Debates: para além do espetáculo de mau gosto, por Claudio Gurgel

O candidato que lidera a campanha geralmente se nega a comparecer a debates. Há uma lógica razoável: será alvo de todos os demais participantes.

Divulgação Band

Debates: para além do espetáculo de mau gosto

por Claudio Gurgel

O Partido dos Trabalhadores surgiu na política brasileira naquilo que considero a “década gloriosa do Brasil”, os anos 1980. Longe, muito longe de ser a década perdida, como se repetiu em muitos espaços.

Os anos 1980, além do Partido dos Trabalhadores – uma insurgência contra os planos da ditadura para a reorganização partidária – trouxeram a Central Única dos Trabalhadores, CUT, fruto da rebeldia de base contra o sindicalismo pelego, a anistia dos presos políticos e dos asilados, a Constituição, com suas preocupações sociais e outros avanços, a inesquecível campanha das “Diretas já” e as primeiras eleições presidenciais diretas, depois de 21 anos de imposições militares.

Nessa década colossal, o PT se apresentou como um partido diferenciado na sua composição, trazendo á vida política muitos jovens antes desencantados com o conservadorismo dos poderes e muitos trabalhadores, cujo controle dos códigos de conhecimento dominantes era muito baixo. Por isso, quando Lula foi candidato em 1989, perguntava-se se o PT teria capacidade para exercer o governo, com suas exigências de gestão cada vez mais intrincadas e metodologicamente sofisticadas.

Não tivemos resposta, porque Lula não se elegeu e assim o PT foi poupado dessa prova de competência.

Mas, ao longo dos anos, seus jovens se tornaram mais experientes e seus militantes de origem popular foram dominando os códigos do conhecimento, com a ajuda de setores da inteligência e da cultura nacionais, bem ao estilo dos exemplos históricos da relação construtiva entre os “intelectuais orgânicos” e os partidos do trabalho.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Sua capacidade de formulação e intervenção na realidade – razão funcional, principalmente –  cresceu, às vezes com desvios de adaptação ás chamadas “regras do jogo”, e isso se observou na trajetória para chegar ao governo central, em 2002, e no próprio exercício do governo. Seus resultados foram bem aquém do que esperávamos e talvez, de fato, do que pudesse oferecer, mas certamente esteve bem acima dos que o antecederam.

Porém hoje, observando-se o desempenho na campanha em que seu extraordinário candidato aparece liderando a pesquisa para presidente, o PT demonstra inesperada e enorme incapacidade de formulação e posicionamento estratégicos que pode trazer consequências no mínimo complicadoras da situação eleitoral.

Para agravar o quadro, também falta ao partido a garra do seu candidato.

Ambas as dimensões políticas – razão e coração – precisam ser resgatadas urgentemente,  pelo menos nesses dias finais de campanha.

No particular da razão, queremos aqui, destacar os debates como um problema. Pensando especialmente no debate de encerramento, na Globo.

Um breve olhar sobre os debates

O candidato que lidera a campanha geralmente se nega a comparecer a debates. Há uma lógica razoável: será alvo de todos os demais participantes. Lula aceitou comparecer e o fez provavelmente temendo o aproveitamento que se faria de sua ausência. Mas seguramente os debates não lhe foram favoráveis. A todos os debates, seguiram-se melhores números para Bolsonaro,  nas pesquisas divulgadas.

Em grande parte, isso se deve ao uso de imagens e falas nos programas do TSE, no rádio e nas TVs abertas, além das redes sociais. Mas, em parte, também pelo que ocorreu no próprio debate.

O debate realizado pela TV Globo foi claramente destinado a se constituir em espetáculo grotesco, seja pela natureza da midia, seja pela intenção de atrair o público para sua audiência, com os recursos histriônicos já conhecidos. Não foi à toa que, após o debate, constatava-se que a maior parte dos assistentes eram bolsonaristas. 

Um bando constituído por Bolsonaro, Ciro Gomes, Felipe D’Ávila e um padre fake se articularam de modo acintoso para atacar um candidato. Sentados um ao lado do outro trocaram acertos e papéis, no duplo sentido desta palavra. Essa operação já havia sido ensaiada no debate anterior da SBT, em que Lula, acertadamente, não compareceu. É razoável indagar como isso pode se repetir, sem despertar o comando da campanha para a questão de fundo dos debates: seu fomato.

Recentemente, o debate da Bandeirantes promoveu algo igualmente rebaixado, expondo os dois candidatos a um desafio que constantemente beirava o cômico, lembrando as duplas de programa de humor que frequentavam o rádio e depois a TV, estilo Jararaca e Ratinho, que os mais antigos certamente lembrarão. Para os jovens e curiosos, procurem no google, como diz o outro. Esse formato não é obviamente o adequado a um candidato cuja força reside nas obras e políticas importantes e profundas que fez e precisam ser relembradas para dizer do seu potencial de repeti-las. Esse formato dos debates serve exclusivamente a quem veio para confundir e não para informar.

Conclusão ou Por um mínimo de seriedade

Ainda que se possa dizer que a crítica pós facto é fácil, não se pode negar que as críticas precisam ser feitas. É um valor da razão a capacidade de fazê-las e de torná-las úteis.  Infelizmente, mas necessariamente, após os fatos. O que não se conseguiu fazer no primeiro turno, nem no segundo, até o momento, faça-se agora. Negocie-se bem o próximo debate. Lula não pode ir para debates que na verdade são bate-bocas estruturados, espetáculos grosseiros, subtração da verdade e desinformação.

Em outras palavras, o formato dos debates não pode ser o que tem sido. É preciso que os blocos sigam outra trajetória, priorizando o programa dos candidatos, as perguntas dos repórteres sobre esses programas e finalmente as réplicas, caso esses profissionais não tenham sido contemplados em suas arguições. Se não exatamente como aqui proposto, algo que privilegie a informação e o conhecimento. Estaremos assim, pelo menos nos últimos dias da campanha, talvez no último debate, danto espaço a que se façam conhecidas as soluções que trazem os candidatos para os problemas centrais que o Brasil enfrenta – do desemprego, desigualdade e inflação à degradação ambiental.

A campanha do Lula, a mais interessada em dar ao candidato o direito de falar do que vai fazer – aliás, assunto frequentemente cobrado pelos analistas da Globo – deve se empenhar em garantir isso para o próximo debate. Sem o que, melhor será não haver debate.

Claudio Gurgel é economista, mestre em ciência política, mestre em administração pública e doutor em educação. É Professor Titular da Universidade Federal Fluminense, UFF.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Leia também:

Bolsonaro derrapa no debate da Band e chama cariocas de “traficantes”

No debate da Band, não há vencedores; mas o cinismo bolsonarista marca espaço, por Eliara Santana

Faltou estratégia de Lula no debate com Bolsonaro, por Luis Nassif

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador