Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
[email protected]

Fundos soberanos de royalties e o desenvolvimento sustentável do Rio de Janeiro, por Paula Alexandra Nazareth

O aumento da frequência de desastres naturais, inclusive em regiões hoje beneficiadas com royalties, mostra que o debate é urgente

Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Fundos soberanos de royalties e o desenvolvimento sustentável do Rio de Janeiro

por Paula Alexandra Nazareth

A recente criação de fundos soberanos por governos estaduais e municipais brasileiros com recursos de royalties e participações especiais provenientes da exploração e produção de petróleo e gás natural é uma importante inovação. Seguindo tendência observada em outros países produtores, este é um instrumento que traz novas possibilidades e oportunidades para uso dos recursos, que merecem ser amplamente debatidas.

Para o Rio de Janeiro, a discussão é urgente e oportuna. O estado e muitos de seus municípios, entes federativos considerados produtores pelos critérios legais vigentes para o pagamento das rendas petrolíferas, são hoje os principais beneficiários, uma vez que a distribuição é pautada essencialmente pela localização geográfica e pelo princípio da compensação aos produtores e afetados pelas atividades petrolíferas.

Como a produção nacional de petróleo e gás natural é elevada e vem crescendo no período recente – o país mantém-se desde 2020 como nono maior produtor mundial de petróleo – a magnitude dos valores impressiona. De fato, as participações governamentais pagas pelas empresas que exploram os recursos naturais aos governos federal, estaduais e municipais, somaram R$ 46,3 bilhões em 2020 e R$ 77,5 bilhões em 2021, enquanto em 2022, ultrapassaram R$ 110 bilhões.

Governos estaduais e municipais do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, cujos territórios fazem confrontação com os principais campos marítimos produtores das bacias de Santos e Campos, são os mais beneficiados com recursos – em 2021, municípios dos três estados receberam 90% do que foi pago ao conjunto de todos os municípios brasileiros.

A distribuição desigual das rendas petrolíferas acirra disputas entre os entes federativos, que se somam ao desafio de montantes expressivos de recursos poderem resultar em dependência orçamentária e na possibilidade de comprometer a sustentabilidade fiscal dos governos. A disputa se manifesta em pressões por mudanças nos critérios legais de rateio por parte de estados e municípios não contemplados pelos royalties, o que mantém grande incerteza quanto aos valores a receber – já dependentes, por sua vez, do volume de produção, dos preços das commodities, definidos no mercado internacional e que variam muito, e do câmbio. Todos estes riscos concorrendo para ameaçar a estabilidade do nível das receitas municipais.

A preocupação com a sustentabilidade ambiental em nível mundial também contribui para a instabilidade, aumentando pressões por mudança para fontes renováveis de energia, menos poluentes, em substituição aos combustíveis fósseis, ameaçando a continuidade das atividades de exploração e produção. Idealmente, para assegurar a justiça intergeracional, rendas provenientes da exploração de recursos naturais não renováveis deveriam ser direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico buscando recompor ativos naturais, respeitando a preservação ambiental para garantir condições de vida dignas à atual e às futuras gerações.

Contudo, esta não tem sido uma diretriz observada no Brasil. Apesar de mudanças recentes na legislação destinarem as rendas para políticas de saúde e educação garantindo um importante avanço social, contratos de exploração anteriormente firmados não são alcançados pelas novas regras e não há previsão para políticas ambientais. Parte das rendas ainda pode ser usada livremente pelos governos, sem destinação definida previamente, abrindo espaço para o desperdício de recursos relevantes e escassos.

É nesse contexto de insegurança quanto à continuidade dos recebimentos que governos beneficiários das rendas, embora ainda possuam significativa liberdade para aplicar os recursos, têm criado fundos soberanos com excedente dos royalties e das participações especiais, visando constituir poupança estratégica para garantir a sustentabilidade fiscal futura.

Indo além do objetivo de estabilização das receitas, cabe refletir sobre o papel que estes instrumentos podem desempenhar para a promoção do desenvolvimento sustentável, em vista do seu potencial para contribuir com o financiamento de ações urgentes voltadas à adaptação e mitigação em relação às mudanças climáticas, ao enfrentamento da pobreza e para a promoção da qualidade ambiental. Vale lembrar que os governos municipais, por suas atribuições, são fundamentais para que o Brasil cumpra compromissos assumidos em acordos internacionais, como a Agenda 2030. Os desafios para as cidades são enormes, seja em termos de recursos seja das capacidades estatais necessárias para execução das ações, exigindo soluções coordenadas para superação – e os fundos podem contribuir nesse sentido.

No RJ, o interesse na criação desses instrumentos é explicado em grande medida pela magnitude das rendas recebidas e pela elevada dependência que os orçamentos de alguns municípios apresentam desses recursos. Por isso, nos últimos anos, além do Fundo Soberano do Estado do Rio de Janeiro (criado em 2022), foram criados o Fundo Soberano de Maricá em 2017, e o Fundo de Equalização de Receitas do Município de Niterói em 2019, que já acumulam recursos relevantes.

Rápida consulta às legislações e documentos disponíveis nos sites dos fundos dos municípios de Maricá e Niterói indica que são voltados essencialmente para a estabilização e sustentabilidade fiscal, preocupando-se com a manutenção do nível de receitas, viabilizada pela aplicação dos recursos em ativos financeiros. Do ponto de vista da aplicação dos recursos acumulados, por outro lado, não consta diretriz ou referência explícita ao uso para o fomento de ações voltadas para a sustentabilidade ambiental ou, alternativamente, restrição à aplicação em ativos que não sigam critérios de preservação ambiental. O cenário atual, no qual os municípios se defrontam com inúmeras demandas sociais e relacionadas à gestão das cidades, impõe refletir sobre o aproveitamento da oportunidade de contribuir também, de forma responsável, para a dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável, para além da econômica.

A situação atual das estruturas governamentais e dos arranjos institucionais responsáveis pela gestão ambiental local, hoje existentes nos municípios do RJ e de todo o país, evidenciam que ainda há muito a fazer para que estes entes cumpram suas atribuições quanto às políticas públicas de meio ambiente. Apesar de avanços, ainda persistem desafios não apenas financeiros, mas também para a estruturação dos órgãos, conselhos, legislações e fundos do meio ambiente de modo a garantir o efetivo funcionamento destes elementos. As cidades precisam de apoio no processo de estruturação e para as políticas e as iniciativas devem respeitar a transversalidade da agenda ambiental e a articulação com outras cidades e com as demais esferas para a gestão ambiental compartilhada.

O aumento da frequência de desastres naturais com terríveis consequências em termos de vidas perdidas, inclusive em regiões hoje beneficiadas com royalties, mostra que é urgente o debate quanto ao seu uso de forma social e ambientalmente responsável, compatível com a promoção do desenvolvimento sustentável. Vislumbra-se relevante oportunidade de direcionamento dos recursos, diretamente ou por meio dos fundos soberanos, para fomentar iniciativas e financiar políticas públicas com foco na sustentabilidade e redução das desigualdades sociais, com transparência, fortalecendo as estruturas de governança e o controle social, especialmente nos municípios beneficiários de rendas petrolíferas.

  • Paula Alexandra Nazareth é doutora em economia

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB) desenvolve estudos e pesquisas sobre economia brasileira, em seus diversos aspectos (histórico, político, macroeconômico, setorial, regional e internacional), sob a perspectiva da heterodoxia. O NEB compreende como heterodoxas as abordagens que rejeitam a hipótese segundo a qual o livre mercado proporciona a melhor forma possível de organização da economia e da sociedade.

Finde/GEEP - Democracia e Economia

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador