Educação ou barbárie nas escolas de São Paulo?
por Mario Maurici
Com pouco mais de seis meses de mandato, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), já dá mostras do desastre que se avizinha no campo da educação sob sua gestão. Conforme o conjunto de medidas anunciadas pelo seu secretário da Educação, Renato Feder, não é exagero prever que o ensino no Estado passará por mudanças significativas que, em vez de propiciarem melhoria na qualidade, vão no sentido do mais agudo retrocesso.
A mais recente decisão do governador é bastante preocupante: São Paulo não vai mais adotar os livros recomendados pelo Ministério da Educação (MEC) e irá “produzir” seu próprio material didático com ênfase nos meios digitais. A iniciativa tem tantos problemas que é difícil descrever todos. Mas, vamos tentar.
O primeiro deles é desconsiderar que os livros didáticos do MEC são selecionados pela Secretaria de Educação Básica a partir de análises feitas por universidades públicas de notório saber, com pareceristas extremamente qualificados. São, portanto, materiais de qualidade devidamente avaliados e já testados no dia a dia dos estudantes.
O segundo problema é deixar de contar com recursos da ordem de R$ 200 milhões (R$ 120 milhões do Ensino Fundamental e mais de R$ 80 milhões do Ensino Médio) – valor que o MEC destinaria a aquisição dos livros com a verba do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, sem falar dos custos adicionais da confecção do “novo” material digitalizado pretendido pelo atual secretário de Educação.
O terceiro aspecto negativo é desconsiderar que estudos pedagógicos apontam para a necessidade de conciliar o material impresso com o digital, sem renunciar aos livros de papel. Conforme afirma o secretário estadual de educação Renato Feder, com suas “inovações”, as salas de aula se tornarão “telas de televisão”, com imagens em 3D e jogos, slides em Power Point etc. Ignora-se que não são poucos os especialistas a alertarem sobre os malefícios do uso excessivo de “telas” na educação, mesmo para turmas mais avançadas.
Neste sentido, um ponto a ser considerado também é que, ao contrário dos livros impressos, nem sempre os estudantes têm condições materiais adequadas em termos tecnológicos para acessar materiais digitais em suas casas. Portanto, é uma medida que aumentar a exclusão de alunos carentes da rede pública de ensino estadual.
Diante das muitas críticas de educadores, Tarcísio mudou o tom do discurso e disse que o governo vai imprimir os livros digitais, como se a questão fosse apenas essa.
Ultraliberalismo na educação
É bastante conhecido o perfil privatizador do secretário Feder (empresário formado na área de tecnologia e não na de educação), que não deixou saudades por sua gestão frente à secretaria de educação paranaense. Ultraliberal, Feder é defensor ferrenho da diminuição do Estado na vida das pessoas e já propôs ampla privatização do ensino público.
Para complicar, o secretário é proprietário da empresa de tecnologia Multilaser, uma das maiores do país, e ligado a empresários do ramo particular de educação, que firmou contratos milionários com o governo do Estado de São Paulo. Daí surge a interrogação: estará o secretário interessado verdadeiramente em melhorar a qualidade do ensino paulista ou em fazer “negócios” com uma tal digitalização sem freios da educação junto a seus “amigos” da iniciativa privada? Não se trata de uma pergunta vã. A suspeita de um choque de interesses é flagrante e precisa estar no radar de todos nós que nos preocupamos com o campo da educação em São Paulo e no Brasil. Recentemente, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) abriu uma investigação para apurar os contratos celebrados entre a empresa de Feder e o Governo de São Paulo.
Vigilância e controle de professores
Não bastassem os problemas apontados com a questão de uma digitalização sem critérios e discussões com a área acadêmica e a sociedade civil, agora o governador Tarcísio anuncia outra medida polêmica, para não dizer absolutamente imprópria: os diretores das unidades escolares vão acompanhar literalmente in loco – ou seja, dentro das salas – as aulas ministradas pelos professores.
Conforme a determinação, diretores de escolas estaduais deverão, neste semestre, assistir semanalmente a pelo menos duas aulas de cada professor, com a obrigação de produzir “relatórios” sobre o que observaram nas classes. Tais documentos serão encaminhados para as delegacias de ensino. Vale destacar que não foi explicitada qual a destinação desses relatórios.
Não há dúvida de que a medida pretende inibir a autonomia pedagógica dos educadores. A ideia é intimidar professores que não seguirem as diretrizes ideológicas dos atuais mandatários do poder. Tal iniciativa é tão absurda quanto inútil: afinal, é sabido que qualquer comportamento é alterado a partir de uma observação direta feito por um terceiro sujeito, perdendo-se a espontaneidade e a liberdade de ação.
Não bastassem os problemas até aqui descritos, tem-se ainda outra decisão extravagante do militar da reserva Tarcísio: não seguir a orientação do MEC de acabar com o programa das escolas cívico-militares. O governador afirmou que não só vai continuar com as controversas escolas como deseja ampliá-las.
Não foram poucos os problemas apontados com as tais escolas cívico-militares. Vão desde aplicar a “disciplina” da caserna a estudantes em formação até a remuneração de militares da reserva que ocupam cargos de gestão nas escolas. Sem formação pedagógica adequada e com adicional salarial que supera os vencimentos dos funcionários de carreira, a presença de militares, ainda que da reserva, contraria a ideia de liberdade e democracia para os brasileiros em formação, algo que deve ser sempre uma presença inerente em qualquer política educacional responsável e de qualidade.
Assim, como alertamos no início, tal conjunto de ações nos faz ficar muito preocupados com os caminhos que São Paulo está seguindo para sua educação. A exemplo da destruição comandada pelo seu “líder” político, Jair Bolsonaro (PL) no Ministério da Educação (MEC) nos nefastos últimos quatro anos, o governador de São Paulo parece ter a intenção de seguir na mesma direção do que foi feito, ou melhor, desfeito nos caóticos tempos do bolsonarismo, quando chegamos ao cúmulo de termos ministros que não sabiam sequer escrever corretamente o português, estrangeiros sem qualquer noção da educação no Brasil, além de outros envolvidos em corrupção da grossa com barras de ouro (!!!), portando arma de fogo e disparando acidentalmente a esmo em aeroportos.
Por fim, como coordenador da Frente Parlamentar em Apoio à Cultura e Educação neste meu segundo mandato, a ser lançada no próximo dia 14, afirmo que, mais do que nunca, no que se refere aos rumos da educação no Estado de São Paulo é preciso “estar atento e forte” como já dizia a letra do clássico Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, imortalizada pela saudosa Gal Gosta. Sob pena de prejudicar toda uma geração que precisa e merece ter um ensino público de qualidade, inclusivo e democrático.
Mario Maurici é deputado estadual pelo PT, foi vereador e prefeito de Franco de Rocha, na Grande São Paulo. Exerceu ainda os cargos de secretário de Comunicação e de Governo na Prefeitura de Santo André, foi diretor da EBC em São Paulo e presidente da CEAGESP. É formado em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.