O ressurgimento de movimentos políticos conservadores no Rio

Rio vê renascimento de movimentos políticos conservadores 

Integralistas tentam se restabelecer no estado Arena já conta com representantes em 18 cidades

O GLOBO´

RIO – Na resposta enviada por e-mail, o título da mensagem, Por Cristo e pela nação, termina com uma outra frase de efeito: Pelo bem do Brasil. Era para ser uma simples confirmação de entrevista, mas o conteúdo acabou revelando um pouco das ideias nacionalistas que povoam a cabeça de um grupo de cariocas. Elas vêm de longe, mais precisamente dos anos 30, em pleno fascismo europeu. A autodenominada Frente Integralista Brasileira (FIB), que, para muitos historiadores, flertava com o ultranacionalismo italiano, tem procurado se restabelecer no Rio. Mas esse é apenas parte de um movimento de linha conservadora que tem se disseminado na cidade, especialmente através das redes sociais, pelas quais arregimentam jovens, sobretudo na faixa dos 20 anos.

Embora neguem a associação com o fascismo, é possível encontrar na atual FIB aqueles que se cumprimentam com o braço direito estendido, como faziam os nacionalistas europeus. No Facebook, o movimento já conta com mais de dois mil seguidores no país. Além de distribuir mensagens de Plínio Salgado, fundador do integralismo, os administradores da página recomendam artigos e apresentam fotos dos seus encontros. Estudante de comunicação da PUC-Rio, Caio Souto, de 20 anos, é o atual vice-presidente municipal da FIB. Ele, que descobriu o movimento pela internet, foi designado pelo presidente estadual do movimento, Guilherme Jorge Figueira, para falar com O GLOBO. Tímido, Souto conta que o FIB tem servidores públicos, estudantes e taxistas que seguem os preceitos do movimento: Deus, pátria e família. O estudante argumenta que há diferenças entre a FIB e o fascismo:

De fato, alguns integrantes recorrem a marcas e símbolos do integralismo do anos 30, o que, muitas vezes, remete ao fascismo europeu. O cumprimento com o braço direito estendido é um exemplo disso. Sou contra. Acho que eles deveriam ser mais bem doutrinados. Não somos fascistas. Somos nacionalistas, conservadores e contra a violência como meio político. Somos a favor da democracia. Mas, para nós, os sindicatos é que devem representar a sociedade, não os partidos.

Por mensagens eletrônicas, o militar da reserva Reny Ribeiro da Silva, de 81 anos e morador de Ipanema, é outro que tenta mobilizar seguidores para as suas ideias nacionalistas. Na internet, ele divulga o que chama de cidadania patriótica, que consistiria num plano econômico, desenvolvido por Silva, para garantir o triunfo da cidadania, troféu do povo. Para apresentar as ideias, o militar criou até o Hino da cidadania patriótica, que mais lembra uma marcha militar. Entre uma batida e outra dos tambores, Silva explica a importância da cidadania, segundo os seus preceitos.

O ressurgimento de movimentos de linha conservadora no estado vem acompanhado também de iniciativas com pretensões eleitorais. Ao menos dez mil pessoas já assinaram no Rio a ficha de adesão ao Partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda que deu apoio à ditadura militar no Brasil e que é conhecida também por suas ideias nacionalistas. A unidade da Arena no estado recorre à internet como meio de disseminar suas propostas. Em todo o Brasil, já são 240 mil assinaturas, metade do necessário para que a legenda possa concorrer em futuras eleições.

Formado em análise de sistema, Cláudio Motta tem apenas 26 anos e hoje é o presidente estadual da Arena-RJ. Ele tem percorrido cidades do interior em busca de apoio à legenda. Atualmente, já existem representantes em 18 cidades da Baixada Fluminense, Região dos Lagos e Região Serrana. Motta conta que, até dezembro, o partido chegará a 45 municípios. Esse jovem analista de sistema diz que decidiu fazer parte da Arena por não encontrar nos atuais partidos bandeiras conservadoras. A Arena é contra, por exemplo, o casamento homoafetivo, o aborto, a liberação das drogas e as cotas.

Embora o ideal conservador mobilize esses cariocas, para o ex-piloto de aeronaves Leandro Steel, de 58 anos, o nome Arena foi o que mais o incentivou a entrar para a legenda. Morador de Niterói, hoje ele integra o diretório nacional do partido. Estudante de história, Steel é articulado, fala depressa e costuma citar autores para pontuar os seus argumentos.

A Arena representa uma marca importante, conservadora, e com a qual me identifico. Isso não quer dizer que sejamos a mesma Arena dos anos 60. Não temos nenhum integrante que tenha feito parte daquele movimento. Somos a favor da democracia. Quem defendeu os militares está hoje no DEM, antigo PFL.

Apesar do trabalho público para conquistar novos adeptos, alguns integrantes da Arena evitam se expor. Um médico, que mora na Barra, chegou a conceder entrevista ao GLOBO, mas desistiu horas depois. Alegou que ainda é cedo para se expor e disse temer reações às suas ideias .

Movimentos contra novos costumes

O renascimento de movimentos e partidos de linha conservadora não surpreende cientistas políticos. Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Marcus Figueiredo explica que esse é um fenômeno que já ocorre na Europa e que representa uma reação às mudanças relativas aos direitos civis, como o casamento homoafetivo. Para Figueiredo, partidos e movimentos ultraconservadores tendem a ser contrários aos preceitos da democracia porque não aceitam as atuais mudanças de costumes:

Há duas questões que fomentam o surgimento de partidos e movimentos ultraconservadores. A primeira delas é uma não identificação com o sistema partidário vigente. Segundo, como não se sentem representados e percebem mudanças na sociedade, especialmente com relação aos direitos civis das minorias, eles se juntam e tentam impedir essas mudanças. Inicialmente, pode até parecer um movimento pela via democrática, concorrendo a eleições, mas, quase sempre, quando assumem o poder, eles adotam um comportamento autoritário, antissistema.

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jairo Nicolau acredita que o sentimento conservador vem se ampliando desde as eleições presidenciais de 2010, quando questões sobre aborto e religião entraram na agenda dos candidatos. Nicolau argumenta que esse movimento pode indicar o surgimento de partidos de extrema-direita como forma de se contrapor aos de extrema-esquerda. Ele observa que essa é uma tendência nova, já que desde a redemocratização poucas legendas buscam se apresentar como ultraconservadoras de direita. Para o professor, a internet tem facilitado o contato e a formação desses grupos, especialmente em função das recentes manifestações, mas isso não significa necessariamente força eleitoral:

De fato, a internet permitiu que as pessoas passassem a se identificar com alguns temas que antes ficavam mais restritos a pequenos grupos. Isso permite que elas se juntem e passem a compartilhar essas ideias de uma maneira muito mais intensa. Mas ainda não vejo esses movimentos como algo que tenha uma força eleitoral. Tudo indica que eles ocuparão um espaço da extrema-direita, como existe na extrema-esquerda, mas sem grandes possibilidades de vencer eleições no Brasil.

Luis Nassif

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