ser rejeitado por ela.

Geralmente não é possível fazer esse tipo de leitura sem riscos. Isto só acontece quando a outra parte resolveu deixar tudo às claras e partiu para o ataque, o que raramente acontece. A verificação do interesse amoroso por parte da outra pessoa vai envolver aquilo que chamo de “compra de informações”: quem quer saber se o outro está  interessando mostra algum sinal de interesse e observa se a outra parte retribuiu, apresentando o mesmo comportamento ou outro comportamento igualmente positivo.

Atalho para a verificação de interesse amoroso

Um atalho para a verificação de interesse amoroso através da compra de informações consiste, simplesmente, em tratar de um assunto qualquer e, ao mesmo, tempo começar a tocar a outra pessoa (se esta for mulher, é melhor tocar apenas na sua mão ou antebraço. Geralmente as mulheres consideram muito invasivo os toques em outras partes do corpo).

Esses toques começam da forma que é permitido em qualquer conversa e se tornam mais frequentes, mais demorados e mais carinhos do que usualmente. Se quem é tocado vai respondendo positivamente, toda essa sequencia de toques se encaminha para uma situação que é exclusiva de um relacionamento amoroso como, por exemplo, entrelaçar a mão com a mão de quem está sendo verificado. Pronto! Esse tipo de contato geralmente significa o aceite de uma relação de natureza amorosa. Dai é só prosseguir.

Manifestar interesse amoroso não é feio nem ofensivo

Qualquer um de nós que recebe uma manifestação de interesse amoroso que seja sutil e de bom gosto sente-se lisonjeado.

Uma das coisas mais admiráveis que conheço é a manifestação adequada de interesse amoroso. Quem faz isso age de forma corajosa e verdadeira. Não fica se escondendo atrás de mil conversas e atividades aquilo que realmente está pensando e sentindo pelo parceiro.

Por outro lado, para essa manifestação ser bem aceita é necessário não constranger a outra pessoa com um pedido que exija resposta. A resposta é dada de forma sutil e não obrigatória. Quem a recebe tal manifestação de interesse pode levá-la na brincadeira e considerá-la apenas uma lisonja.

Manifestações diretas e sumarias de interesse amoroso podem dar certo

O mais interessante é que a manifestação direta pode ter uma alta taxa de sucesso. Um estudo americano mostrou que cerca de 50% dos convites diretos para um encontro, apresentados por homens e mulheres, para um desconhecido, após a abordagem e uma breve introdução (algo assim: “Você não me conhece, mas já vi você por ai. Acho você uma pessoa atraente e vou lhe fazer um convite”). É importante ressaltar que quem convidava era apenas medianamente atraente e aqueles que eram convidados tinham um grau razoável de atração para quem que apresentava o convite.

Esse estudo foi realizado nos campi de universidades americanas. Em outros locais essas taxas podem ser diferentes. Também existem inconvenientes na apresentação de convites diretos para desconhecidos. Como isso é inusual na nossa cultura, sempre vai despertar suspeitas.

Onde se ganha o pão não se come a carne?

Algumas pessoas encaram seriamente este ditado e neutralizam, o máximo que podem, as manifestações mais evidentes de interesse amoroso nas suas relações profissionais.

É claro que manifestações amorosas e o estabelecimento de relacionamentos amorosos entre pessoas que têm outros tipos de relacionamentos podem comprometer esses últimos ou, pelo menos, alterá-los definitivamente. Por isso, uma boa dose de cautela nestas circunstâncias é compreensível e razoável. Por outro lado, a abstenção de iniciativas nesse setor restringe um dos melhores tipos de locais e atividades para iniciar relacionamentos amorosos que têm mais chance de evoluírem para um grau maior de compromisso, como morar junto e casar. Um estudo que realizei verificou que 37% dos namoros são iniciados entre pessoas que já têm outro tipo de relacionamento. Um estudo americano verificou que as este tipo de local e atividade é o que propicia a maior percentagem de relacionamentos com maior grau de compromisso.

Inabilidades para se relacionar

Não basta atrair parceiros desconhecidos. Muita gente atrai, mas não consegue desenvolver ou manter o parceiro.É necessário cativá-los, seduzi-los durante o relacionamento.

Superação dos obstáculos psicológicos

Quem tem uma ou mais das dificuldades acima, e isso está impedindo o início de relacionamentos amorosos satisfatórios, deve tomar medidas para superá-las. Muitas vezes não basta ler livros de auto-ajuda, frequentar locais de paquera, se inscrever em sites de namoro ou agências de casamento. Esses recursos só aumentam as possibilidades de encontrar um parceiro compatível, mas não ajudam a se relacionar bem com eles. Muitas vezes é necessário contar com a ajuda de um psicólogo especializado neste tipo de problema para superar essas dificuldades.

Feliz dia dos namorados para vocês.”

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Sobre o autor:  Ailton Amélio é psicólogo clínico, doutor em Psicologia e professor do Instituto de Psicologia da USP. Autor dos livros “Relacionamento amoroso” (Publifolha), “Para viver um grande amor” (Editora Gente) e “O mapa do amor” (Editora Gente).

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Com ou sem namorado(a), um bom fim-de-semana a todos(as).

Abs., ROSE

Luis Nassif

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