Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Celso Furtado, presente

A Wikipédia, que vem a ser a enciclopédia dos ignorantes, registra que Celso Monteiro Furtado nasceu em Pombal, na Paraíba, em 26 de julho de 1920, e morreu no Rio de Janeiro em 20 de novembro de 2004. E que foi um economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Que suas ideias sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento  enfatizavam o papel do Estado na economia. Ponto.

Ponto? Não, amigos. Nestes dias em que as eleições ainda não terminaram, em que a grande mídia e a oposição, com o precioso auxílio da direita na Polícia Federal, desejam um golpe de estado, Celso Furtado é mais que presente, muito além do aniversário dos seus 10 anos de falecimento. Assim falo porque tem surgido, aqui e ali, um feroz preconceito contra nordestinos, contra o atraso político que teria o povo do Nordeste, porque os nordestinos de todas as regiões do Brasil somos os responsáveis por um governo de petralhas. Então vale a pena voltar à razão de Celso Furtado no presente.

Eu me valho do que tenho em mãos, o livro Formação Econômica do Brasil. Atenção, amigos, prestem atenção em um trecho do último capítulo do livro, magistral. Abram-se as aspas:

“Observado de um ângulo distinto, o desenvolvimento da primeira metade do século XX, no Brasil, apresenta-se basicamente como um processo de articulação das distintas regiões do país em um sistema com um mínimo de integração. O rápido crescimento da economia cafeeira – durante o meio século compreendido entre 1880 e 1930 -, se por um lado criou fortes discrepâncias regionais de níveis de renda per capita, por outro dotou o Brasil de um sólido núcleo em torno do qual as demais regiões tiveram necessariamente de se articular…”.  Mas “a articulação com a região nordestina se faz por intermédio da própria economia açucareira. Neste caso, a luta pelo mercado em expansão da região cafeeira não se realiza contra concorrentes externos, e sim contra produtores locais”.

Já antes do último capítulo, Celso Furtado escrevera na Formação Econômica do Brasil:

“De que forma foram compensados os efeitos depressivos da contração persistente da procura externa pelo café nos anos 30? Esses resultados, de grande significação para o futuro imediato da economia brasileira, são um reflexo das dimensões catastróficas da crise do café e da amplitude com que foram defendidos, conscientemente ou não, os interesses da economia cafeeira. O fato de que a produção de café tenha continuado a expandir-se depois da crise e a circunstância de que os cafeicultores se tivessem habituado aos planos de defesa dirigidos pelo governo respondem, em boa parte, pela manutenção da renda monetária do setor exportador. Ao produtor de café pouco lhe interessava que a acumulação de estoques fosse financiada com empréstimos externos ou com expansão de crédito”. Para se ter uma ideia, “a recuperação compreendida entre 1934 e 1935 trouxe consigo uma elevação geral dos preços dos produtos primários. O preço do açúcar, por exemplo,subiu 140 por cento, entre 1933 e 1937… O preço do café, no entanto, em 1937 era igual ao de 1934 e inferior ao de 1932”. E tudo com o apoio do governo federal, que financiava os estoques do café e da sua queima, para segurar as quedas do preço no exterior. À custa de todos nós, diga-se. Na economia brasileira, o açúcar não combinava com o café.   

O produtor cafeeiro pouco se importava com o conjunto da nação brasileira que financiava seus estoques e brutais lucros. O Brasil que se danasse. Isso esteve no centro do governo brasileiro desde então, numa lógica perversa que atrasou mais ainda  o atraso do Nordeste e ascendeu a níveis estratosféricos o domínio do Brasil pela economia em São Paulo, do café à grande industrialização. Quando entramos no século XXI, e surge um presidente brasileiro que ousa quebrar essa lógica geradora de desigualdade, que investe como nunca na região nordestina, eis que se levantam as vozes da civilização entre aspas, ou da brutalidade conservadora. Há que se derrubar os petralhas. Há que se acabar com esse ciclo virtuoso. Se possível, passando por cima da vontade popular, como temos visto, da massificação de denúncias, da mídia ao senado e aos tribunais de julgamento sob encomenda. Findamos com o alerta do profeta Celso Furtado no último capítulo do seu livro obrigatório, publicado em 1959:            

“À medida que se toma consciência da natureza desse problema no Brasil, (desigualdade interna entre regiões) as tensões de caráter regional poderão voltar a apresentar-se.”. E continuam a se apresentar desde a eleição de Lula, até este 2014.    

Eu disse no começo que a Wikipédia vem a ser a enciclopédia dos ignorantes. Corrijo agora: a wikipédia é a fonte de consulta dos preguiçosos. Portanto, amigos, leiam além da Wikipédia. Procurem o clássico Formação Econômica do Brasil. Ali existe uma ferramenta de combate à direita que deseja um golpe no Brasil, apoiada nos mais atrasados preconceitos. Celso Furtado, mais uma vez,  presente.

Áudio do texto na Rádio Vermelho http://www.vermelho.org.br/noticia/253925-333

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

2 Comentários

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  1. Presente!

    Quando cheguei no Instituto da América Latina em Paris foi sem surpresa e com enorme felicidade que encontrei entre a extensa biografia européia, americana e latino-americana a obrigação de estudar obras de Celso Furtado, o qual foi discutido em aula. 

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