Jornal GGN – Após protelar o julgamento por quatro anos, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) se reuniu nesta terça-feira (25) para discutir o pedido de providências que a defesa de Lula apresentou contra Deltan Dallagnol e seus colegas de força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, ainda em setembro de 2016.
Os advogados reclamaram que os procuradores “enxovalharam a honra” de Lula e anteciparam juízo de culpa, violando seu direito constitucional à presunção de inocência, quando convocaram a imprensa nacional e internacional para divulgar a petição inicial (acusação) do caso triplex. Na ocasião, usaram uma apresentação em Powerpoint atribuindo a Lula a chefia de uma organização criminosa – uma acusação fora de sua competência e jamais comprovada na Justiça.
O relator do caso, conselheiro Marcelo Weitzel, sinalizou discordância em relação à postura da Lava Jato, mas decidiu poupá-la de críticas mais duras durante o julgamento. Ele disse que quando recebeu o processo do primeiro relator, em janeiro de 2018, as penas moderadas já estavam todas prescritas. Weitzel encaminhou voto pela integral rejeição dos pedidos de Lula.
Aberto o debate entre conselheiros, a maioria reconheceu que os procuradores “extrapolaram” na forma como trataram Lula na imprensa.
Sebastião Caixeta [em destaque na foto acima] puxou o voto divergente, avaliando que a conduta da força-tarefa “maculou” a imagem do Ministério Público Federal. “Pareceu que a apresentação [em Powerpoint] vinha com o propósito de fazer o chamado julgamento pela mídia“, admitiu.
Segundo ele, os procuradores externaram na entrevista coletiva a convicção de que Lula era culpado por “fatos que estavam em investigação”. A divulgação foi marcada pela “ausência de zelo” em esclarecer que as acusações ainda seriam processadas. Passaram da “transmissão da informação”, um direito e dever do MPF, ao “juízo de valor”, “influenciando a opinião pública” contra o réu.
“Apesar de não ser possível o provimento quanto a qualquer tipo de censura aos membros do Ministério Público, há indícios de autoria e materialidade de infração disciplinar”, avaliou Caixeta. Para ele, o ideal seria a abertura de um PAD (processo administrativo disciplinar) contra Dallagnol e demais envolvidos. Mas a proposta logo foi abandonada.
“A CULPA É DO PRÓPRIO CNMP”
A questão da prescrição das penas “fulminou” a instauração do PAD. Depois de quatro anos de lentidão no CNMP, a única pena que ainda não prescreveu neste processo seria a exoneração dos procuradores. Mas os conselheiros não consideraram “cabível”. Caixeta disse: “Não cogitei jamais em meu voto a situação de demissão.”
Diante da “aparente prescrição das penas mais brandas”, abriu-se uma discussão sobre a efetividade de abrir um processo administrativo, como sugeriu Caixeta, se a pena que restou – a demissão – era vista pela maioria como dura demais. Além disso, ela também prescreve daqui a 20 dias.
O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho foi quem fez um mea culpa institucional com contundência. “Não acho que o CNMP se afirma ao deixar de decidir porque um caso prescreveu por sua própria culpa“, disse. “É a primeira vez que esse caso vem ao plenário do CNMP. Nós vamos ficar discutindo a prescrição ou vamos discutir de fato o que está por trás desse processo, as tintas que foram carregadas?”
Ele defendeu que a prescrição fosse discutida no âmbito do PAD, convergindo com a defesa de Lula.
Já o conselheiro Silvio Roberto saiu em defesa da Lava Jato em todas as suas manifestações. Quando o debate estava caminhando para a abertura do PAD, foi ele quem puxou o freio de mão e pautou a questão da prescrição.
“O que não está prescrito é a pena de demissão. Prescreve em 14 de setembro. Vamos ao PAD para apurar uma conduta que geraria demissão por causa de uma apresentação [em Powerpoint]?”, questionou aos colegas, em tom de descrença. “É preciso que seja muito bem colocado que o que se pretende com abertura de PAD é a demissão.”
“Uma conduta que já prescreveu não enseja abertura de PAD”, emendou Caixeta, recuando de sua proposta inicial.
PRESTIGIANDO A IMPUNIDADE
O advogado Cristiano Zanin sustentou que não promover a abertura do PAD, conforme aventado por Caixeta, seria “utilizar a prescrição para impedir a ocorrência de uma investigação”.
“Se houver a prescrição, ela deve ser reconhecida no processo adequado. Reconhecer a prescrição por antecipação, para não investigar, com o devido respeito ao Conselho, seria prestigiar a impunidade.”
Após quatro anos de imbróglio, a maioria do CNMP decidiu jogar panos quentes na história.
O corregedor do CNMP Rinaldo Reis, que presidia a sessão, proclamou o resultado: por maioria, o Conselho determina o arquivamento do pedido de Lula “pelo reconhecimento da prescrição”, embora “reconheça que seria procedente o pedido de instauração de processo administrativo disciplinar, nos termos do voto divergente do conselheiro Sebastião Caixeta”.
Também por maioria, o CNMP determinou que os membros da Lava Jato se abstenham de usar a estrutura do MPF “para fins de divulgação de atividades políticas ou político-partidárias.”
Os conselheiros lamentaram que a demora no processamento tenha gerado a prescrição.
Em coletiva de imprensa com veículos da grande mídia, Zanin afirmou que aguardará a publicação do acórdão para verificar se entrará com recurso (embargos de declaração) ao próprio CNMP.
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O vídeo do julgamento: