The Servant (1963)

Este filme inglês de 1963 estrelado por James Fox e Dirk Bogarde é muito bom. Tony (Fox) é um jovem inglês bem nascido, rico, preguiçoso, alcoólatra e meio ingenuo. Ele contrata um servo chamado Hugo Barrett (Bogarde). Rapidamente o experiente empregado ganha a confiança do patrão e passa a explorar as falhas no caráter dele.

Tony tem um projeto ambicioso: construir três cidades no Brasil e atrair camponeses asiáticos para habitar e trabalhar nas mesmas. A referência ao nosso país é importante e será discutida no final.

Barrett é um servo é muito dedicado, mas cuida da casa como se a mesma fosse dele. Em pouco tempo cria atritos entre Tony e a namorada e o faz contratar sua suposta irmã. Com ajuda do suposto irmão a nova empregada – que na verdade é uma amante do servo – seduz o patrão e o coloca nas mãos do empregado.

Susan (Wendy Craig), a namorada de Tony, desconfia do empregado e, sempre que pode o trata com desprezo senhorial. Um dia o patrão chega em casa com a namorada e encontra Barrett se divertindo com a amante no quarto dele. Susan fica uma fera e exige o protagonista tome uma providência. Então o servo confessa que vai se casar com a amante e ela insinua que já teve relações sexuais com Tony na frente de Susan. Ambos são expulsos da casa.

A vida e a casa de Tony ficam de pernas para o ar depois que Susan o deixa. Em pouco tempo o rapaz passa a frequentar prostíbulos e bares. Um dia ele reencontra Barrett num bar e o mesmo lhe pede desculpas dizendo que foi enganado pela amante. Tony recontrata o empregado, mas Barrett não é mais o mesmo. Ele reclama o tempo todo, trata o patrão como se fosse seu igual.

Os atritos entre ambos se tornam comuns. Durante uma discussão as posições se invertem, pois Barrett tem mais firmeza e coragem do que seu patrão bêbado e molenga. Um dia a ex-amante do servo retorna e pede dinheiro a Tony. Ela confessa que foi obrigada pelo “irmão” a fazer o que fez, diz que o ama e Tony  a perdoa. Entretanto, Barrett coloca a “irmã” para fora da casa como se ele fosse o dono da mesma.

Algum tempo depois Susan visita Tony. Mas agora ele é o servo e Barrett se tornou o patrão. A casa de Tony se transformou num prostíbulo e ele presta serviços sexuais quando não está servindo Barrett. No final do filme o ex-servo diz que todos irão para o Brasil. Um triunfo final: Barrett abraça e beija Susan na frente de Tony. O rapaz está tão embriagado que não consegue fazer absolutamente nada.

A ideologia de The Servant é evidente. As classes sociais não são fixas, por isto os patrões devem ser firmes no trato com os empregados. Caso contrário os servos se apropriam de tudo e passam a tratar os patrões como iguais, ou pior, como subalternos. O determinismo comportamental e o darwinismo social ajudaram a construir esta pequena tragédia: um homem mais firme, independentemente de sua condição social, tende a prevalecer sobre alguém que não consegue superar suas falhas de caráter mesmo tendo nascido em berço de ouro.  

O filme faz referências ao Brasil no início e no final. Isto é mais importante do que se imagina. De fato, no princípio da década de 1960 a elite inglesa acreditava que o Brasil era um país em que os servos estavam se apropriando de tudo. Tanto isto é verdade que o Serviço Secreto da Inglaterra em nosso país trabalhou ativamente para derrubar João Goulart como bem demonstrou Geraldo Cantarino no livro Segredos da Propaganda Anti-Comunista . Tive a oportunidade e o prazer de resenhar esta obra para o Observatório da Imprensa http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed685_segredos_da_propaganda_anticomunista .

É antiga e ambígua a relação da elite inglesa com o Brasil. Em meados do século XIX, quando esteve em nosso país como embaixador da Inglaterra, WM. Gore Ouseley observou que:

“…a indústria no Brasil padece de outro mal, de maior gravidade. Onde existe escravidão, o trabalho manual é desprestigiado. Quando a uma classe se rouba seu ‘salário justo por dia por seu trabalho justo do dia’, e quando é posta a trabalhar, à força, sem remuneração, as demais classes tornam-se mais ou menos ociosas e corruptas. Esse fenômeno é inseparável da existência da escravidão em qualquer comunidade.

O escravo, é claro, prestará a quantidade de trabalho a que está obrigado, e que não pode evitar sem incorrer em punição. Nisso tem toda razão; não tem outro estímulo ao trabalho senão o do medo da violência e da humilhação (estou falando em geral). O senhor viverá, via de regra, do trabalho do escravo e só despertará e instigará suas próprias energias para extrair o máximo que puder de seus servos…” (A América do Sul de Ouseley, Vistas da América do Sul –  WM. Gore Ouseley , 1a. edição em língua portuguesa, Editora Primor, Rio de Janeiro, 1978, Apêndice, p. 119)

Se por um lado a elite inglesa deplorava – e eventualmente ainda deplora – o trabalho escravo e a super-exploração das classes subalternas no Brasil, por outro a Inglaterra trabalhou ativamente para minar as Reformas de Base e ajudou a derrubar João Goulart em 1964. É possível que The Servant (1963) tenha sido concebido e rodado justamente para transmitir ao respeitável público a idéia de que os servos podem controlar a casa do patrão assim como supostamente estavam controlando o Brasil (para onde Hugo Barrett diz que pretende viajar no final do filme).

A elite da Inglaterra continua adotando uma posição ambígua em relação ao nosso país. A pobreza dos brasileiros segue supostamente sendo objeto de preocupação dos jornalistas ingleses como nos tempos de Ouseley http://www.economist.com/blogs/americasview/2013/02/social-spending-brazil . Apesar do sucesso dos programas sociais dos governos Lula e Dilma – ou justamente por causa dos mesmos – a The Economist (uma revista inglesa) tem tentado sabotar o governo de Dilma Rousseff desaconselhando investimentos em nosso país antes que ocorram mudanças http://www.economist.com/news/leaders/21625780-voters-should-ditch-dilma-rousseff-and-elect-cio-neves-why-brazil-needs-change e http://www.economist.com/news/briefing/21625661-under-dilma-rousseff-brazils-economy-has-stalled-she-promises-reignite-growthbut-faces .

Os espiões ingleses estão por traz do panelaço que ocorreu há alguns dias e ajudaram a fomentar, financiar ou organizar as passeatas que ocorrerão no próximo dia 15 de março? É possível, mas se for verdade isto será mantido em segredo por algum tempo.

The Servant é uma obra prima da malícia sócio-econômica e da maldade elitista dos ingleses. Hugo Barrett é um degenerado e como todo servo ele se apropria da casa de Tony não para levar uma vida virtuosa e sim para transformá-la num puteiro. Se fosse exibido na TV esta semana, The Servant certamente faria a elite brasileira imaginar Lula no papel de Hugo Barrett e Dilma Rousseff no da irmã-amante do perverso servo que ousou se tornar patrão de seu patrão.

A idéia de que os servos não podem controlar a casa (ou o país) está no âmago das tentativas desesperadas da imprensa e do PSDB para evitar a eleição e, depois, a posse de Dilma Rousseff. É isto que justifica as humilhações impostas à presidenta diariamente pelos jornalistas. Quem quer submeter Dilma Rousseff a um processo de Impedimento ou a depor pela força acredita que o lugar dela é na cozinha de joelhos esfregando o chão e não na sala de estar comandando a criadagem.

“Soberania popular” não é e nunca foi um conceito muito popular entre aqueles que se acreditam superiores ao povo, que se consideram inafastáveis do poder político e que julgam terem sidos ungidos por Deus para governar a massa ignara. O terror da igualdade jurídica na urna é um componente importante no imaginário dos brasileiros que querem manter tudo como estava na Ditadura, como se tudo não estivesse bem ou melhor só porque o povo ousou votar de maneira diferente.

Agora sou eu quem vai bater panelas. O personagem Tony de The Servant é a representação perfeita de uma elite decadente, incapaz de se governar e, em razão disto, de governar uma casa ou um país. Aécio Neves poderia ser comparado Tony, mas neste caso é evidente que ele e seus eleitores elitistas ficariam ofendidos. Tanto melhor, pois que não estou aqui para adular ninguém.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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