Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita, diz Claudio Couto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do IBRE 

Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita, diz Claudio Couto

Leia a entrevista de Claudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da FGV Eaesp à Conjuntura

Conjuntura Econômica – Desde a redemocratização, ser politicamente de direita alimentou uma conotação negativa. Mas hoje vemos que Jair Bolsonaro tem se sustentado nas pesquisas de opinião, e uma ala do PSDB mudando sua posição no espectro político, buscando consolidar candidaturas de centro. Podemos considerar que esses são indicativos de que a “direita envergonhada” está virando coisa do passado? 

Creio que a percepção negativa do pertencimento à direita, após o regime autoritário, deve-se principalmente ao fato de que esse regime era de direita. Por isso, colocar-se como de direita poderia implicar, em boa medida, uma associação ao autoritarismo do regime militar. Além disso, as demais ditaduras latino-americanas, com exceção de Cuba, eram todas de direita, o que reforçava tal percepção. Por fim, associar-se à esquerda significava apresentar-se como defensor de ideias inerentes a este campo do espectro ideológico que em boa medida se universalizaram, como é o caso da igualdade e da justiça social. Portanto, dizer-se de direita significaria assumir-se como defensor da desigualdade e despreocupado com a justiça social. Por todas essas razões, os direitistas no Brasil preferiam dizer-se “de centro”; não é à toa que o bloco de direita na Assembleia Nacional Constituinte se autodenominou “centrão”, termo que depois foi associado a outros grupos parlamentares semelhantes noutras casas legislativas. Isto ainda subsiste hoje, tanto que candidatos de direita ainda se definem e são chamados por muitos como “de centro”.
A direita brasileira saiu do armário por uma série de razões. Primeiramente, como reação a governos de esquerda no plano nacional; neste sentido, trata-se de uma direita literalmente reacionária. Em segundo lugar, reagindo ao avanço (no Brasil e no mundo) de valores e modos de vida contrários às formas tradicionais, sobretudo no que concerne a questões identitárias como gênero e raça; a este avanço do igualitarismo (e, portanto, esquerdismo) identitário, seguiu-se uma reação que defende valores e práticas tradicionais, ensejando uma direita identitária. Movimentos como o “Escola sem Partido”, a crítica à chamada “ideologia de gênero”, o ataque às cotas raciais e à própria ideia de ações afirmativas de um modo geral pertencem a este campo.
 
Desde que se constituiu a polarização PSDB-PT na política nacional, no início dos 1990, a disputa entre o que era originalmente um partido de centro-esquerda e outro de esquerda tornou-se a polarização entre um partido de esquerda (o PT) e o único que a ele se opunha de forma efetiva (o PSDB). Com isto, os tucanos atraíram os votos e a adesão de uma base social direitista que havia ficado politicamente órfã, com a decadência da velha direita brasileira, muito vinculada à ditadura e à corrupção. As políticas dos governos petistas aguçaram essa polarização e suscitaram uma reação que foi bastante alimentada por certos publicistas da grande imprensa e da blogosfera, os quais focavam seus ataques ao PT e, por tabela, à esquerda de um modo geral. Esses ataques se caracterizam por uma estigmatização deslegitimadora, associando a esquerda automaticamente à corrupção (“petralha”), a algum tipo de doença mental (“esquerdopata”), à hipocrisia (“esquerda caviar”) e assim por diante. Isso nutriu um ódio político que, num primeiro momento, foi instrumentalizado pelo PSDB e seus aliados, mas que depois se tornou demasiado para eles, cevando o surgimento de uma direita extremista como aquela representada por Bolsonaro e seu irracionalismo de corte neofascista. Mas há outros, uns mais próximos desse extremismo (como Olavo de Carvalho), outros menos, mas ainda assim marcados pela intolerância política (algo incompatível com o professado liberalismo), como é o caso do MBL.
 
É possível traçar algum paralelo do que acontece hoje no Brasil com o cenário político internacional – principalmente em países com o mesmo grau de desenvolvimento?
 
Depois de uma onda progressista ou de esquerda no mundo, assistimos agora a uma onda direitista – claro, com nuances tanto durante o primeiro movimento, como agora, durante o segundo. Na América Latina tivemos a emergência de uma esquerda de tipo socialdemocrata no Brasil, Chile e Uruguai; de uma esquerda populista na Argentina, Bolívia, Equador e – principalmente – Venezuela. Nos Estados Unidos, surgiu Barack Obama; partidos socialdemocratas também tiveram sucesso em alguns países europeus, embora de forma menos vistosa do que na América Latina. Hoje, presenciamos a ascensão de Trump e de governos direitistas – alguns deles de tipo populista – na Europa. Na América Latina, os governos de esquerda foram derrotados no Chile e na Argentina, substituídos por administrações de direita, ainda que de uma direita moderada, sobretudo se comparada a figuras como Bolsonaro, Trump ou o uribismo, que acaba de vencer as eleições na Colômbia, removendo um governo de centro-direita. 
 
Considerando que essa maior tolerância à direita seja algo conjuntural, qual resíduo poderá deixar para o futuro do jogo político brasileiro?
 
Não creio que se trate de algo apenas conjuntural. Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita. Ademais, os erros cometidos pela esquerda brasileira, sobretudo na incapacidade de se renovar e fazer uma autocrítica dos problemas relacionados à corrupção, alimentaram e deram pretextos para o discurso direitista. O problema da violência é também favorável à direita, que tradicionalmente tem o discurso do endurecimento das políticas de segurança. Ou seja, parece-me que temos uma direita que veio para ficar, embora isso não necessariamente implique a adesão a posições autoritárias e mesmo neofascistas, como aquelas representadas por Bolsonaro e os defensores da intervenção militar. Há uma direita que se marca por posições de fato liberais na economia e na política (minoritária); outra que se caracteriza pelo liberalismo econômico associado a conservadorismo social (que me parece majoritária); uma liberal na economia, mas autoritária na política, numa espécie de “pinochetismo” (como parecem ser alguns dos simpatizantes da candidatura de Bolsonaro atuantes no mercado financeiro); e há, por fim, uma direita autoritária que posa de liberal apenas por conveniência circunstancial, como é o caso de Bolsonaro e certos grupos de pensamento similar ao dele..
 
Uma reorganização de DEM e PP e sua relação com a bancada evangélica – cujos planos são ampliar a representação no Congresso – tem a ver com essa tendência? Em caso positivo, o que esperar de uma direita com essas características?
 
Certamente DEM e PP têm uma raiz na velha Arena, embora o DEM seja muito mais consistente politicamente do que o PP, tanto que foi oposição aos governos petistas durante todo o tempo. O PP, ao mesmo tempo em que abrigou velhos representantes da ditadura e direitistas ideológicos duros (como Bolsonaro), virou um partido de adesão que apoiou tanto governos tucanos como petistas e se refestelou na corrupção da Petrobras. A bancada evangélica é transversal aos partidos, predomina nos partidos à direita, mas tem forte presença nos partidos de adesão, que foram base dos governos tucanos e petistas em troca de benesses estatais, independentemente da ideologia. Por isso, mobiliza-se como uma bancada de fato apenas em situações específicas, relacionada a problemas religiosos ou morais. Claro que esse retorno da religião à política, na forma de um antissecularismo, é no Brasil um fenômeno direitista, embora possa haver secularismo de direita (como ocorre na França) e religiosidade de esquerda (como na Teologia da Libertação, tão forte na América Latina dos anos 1970 e 80 e presente na criação do PT). A meu ver, a direita que emerge hoje no Brasil é multifacetada, tendo diversas facções internas que, após sua ascensão, começam também a se conflagrar. Por isso, embora acredite que a presença de uma direita assumida seja algo que veio para ficar entre nós, não considero que tal direita possa ser percebida como um todo monolítico. Pelo contrário, está bem longe disso.  

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. O maior erro do Brasil foi a

    O maior erro do Brasil foi a constituição de 88, aquela farsa nojenta, e a anistia aos criminosos da ditadura.

    Não dá de jogar esse tipo de sujeira para debaixo do tapete. O Brasil terá que passar a limpo sua história. Só assim iremos evoluir como povo.

  2. Outra coisa que me ocorreu:

    Outra coisa que me ocorreu: não é porque eu não vivi um período que posso achar que aquele período foi melhor.

    Eu não vivi a realidade dos campos de concentração nazista, mas sei que eram desumanos e merecem o meu desprezo.

    Essa geração que acha que na ditadura era tudo melhor é só um bando de idiotas sem justificativa.

  3. Por que que a geração que não

    Por que que a geração que não viveu durante a ditatuda pensa que não foi tão ruim assim? Primeiro porque não foi feito oficalmente um processo de acusação contra o golpe de 64 e o periodo militar. Inventaram a lei da Anistia e ficou por isso mesmo. Nenhum presidente militar, nenhum torturador, assassino foi responsabilizado. Segundo porque hoje os jovens ouvem de muitos adultos que naquela época era bem melhor, que não havia “essa violência de hoje” e blabla. Logo, muitos jovens ouvem Bolsonaro falar que vai mandar matar os bandidos e colocar ordem no Brasil, à sua maneira, e pensam que ele tem razão. Eh questão sim de instrução e educação, que se começa em casa. 

  4. Análise tributária
    É simples assim: em 1985 a sociedade pagava 23% do PIB em impostos. Hoje paga 33%. Só maluco acha que pagar mais por serviços piores é melhor.

    1. Porque você não volta para 1985?

      Em 1985 eu passava fome enquanto muitos pobres, que eram e continuam a ser os únicos a pagar impostos, morriam nas filas dos hospitais públicos. Hoje quase todo pobre faz cirurgia estética e tem carro. Pergunte a eles, se eles querem voltar para o passado.

      Em vez de pentear macacos, você tenta, em vão, justificar as mazelas do passado com as mazelas do presente. O passado é uma roupa que não nos serve mais, exceto prá quem ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.

  5. Mais uma forma hipócrita de recontar a história

    A ditadura não foi meramente militar, e a história de que todos estavam contra ela é similar à forma como os franceses gostam de contar suas relações com o nazismo. As vêzes parece que na França só havia maquis, e partisans. Quando contam , ( com algumas exceçoes é claro) os colaboracionistas eram apenas um número ínfimo. E sabemos que isto não é verdade. No Brasil também tivemos e temos  uma quantidade significativa de defensores do autoritarismo da Ditadura. As marchas pela familia tradição e propriedade foram muitas e muita gente lá estava. E como na França, ao final da guerra todos viraram democratas.

    Estas pessoas e grupos não desapareceram e muitas foram alimentadas no interior de muitas casas, da classe A, da classe média e até mesmo das classes mais pobres. Alguns por ideologia, muitos da classe média para se sentirem menos classe média, ou se sentirem ricos. Outros sofrendo sózinhos numa máquina de fazer suco, que é a nossa sociedade, partem para um saída individual, ou que pensam ser apenas individual. Lutam desesperadamente e se tem algum tipo de sucesso mesmo que pequeno, não vêm isto como fruto de algo social, mas sim do esforço próprio. Muitos só encontram aconchego, e escapam da anonimidade e da solidão das grandes cidades nos templos de qualquer religião. Aí ficam entre Deus e o dinheiro, presas fáceis do discurso religioso, do discurso fascista, do discurso liberal, do discurso centrado no indivíduo e não na sociedade. Nesta massa talvez contemos nos dedos os que aderem de fato ao fascismo, mas não  temos mãos suficientes, para os que se fascinam por discursos fascistas, e ou de direita, e ou liberais.

    Mas para isto tiveram que destruir todas as políticas sociais, tiveram que assassinar reputações e criar uma visão deplorável da política e principalmente , estimulando os mais baixos instintos assassinar a imagem de todo e qualquer político, que defendesse qualquer política social. O termo populismo é o retrato disto. A maneira como afrimam a necessidade de um remédio amargo, contra políticas sociais, faz parte desta política. Aliás um discurso defendido várias vêzes pelo articulista em suas aparições naquele programa, em que Waack , perguntava: O populismo acabou? Enquanto isto defendem um liberalismo, que consiste basicamente em arriscar apenas se for seguro. Como dizem, os empresários não investem por falta de  confiança. Balela, querem mesmo é criar leis que os protejam contra todo e qualquer fracasso e que garantam um lucro eterno e manter as garras sobre o estado. Aos da classe média, apenas advirto que,  o discurso de menos impostos é apenas para emprêsas e negócios, pois esta turba jamais vai abrir mão dos impostos da plebe ignara. Afinal   controlando o estado através de seus políticos eles controlam toda esta massa de dinheiro, para mais uma vez concentrar a renda.

    Este discurso de filhos da ditadura, ou geração pós-ditadura, me parece, na boca do articulista, uma forma de se eximir da culpa.  Isto não corresponde aos fatos, não foi a falta de vivência  com a ditadura que gerou esta direita. O milagre econômico e seu discurso liberal e tecnicista, gerou esta direita.O choque de liberalismo de Collor e de FHC,  gerou esta direita. A submissão ao FMI com os seus  discursos exigindo que fizessemos a lição de casa gerou esta direita. O monolitismo dos  cursos de economia com sua fixação no  mercado gerou esta direita. Tudo isto  unido a uma herança  escravocrata . Tudo isto se une ao golpismo que excitando os instintos mais baixos e destruindo as instituições democráticas e gerando o ódio, abriu a caixa de pandora deixando de lá sairem todos os monstros.

    Obviamente vão perguntar sobre a culpa dos governos do PT. As pesquisas e eleições  de certa forma respondem a isto. A direita liberal não ganha uma eleição há quase duas décadas. E  mesmo depois de tentar varrer o PT, não estão conseguindo  a não ser buscando ajuda no fascismo de Bolsonaro, e nos juízes da Casa Grande.  Ter 10% de fascistas  extremados reflete nossa sociedade, mas o apoio bem maior  ao PT mesmo após todo este bombardeio reflete o apoio às políticas dos anos em que o PT esteve no poder.   Quanto aos chamados liberais eles não começaram a se manifestar agora, eles ai estão desde as mais priscas eras e sempre tiveram horas e horas de televisão.

    Com relação à  exposição desavergonhada de posições fascistas é um fato novo, fruto  de um movimento golpista com grande suporte numa mídia que participou ativamente . Mas apenas a manifestação explícita é um fato novo. Fascistas sempre os tivemos, apenas estavam dentro da caixa  de pandora, aberta e estimulada pelo golpismo. E de forma consciente ou inconsciente o articulista  fez parte disto tudo.

     

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