Torcidas organizadas usam arquibancadas para protestar contra CBF e Globo

“Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal”

 

Jornal GGN – As torcidas de futebol não podem ser analisadas de forma parcial. Os grupos organizados trazem dados mais complexos que devem ser analisados a luz de mais fatos, é o que explica a matéria à seguir, da coluna de Peu Araújo, no Vice Sports.

Nos últimos jogos, por exemplo, sugiram faixas de protestos mostrando um aumento de politização desses grupos. No domingo passado (14), no clássico entre Corinthians e São Paulo, a torcida da Gaviões da Fiel levantou nas arquibancadas faixas com os dizeres “CBF, FPF a vergonha do futebol”, “Ingresso mais barato”, “Futebol refém da Rede Globo” e “Quem vai punir o ladrão de merendas?”.

Alguns dias antes, durante jogo do Campeonato Paulista na partida do Corinthians contra o Capivariano, que aconteceu no dia 11, a torcida corintiana mandou: “Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal” e “Cadê a$ conta$ do e$tádio”, também no meio da arquibancada, e foi repreendida pela Polícia Militar.

A revolução virá das arquibancadas

Por Peu Araújo, do Vice Sports

Se você já foi a um estádio de futebol, provavelmente já presenciou o barulho e a energia agressiva das torcidas organizadas. Se você se informa sobre as arquibancadas pelos jornalões convencionais já se acostumou a criminalizá-las.

Uma coisa que precisa ficar clara para entender os parágrafos a seguir: as torcidas são muito mais complexas do que esse maniqueísmo. Não, não é só um bando de bandidos reunidos e também não é um bonde dos bonzinhos. “Se você vier aqui atrás de briga, você vai encontrar meia dúzia de cabeça de bagre que tá atrás da mesma coisa, mas a torcida é muito mais do que isso”, explica Wildner Rocha, o Pulguinha, ex-presidente da torcida e liderança histórica dos Gaviões.

Na última semana, muito tem se falado sobre a torcida do Corinthians. Os protestos no Campeonato Paulista começaram na partida contra o Capivariano, na quinta-feira (11). Faixas com mensagens como “Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal” e “Cadê a$ conta$ do e$tádio” foram abertas no meio da arquibancada da Arena Corinthians e repreendidas pela Polícia Militar, que se pauta numa cláusula interpretativa do Estatuto do Torcedor:

Segundo o Art. 13-IX, é proibido “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo”. Parece que é proibido protestar pelas ruas e também nas arquibancadas de São Paulo. Bom, até onde sabemos, ainda não é ofensivo questionar a administração de um clube ou se mostrar contra uma emissora da televisão.

Um dos representantes dos Gaviões nas reuniões com o Batalhão do Choque antes das partidas, o diretor da torcida, Cristiano de Moraes Souza, afirma que ninguém assumiu a autoria da repressão policial. “Eles [os policiais] disseram que a ordem veio da Federação Paulista e do próprio clube. Eu questionei o Corinthians sobre isso, e disseram que não foi o clube. A Federação não se pronunciou. A gente vive assim: a polícia fala que um mandou, vai lá e faz.”

No clássico contra o São Paulo, também em Itaquera, no domingo (14), outras faixas foram erguidas no meio dos Gaviões da Fiel: “CBF, FPF a vergonha do futebol”, “Ingresso mais barato”, “Futebol refém da Rede Globo” e “Quem vai punir o ladrão de merendas?”. As mensagens ganharam repercussão e o que era uma questão urgente para os torcedores virou um protesto organizado e consciente.

Nesta quinta-feira (18), depois da chuva torrencial do meio da tarde, os Gaviões começaram a aparecer na quadra da torcida, no bairro do Bom Retiro. com um objetivo simples: colar na frente da Federação Paulista e fazer muito barulho.

Às 19h30, centenas de torcedores vestindo preto e branco ocuparam um dos sentidos da Avenida Sérgio Tomás. Se compararmos essa ação com uma manifestação do Movimento Passe Livre, por exemplo, podemos ver uma evolução estratégica e uma energia muito mais combativa. Você pode até pensar que são coisas muito distintas, porém, se a torcida decide protestar por questões extracampo, qual a diferença?

Antes da saída da quadra, Fabricio Pouseu, um dos diretores, faz uma espécie de preleção pedindo para que os torcedores não percam tempo com torcedores adversários — nas imediações da FPF, há sedes de torcidas do Palmeiras — e exigedisciplina no trajeto. “Vai ter polícia lá, mano. Qualquer problema liga nóis. Vamo todo mundo junto, sem dispersar. Vão ser 50 minutos gritando lá na porta.”

Uma salva de palmas marca o início da marcha, que segue a passos rápidos e firmes, sempre muito bem compactada. A bateria, muito bem tocada, dita o ritmo das músicas e todo mundo canta, entre outros hinos, “Ladrão, devolve o futebol do povão” e “Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não roubo meu Estado.” Três bandeirões flamulam ininterruptamente.

A impressão que dá é a de que se tem muito mais gente. Os rojões, atirados a todo tempo, deixam o clima mais bélico, assim como as caras fechadas de boa parte dos torcedores. Sinalizadores com fumaça preta e outras pirotecnias começam a aumentar à medida que o bonde se aproxima da FPF. Nas imediações, duas viaturas da PM e alguns policiais do Choque esperam os torcedores.

A massa se concentra em frente à porta principal da instituição, e o primeiro rojão é atirado na janela do último andar, mas logo é repreendido pela diretoria da torcida. Outros de 12 tiros estouram no céu, além de muitos gritos contra a FPF, CBF, Rede Globo e o inimigo número um das organizadas, Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Deputado Estadual pelo PSDB. Todas as pautas são questionáveis. “Nós temos propriedades pra questionar todas elas. Todas elas são de propriedade do nosso associado, do torcedor, do cara que tá na arquibancada”, explica Pulguinha.

As pautas são muitas e algumas vezes confusas, embora a maioria delas deseje a melhoria do futebol e das torcidas, independentemente do time.

A treta com a Rede Globo questiona o horário dos jogos de meio de semana. Por causa da programação da emissora, as partidas começam às 22h e acabam por volta de meia-noite. Nesse horário, muitos torcedores ficam sem ter como voltar para casa ou demoram horas para realizar o trajeto. “Jogo às dez horas da noite não dá mais. Isso não é uma briga só do corinthiano, não é uma briga só dos Gaviões. Isso tem que ser uma briga aberta, tem que ser uma briga de todas as torcidas do país. Pô, não dá mais. O pessoal acorda às cinco horas da manhã. Você sai do jogo meia-noite e não tem condução pra chegar em casa. Não tem mais condição disso”, comenta Fabricio.

Contra a Federação Paulista de Futebol o conflito é em relação às proibições de sinalizadores e bandeiras e ao valor do ingresso. Os próximos dois jogos da equipe custarão mais de 100 reais no setor mais “popular.”

Capez se entrincheirou contra as torcidas há mais de 20 anos. Em 1995 conseguiu extinguir a Torcida Independente, do São Paulo, e a Mancha Verde, do Palmeiras. Ambas mudaram minimamente os nomes e continuam ativas.

A bronca dos corinthianos, e de outros torcedores, é porque o deputado pretendia, à época, punir as instituições por ações de indivíduos. “A liderança da época quando falava que não podia se responsabilizar pelos 50, 60 mil sócios ele generalizava. Agora ele tem 10, 15 assessores, sei lá, e ele não pode se responsabilizar?”, questiona o diretor dos Gaviões Fabricio Pouseu em referência ao escândalo de desvio de dinheiro das merendas escolares nas escolas estaduais em que o Capez é citado. Procurado pela reportagem, o deputado se prestou apenas a mandar uma nota oficial em que nega participação no caso de corrupção.

Ninguém deu as caras na FPF, que já estava com os portões fechados, mas, por uma hora, gritos, bandeiras, faixas, rojões, sinalizadores chamavam a atenção do prédio inerte. Apenas dois seguranças, imóveis, acompanhavam o espetáculo do lado de dentro das grades, e enquanto menos de uma dúzia de policiais do Choque com escudos fechavam a pequena rua, provavelmente preocupados com o trânsito.

O protesto da torcida do Corinthians colocou sob holofote algumas questões pertinentes para quem frequenta estádio e gosta do esporte, sem clubismo. Esse levante é, além de tudo, um convite para que outras organizadas se manifestem e questionem essas “verdades absolutas”, podendo ser o início de algo muito maior. O futebol brasileiro está afogado em corrupção e falcatrua há muitos anos e as arquibancadas estavam em silêncio. Esse tempo acabou.

 

Redação

8 Comentários

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  1. Despertar político das uniformizadas

    Tenho grandes restrições à atuação das uniformizadas nos estádios pelo histórico de violências. Contudo, as manifestações políticas das últimas semanas precisam ser vistas sob outra lente.

    Além as faixas e cantos nos estádios e na frente da FPP, na semana passada circulou uma notícia que torcedores estariam arrecandando alimentos para repor a merenda desviada nas escolas estaduais da capital:

    http://torcedores.com/noticias/2016/02/gavioes-arrecadara-alimentos-para-escolas-afetadas-pelo-roubo-da-merenda

    Algumas coisas chamam a atenção:

    1. Corinthiano pobre quando se manifesta policamente no estádio é infinitamente mais educado, civilizado e maduro que a manada de idiotas ricos e desocupados que ofenderam a Dilma na abertura da Copa do Mundo com xingamentos vulgares.

    2.Por que a questão da merenda incomoda tanto aos torcedores? Capez é um grande inimigo das uniformizadas, mas arrecar comida para repor o que foi roubado é outra história. Quem rouba merenda de escola pública está roubando comida dos filhos dos torcedores. Essa é minha hipótese.

    3. Se essa politização das torcidas se alastrar, será incontrolável como o movimento de ocupação das escolas. A PM tucana pode reprimir por fora, mas o sujeito que desperta por dentro para a luta política não volta mais a dormir. O que é ótimo para o Brasil.

  2. Na Itália está assim:

    Homenagem da torcida da Inter de Milão a Ronaldo: “As lendas não trocam de camisa, aqueles que o fazem, são chamados de merda”. (tradução “mais ou menos”)

    Ronaldo estava nas gtribunas do estádio.
    Alusão ao seu passado no time e por ter jogado depois no Milan.
    Ele teve uma contusão séria e, depois de dois anos se tratando na Inter, jogou a copa do mundo de 2002 e ganhou, em seguida foi para o Real Madrid e voltou à Itália para o grande rival, Milan. E pior, votou no Aécio. Acho que a faixa é, principalmente por este último triste episódio.

  3. E os curinthianos coxinhas,

    E os curinthianos coxinhas, como ficam nessa estória ?

    Faixa em favor do Lula. Será que os coxinhas vão virar são paulinos ? dizem que é o reduto dos coxinhas.

  4. essa questão do horário

    essa questão do horário pós-novela da globo tem mesmo de ser resolvido….

    e pra resolver a globo vai rer de mudar a grade de programação e pode se embananar….

    o perigo é a manifestação ser manipulada pela grande mídia….

    inserem uma faixa solitária contra alguém ou alguma coisa de de seu interesse, focam,

    mas não mostram as faixas contra a globo, por exemplo….

     

     

  5. você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão

    Mas vejam que coisa interessante: o Corinthians sem a Globo seria o eterno favorito ao paulistinha.

    Foi depois de a Globo começar a distribuir desproporcionalmente o dinheiro entre os clubes, favorecendo descaradamente Corinthians e Flamengo, que surgiram os times galaticos de anos recentes. Na Globo só passa jogo do Corintia. Os comentaristas sao quase todos crinthianos. Isso pra não falar na cobertura amiga na época da MSI (a Caros amigos de 2005 tem uma reportagem interessante sobre isso).

     

    Longe de mim defender a indefensável rede Globo, mas a torcida do Corinthians tem mais a agradecer do que reclamar…

     

    fica a dica: http://flaviogomes.grandepremio.uol.com.br/2015/11/o-neo-futebol/

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