Pra começar do começo, por Marco Piva

Ideia de país polarizado interessa a quem vê a democracia como trampolim para seus próprios interesses

Pra começar do começo

por Marco Piva

Parece simples, mas não é. Vejamos a tese do país polarizado entre dois extremos, que tanto agrada a certos setores da sociedade – não à toa, gente do mundo empresarial financeiro, políticos aspirantes ao estrelato e vários jornalistas com poder de opinião.

Vamos começar pelo começo, sem neologismo. O que significa polarização na interpretação de qualquer dicionário (não precisa ser o Aurélio…):

incompatibilidadeconflitocontradiçãoincongruênciadiscrepância, discordância, divergênciaantagonismocontraste, contraposição, desacordodesconformidadedisparidade,  desequilíbrio, desencontro, inconciliabilidadeinconformidade, incompossibilidade.

Indo para o campo das ideias:

oposiçãodiscórdiadesentendimentodesinteligência

rivalidade.”

Posto o básico, a pergunta ao jornalista André Trigueiro, para ficar em um exemplo, é: o que ele quer dizer exatamente quando pede “um discurso mais equilibrado dos demais candidatos”? Argumenta sua frase dizendo que Lula elogiou “réus do seu próprio partido”, condenados por tentativa de homicídio. Esqueceu-se, talvez, de dizer em qual contexto aconteceu o episódio que levou o ex-vereador “Maninho do PT” e seu filho Leandro a serem julgados.

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Lembrando, então, já que a memória é mais curta que o espaço: no auge do antipetismo, fruto da Operação Lava Jato tão louvada pela emissora que o jornalista trabalha, um cidadão vai à frente do Instituto Lula e começa a xingar quem ali estava prestando solidariedade ao ex-presidente, cuja prisão havia sido decretada naquele 5 de abril pelo ex-juiz Sergio Moro. Ou seja, é o mesmo que alguém chegar na sua festa sem ser convidado e querer entrar de qualquer maneira…Petistas que estavam no local reagem e o cidadão cai, bate a cabeça no para-choque de um caminhão e é hospitalizado com traumatismo craniano.

O caso merece manchetes e mais manchetes da imprensa e o ex-vereador e seu filho são acusados de tentativa de homicídio. Posteriormente, são julgados e condenados sob pressão da opinião pública. Vamos aceitar que este episódio foi parte da “polarização política” daquele momento.

De 2018 para cá, com a eleição de Jair Messias Bolsonaro, a “polarização” tão exaltada se transformou, na prática, em uma particularidade quase exclusiva do próprio presidente e de seus apoiadores. Uma via de mão só. Recentemente, Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos na Amazônia por que estavam em uma “aventura perigosa” ou por que foram vítimas do ódio exalado desde o Palácio do Planalto? O próprio André Trigueiro deu a resposta.

O episódio do assassinato do dirigente do PT, Marcelo Aloizio de Arruda, em Foz do Iguaçú, é apenas mais um capítulo do discurso que fomenta a violência e o ódio de um só lado. E isto não se chama polarização. Lula, inclusive, divulgou nas redes sociais sua solidariedade às famílias da vítima e do agressor, aliás trecho cortado no programa de Andréia Sadi, na Globo News. Enquanto isso, a manifestação do presidente se limitou a requentar um twitter de 2018 onde não vai direto ao ponto e ainda afirma que a violência está do lado da esquerda.

Não sei mais o que jornalistas, empresários das finanças e políticos de ocasião ainda esperam para entender que não há polarização entre dois lados opostos quando uma das partes defende o autoritarismo e a outra, suponho a maioria, defende a tolerância, o diálogo e a paz. Não há discordância de ideias; existe um abismo de atitudes e comportamentos.

Enquanto certos setores da sociedade brasileira insistirem que vivemos uma “polarização” para tentar enfiar goela abaixo do país que o principal problema do país é este, seguiremos andando sob uma corda bamba sem perspectiva de alcançar o terreno sólido da estabilidade institucional. Não existiu decisão difícil em 2018 e muito menos haverá em 2 de outubro de 2022, a não ser para aqueles que abrem mão do futuro da nação para pensar somente em seus próprios interesses.

Marco Piva é jornalista, apresentador do programa Brasil Latino na Rádio USP e pesquisador do Centro de Estudos Latino-americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (Celacc-USP).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Leia também:

A falácia da polarização, por Marco Piva

A polarização é problema ou solução?, por Gilberto Maringoni

A falsa polarização e a definição de esquerda e direita, por Vitor Filgueiras e Sávio Cavalcante

Redação

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