Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Terceira Via, “botão eject” e mais-valia semiótica no debate da Band, por Wilson Ferreira

Como em 2018, grande mídia ainda procura a alternativa “perfumada e limpinha”. E, de novo, Bolsonaro é o “botão eject”.

Terceira Via, “botão eject” e mais-valia semiótica no debate da Band

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Para a grande mídia a senadora Simone Tebet foi a vencedora. Lula teve um “apagão”. E Bolsonaro fez um “ataque misógino”, ironicamente contra um notório desafeto de Lula, a jornalista Vera Magalhães. Somada à mais-valia semiótica de um estúdio que parecia alguma coisa entre o filme Tron e o Metaverso de Mark Zuckerberg, a fórmula de debate engessada, fragmentada e um intervalo publicitário ideologicamente maroto, o script era esse: Lula e Bolsonaro, os dois lados da mesma velha moeda, contra uma “Terceira Via” tão “moderna” quanto o cenário: digital e empreendedora. Lula não caiu na armadilha e ficou na retranca. Enquanto Bolsonaro conseguiu o que pretendia: criar um escândalo no campo simbólico em que fica mais confortável e engaja a base eleitoral: a guerra cultural e de costumes. Como em 2018, grande mídia ainda procura a alternativa “perfumada e limpinha”. E, de novo, Bolsonaro é o “botão eject”. 

Primeira coisa que chamou a atenção no debate da Band (organizado pelo grupo Bandeirantes, Folha de São Paulo, Uol e TV Cultura) desse domingo foi o inacreditável cenário para um debate entre candidatos em uma eleição. O que era aquilo? Políticos perdidos no interior do hardware do filme Tron? Será que seria realizada alguma palestra do TED? Um debate entre aceleradores de startups tecnológicas? Uma homenagem a Zuckerberg e o Metaverso? Ou seria um show da banda “Kraftwerk”?

Isso não é uma mera observação estética. Há uma mais-valia semiótica nesse enorme cenário que mais parecia um nowhere digital com os candidatos perdidos dentro dele. Parece que o processo de semiose (processo de significação capaz de gerar uma cadeia de signos partindo de uma premissa a partir da qual criam relações recíprocas entre significados) ou da cadeia de associações de ideias sugerida era essa: quarta revolução industrial, revolução digital, empreendedorismo, enfim, um wishifull thinking de um suposto Brasil do futuro.

Não por acaso no intervalo publicitário, um vídeo do Sebrae especialmente produzido exortava eleitores a apoiarem candidatos favoráveis ao empreendedorismo. Confortavelmente ao lado de uma também inacreditável peça publicitária da Havan, mostrando Luciano Hang motivando seus funcionários a defenderem a Pátria – para os entendedores, o próprio candidato Bolsonaro.

E pior. Em algumas afiliadas regionais da Band, a inserção de publicidade de Clubes de Atiradores – clique aqui.

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Também não por acaso, a “Terceira Via” estava ali representada: Soraya Thronicke (a senadora candidata do União Brasil que disse que vira onça, como a Juma Marruá da novela “Pantanal”, para defender o Imposto único), a senadora Simone Tebet (ainda surfando na CPI da Covid) e o anarcocapitalista candidato do Partido Novo, Felipe “Quero Privatizar Tudo” D’Ávila. Todos falando bastante sobre empreendedorismo, privatização e “economia digital”. Para se contrapor ao “mofo” dos “economistas do PT”, como frisou a candidata-onça.

Pelo menos para esse humilde blogueiro ficou óbvio que a fórmula engessada do debate foi especialmente preparada trazer a Terceira Via para a ribalta – uma ribalta “moderna”, “high tech”, para se contrapor à “velha política polarizada” de Bolsonaro e Lula. 

A fórmula: a ginástica das constantes trocas de âncoras e entrevistadores, uma estranha “sala digital” do Google que checava os assuntos mais acessados pelos internautas/telespectadores – o tema “corrupção” teria sido o mais acessado. As pesquisas qualitativas durante e logo depois do debate disseram o contrário: os principais temas que chamaram a atenção foram emprego, economia e saúde. 

A “sala digital” nada mais foi do que um loop tautista (tautologia + autismo midiático): retroalimentava aquilo que própria fórmula do debate induzia.

Por isso, para a grande mídia, a grande vitoriosa teria sido a senadora Simone Tebet. É a única maneira da Terceira Via que pontua quase zero nas pesquisas ser turbinada: em uma fórmula de debate fragmentado, na qual os bordões (“a salvação do país é acabar com o Estado”, Felipe D’Ávila), fórmulas mágicas (o “Imposto Único”, Soraya Thronicke) surgem dentro de uma dinâmica maluca na qual quem não tem propostas promete tudo e quem tem proposta é obrigado a se conter pelo tempo exíguo – acrescenta-se ainda o tempo tomado por vinhetas, “sala digital”, autopromoções da Band, intervalo publicitário com vídeos que pareciam pontuar aquilo que alguns candidatos diziam no debate etc.

Jogar na retranca

Lula e seus assessores pareciam conscientes dessas limitações. O que muitos analistas consideraram como “derrota” e “mau desempenho” (comparando com a entrevista no JN) de Lula, na verdade foi uma tática de retranca, para não cair na armadilha óbvia: tornar Lula e Bolsonaro como os dois lados de uma mesma velha moeda, contrastando com o “novo” e o “moderno” (lembram do cenário estilo Tron?) representado pela “Terceira Via” com suas soluções mágicas privato-empreendedoras-fiscais.

Bolsonaro bem que tentou: provocou Lula com acusações de corrupção. Claro, esperando de Lula um contra-ataque do tipo “mas no seu governo tem mais”. Lula apenas recuou e listou todas as medidas adotadas em seu governo para facilitar investigações e transparência.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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