Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Shale gas: perspectivas da exploração fora da América do Norte

Do Blog Infopetro

Por Edmar de Almeida

A grande questão em aberto para o futuro do mercado energético internacional é a possibilidade e a extensão da replicação da revolução americana do shale gas em outras regiões do mundo, para além da América do Norte. Atualmente, já não existe dúvida quanto à disponibilidade abundante de recursos não convencionais de gás natural fora da América do Norte. Vários estudos realizados pelos governos e por instituições como a Agência Internacional de Energia apontam a disponibilidade abundante de recursos de shale gas em países como China, Argentina, México, África do Sul, Brasil, Austrália dentre outros.

Apesar das dúvidas que pairam sobre a possibilidade de se repetir a revolução do shale gas americano, a Agência Internacional de Energia acredita que metade do crescimento da produção de gás até 2035 virá dos recursos não convencionais, principalmente do shale gase do gás de carvão (coalbed methane). Segundo a AIE, a difusão do shale gas para fora da América do Norte acontece principalmente após 2020, principalmente na China, na Argentina e na Índia (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Crescimento da produção de gás-não convencional até 2035

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Fonte: IEA – Word Energy Outlook 201

A difusão do shale gas para fora da América do Norte representa um enorme desafio para a indústria de petróleo e gás. Isto ocorre porque grande parte dos fatores de sucesso do gás não convencional nos EUA não está presentes fora da América do Norte. Podemos citar sete principais fatores de sucesso para o caso Norte Americano:

  • Grande conhecimento geológico nos EUA e Canadá, resultante de uma indústria de petróleo e gás centenária que já perfurou mais de 5 milhões de poços de petróleo.
  • Regulação leve do segmento do upstream. O processo de licenciamento é célere o bastante para se perfurar e fraturar milhares de poços por ano. Em 2011, por exemplo, o órgão regulador do Texas autorizou a perfuração de 22.480 poços.
  • O acesso dos investidores a áreas de exploração é facilitado pelo fato da propriedade dos recursos do subsolo pertencer ao proprietário do solo. Desta forma, as operadoras negociam diretamente com os proprietários dos recursos que são pessoas físicas ou empresas privadas. Mesmo no caso das terras públicas o processo de licitação de áreas é relativamente simples e desburocratizado.
  • A indústria de petróleo e gás Norte Americana é composta de cerca de 10.000 empresas operadoras. Este grande número de empresas se deve à tradição de menor interferência do Estado no setor de petróleo.
  • Existe uma elevada aceitação social com relação à atividade de exploração de petróleo e gás não convencional em vários estados americanos com tradição em óleo e gás, em particular no Sul e Meio Oeste americano.
  • O escoamento e comercialização da produção de gás são facilitados pela existência de uma extensa rede de gasodutos e distribuição e transporte (aproximadamente dois milhões de quilômetros de dutos), com regras de livre-acesso e um mercado liberalizado.
  • Finalmente, vale ressaltar a robustez e sofisticação do mercado financeiro americano que facilitou o financiamento do esforço exploratório de pequenas empresas independentes que se especializaram no negócio do gás não convencional.

Figura 1 – Os fatores do sucesso do gás não convencional nos EUA

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Fonte: Elaboração Própria

Os fatores de sucesso acima mencionados viabilizaram a exploração do shale gas numa velocidade e escala difícil de replicar fora da América do Norte. O play de Eagle Ford no sul do estado do Texas é um exemplo impactante sobre a capacidade de desenvolvimento doshale gas nos EUA. As atividades exploratórias neste play eram praticamente inexistentes 5 anos atrás. Como se pode observar no gráfico 2, em 2013 foram perfurados 3477 poços em Eagle Ford, permitindo uma produção 713 mil barris de petróleo por dia (mbd) e cerca de 104 milhões de metros cúbicos diários (Mm³/dia). No mesmo ano, cerca de 25 bilhões de dólares foram investidos em Eagle Ford. Os números para apenas este play superam, em muito, aqueles da indústria de petróleo e gás da maioria dos países da América Latina.

Gráfico 2 – Evolução do Capex e Número de Poços por Empresa em Eagle Ford (Texas)

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 Mesmo considerando que seria muito difícil replicar tal dinâmica de investimentos, é importante avaliar quais seriam as condições necessárias para que a revolução do shale gasaconteça fora da América do Norte.  O nível de conhecimento geológico das principais áreas com recursos de gás não convencional fora da América do Norte é muito inferior ao caso americano. Nos EUA, o esforço exploratório centenário para petróleo e gás convencional e o histórico de décadas explorando fontes de gás não convencional como otight gas (arenitos compactos) possibilitou acelerar a exploração do shale gas. A aquisição do conhecimento geológico fora da América do Norte exige um esforço exploratório vai levar tempo, custa muito caro e vai requerer incentivos para atrair as empresas operadoras para esta empreitada. (…) O texto continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

11 Comentários

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  1. Aceitação social?

    Gostaria de ver números quantitativos que mostram a aprovação social destacada pelo autor, pois recentemente surgiram documentários estarrecedores que mostram degradação dos corpos hídricos e elevadas emissões de metano nestes sistemas de captação de gás. Cabe também citar o lob poderosíssimo destas empresas junto aos políticos norte americanos que influenciam diretamente na regulação do setor e também no julgamento das demandas sociais contra tais empresas com “aceitação social”. 

    1. É uma anedota só pode ser…

      O sujeito abre a torneira de casa e acende a água que sai e tem aceitação social??? Esse mundo tá ficando meio maluco cara…kkkkkkkkk

       

  2. “Regulação leve”

    Regulação leve = problemas ambientais pesados.

    E os hipócritas apontando o dedo para o Brasil enquanto fecham os olhos pro que acontece nos EUA.

    1. Boa. Isso Me Lembra Um Episódio

      Bom dia.

      … de “Os Trapalhões”. Didi, fantasiado de cachorrinho, vê uma cachorrinha e a paquera. Ela lhe pergunta o nome. Ele diz.
      — “Cheide”.
      —  “Shade”? Que lindo. É ingles?
      — “Não. É portugués, mesmo. É Cheide Pulgas”.
      Ah, ah, ah.

  3. O Problema Não É o Gás; É Como Extraí-lo!

    Bom dia.
    A extração do gás xistoso é o verdadeiro problema. O impacto ambiental é enorme e, se alguém sugere o “Shale Gas” como substituto, a médio prazo, das matrizes fósseis, está, para ser gentil, faltando com a verdade. Jayme Seta Filho, na FIESP, alerta para os perigos e as oportunidades da matriz xistosa e fala sobre o Brasil e a perda de competitividade. Menos, Jayme…
    Outra coisa. Lá, na terra “onde escorre leite e mel”, eles estão fazendo o “fracking” a torto e a direito. Em nenhum momento se soube da presença do “ambientalista” James Cameron nem de algum “verde”. Seletivos, heim? Vir fazer “ambientalismo” no Brasil é moleza. Ninguém diz ou faz nada.
     

    1. Gasland, de Josh Fox.

      Documentário premiado sobre o fracking. A reação ao processo de fraturamento de rochas do subsolo, com injeção de coquetéis de solventes, tem sido forte no EUA, existem condados que não o aceitaram, por temerem contaminação de suas águas subterrâneas. Na Europa o processo tem sido barrado. Não procede a informação subentendida na postagem, de que na Europa o conhecimento geológico não é tão aprofundado quanto no EUA; sabe-se, por exemplo, de que a área francesa de maior possibilidade exploratória para o fracking está abaixo de Paris. Quem vai arriscar o pescoço em furar o centro da capital francesa? No Brasil as formações de xisto coincidem com o Aquífero Guarani. A exploração do xisto americano está em áreas de baixa densidade populacional.

      [video:http://www.youtube.com/watch?v=IMP0-RcHqTc%5D

  4. Viabilidade econômica.

    Pena que o artigo não toque na questão da viabilidade econômica da exploração do gás de xisto. Os últimos relatos que eu lí davam conta de que os poços tinham uma redução drástica de produção em um período muito curto de tempo e não conseguem pagar o que foi gasto na perfuração. O modelo estaria sendo sustentatdo pelo aumento contínuo do número de poços e uma euforia no mercado financeiro, formando uma bolha que poderia estourar a qualquer momento.

    Não me parece razoável avaliar essa fonte energética sem ter uma resposta concreta questão da viabilidade econômica dos poços.

    Pessoalmente eu acho um tipo de exploração perigoso, que não está sendo tratado com o devido cuidado, podendo produzir um efeito ambiental extremamente negativo.

     

  5. Shale gas – antes de tudo, um assunto geocientifico

    Antes de qualquer coisa, um pouco de conhecimento geológico se faz necessário para se discorrer sobre um problema geocientífico. Shale é o que se designa, em português, como folhelho, uma rocha sedimentar que pode ter tido, ou não, condições de gerar petróleo – o que depende do teor de matéria orgânica e das condições de exposição térmica. Xisto é uma rocha metamórfica, capaz de gerar petróleo apenas em artigos da mídia leiga.  

    Se uma rocha sedimentar gerou petróleo, não significa, necessariamente, que esse petróleo seja tecnicamente recuperável. Se tecnicamente recuperável, o grande desafio é torna-lo economicamente a recuperável. E o primeiro requisito para que isso ocorra é a sua composição mineralógica. É necessário que seja formada por minerais quebradiços, susceptíveis à ruptura quando submetidos a um esforço induzido, ao contrário dos minerais de argila, que tendem a absorver energia e se deformarem. O que determina estas condicionantes é o ambiente deposicional, que foram muito favoráveis para a maioria dos shales no território dos EUA, mas não, necessariamente, em outros lugares do mundo.    

    Em vias de exaustão das acumulações domésticas em jazidas convencionais (aquelas que receberam o petróleo migrado das rochas geradoras) e forte dependência do petróleo importado, os EUA se voltaram para o petróleo remanescente nas próprias rochas geradoras. A epopeia começou no Barnett shale, na bacia de Fort Worth, no Texas, no ano de 1982. Dezoito anos depois, haviam desenvolvido um método eficaz de estimulação dessas rochas de baixíssima permeabilidade (da ordem das centenas de nano Darcies), através de faturamento hidráulico, designado como slick water. A combinação dessa técnica com poços horizontais (com extensão da seção lateral de até 3 km), os EUA alcançaram aos níveis atuais de produção de óleo e gás em vários shale plays.

    A importação acrítica do modelo shale dos EUA, sem considerar as condicionantes geológicas que propiciaram o sucesso, é o primeiro passo para o óbvio fracasso em outras partes do mundo. O forte subsídio estatal nos primeiros anos, quando a produção ainda não se consolidara, foi outro fator de fundamental importância. Sem a existência de uma infraestrutura, para tratamento e escoamento dos hidrocarbonetos, herdada da indústria convencional, dificilmente a indústria do shale teria alcançado a relevância que tem hoje nos EUA.

    No entanto, produzir petróleo de rochas de tão baixa permeabilidade (centenas de nano Darcies) tem duas óbvias implicações: 1) a baixa vazão média inicial por poço; e 2) o grande declínio da produção. Por conta da baixa vazão inicial, a produção econômica é alcançada a partir de centenas de poços produtores. Para compensar os declínios de produção – tipicamente, da ordem de 40 a 60% ao ano – e manter o patamar alcançado, mais e mais poços têm que ser perfurados a cada ano, numa escala sem precedentes na indústria, a um custo financeiro, social e ambiental, também jamais experimentados.

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