Da Folha
MinC anuncia edital para negros e gera debate no meio cultural; leia repercussão
O anúncio do lançamento de editais exclusivos para criadores e produtores negros, feito na quinta (4) pelo Ministério da Cultura, dividiu opiniões entre acadêmicos e artistas brasileiros.
Enquanto parte defende os editais, que devem ser lançados no Dia da Consciência Negra (20/11), outros os consideram preconceituosos.
Leia abaixo a repercussão no meio cultural.
“Isto está de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, e cobre uma parte do estatuto que estava absolutamente deixada de lado. O negro no Brasil, em qualquer faixa, está sempre fora da participação dos meios de produção. Eles não aparecem. Sempre existiu essa produção negra, mas, por conta do chamado racismo institucional, eles nunca aparecem em lugar nenhum. O país tem 54% de população afrodescendente negra (pretos e pardas). Não é inconstitucional porque o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a ação afirmativa é legal. Essa medida do Ministério da Cultura é uma ação afirmativa.
HUMBERTO ADAMI, advogado do Iara (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental)
“Acho abominável esse tipo de demagogia. Penso que a noção de ‘raça’ é o resultado lamentável e inseparável do racismo, aliado a uma ideologia biologista ultrapassada, de modo que o Estado jamais deveria reconhecê-la, muito menos endossá-la.”
ANTONIO CICERO, poeta, filósofo e compositor
“Essa medida faz parte de um processo que vem se intensificando e que visa separar os cidadãos brasileiros em ‘raças’ distintas. No campo da arte como no mercado de trabalho, na saúde e na educação, os cidadãos não serão mais vistos como brasileiros, mas como brancos e negros. Essa política que visa, em princípio, beneficiar os assim chamados ‘negros’ excluídos pelo racismo, usa a perigosa estratégia de entronizar a ‘raça’. Quando o Estado divide os cidadãos em ‘raças’ com o objetivo de distribuir direitos, as consequências podem ser graves. Há inúmeros exemplos históricos que sinalizam isso. Do meu ponto de vista, já expresso em muitos fóruns e em livros e artigos, o caminho para combater o racismo é destruir a ideia de ‘raça’ e não reforçá-la. Bom, mas os dados já foram lançados desde que o STF decidiu pela constitucionalidade das cotas raciais. Teremos agora uma arte produzida por negros e outra por brancos? Ou a arte busca a universalidade?”
YVONNE MAGGIE, professora de antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
“Acho que tem o mesmo valor das cotas, por enquanto é necessário. Existem muitos produtores e criadores negros escrevendo a nossa história, todo apoio é bem-vindo.”
THALMA DE FREITAS, atriz e cantora
“Não vejo qualquer problema jurídico na proposta idealizada pela ministra, mas, ao contrário, creio que tal iniciativa não só é louvável como também, sem dúvida, pode ser considerada, sim, uma ação realmente afirmativa, além de necessária. De forma alguma um edital dessa natureza, e com esse propósito, de supostamente ‘privilegiar’ a mais discriminada e excluída de nossas raças, poderia ser considerado como racista.”
EVARISTO MARTINS DE AZEVEDO, presidente da Comissão de Direito às Artes da OAB-SP
“Pode escrever que não tenho interesse em discutir NADA que a [Marta] Suplicy promova. Sua entrada no MinC é consequência de uma barganha vergonhosa. Estou com o e-mail cheio de mensagens de pessoas preocupadas porque estaria havendo facilitação para a volta de medidas que prejudicam a classe criadora de direitos autorais. Para não fugir do assunto, me parece a criação de um factóide, uma ‘medida’ populista. É tudo que a atual ministra sabe fazer.”
ALDIR BLANC, compositor e escritor
“Você nunca sabe qual a intenção da pessoa. Depende do critério que vai ser usado para selecionar esses projetos. Senão acaba virando como aquele negócio das cotas raciais. Não sou a favor de cotas, pois já tem um preconceito nisso aí.”
WILSON DAS NEVES, músico
“O país me deve muito mais, muita oportunidade. Isso [os editais] é só 1% de tudo o que o país me deve. Se digo isso, é porque acho a medida benéfica.”
KL JAY, DJ do Racionais MC’s
“Que absurdo! Acho que se procura uma espécie de compensação para quem sofre preconceito, mas isso pode gerar preconceito ainda maior. O governo deveria se preocupar com maneiras para incluir as classes mais pobres, gente que nem sabe que existem editais do ministério. É preciso ajudar os desinformados.”
CLEMENTE, guitarrista das bandas de rock Inocentes e Plebe Rude
“Concordo plenamente com a ministra. Há uma grande ‘invisibilização’ da produção do povo negro nos circuitos da ação cultural. Como também há uma baixa frequência de afro-brasileiros em teatros, cinemas, salas de concertos, museus, exposições etc. Já é hora de acabar com isso. O Estado tem obrigação de criar políticas públicas para corrigir essa distorção, que é histórica no Brasil –com políticas de ação afirmativa.”
NEI LOPES, compositor e escritor
“Se o critério de seleção for unicamente racial, teremos uma potencial inconstitucionalidade. Primeiro, porque o art. 3º, IV, da Constituição estabelece, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação’. E o próprio art. 215 da CF, conforme já visto, busca tutelar a pluralidade e diversidade do patrimônio cultural brasileiro. Além disso, se todos são iguais perante a lei, uns não podem ser mais iguais do que outros. Assim, o governo deve ter muito cuidado para que, na ânsia de resolver um problema social, não faça um ato despido do necessário equilíbrio constitucional. E, sem equilíbrio, não resolveremos o problema do racismo, pois, ao invés de pautas divorcistas, precisamos de políticas que unam os brasileiros em torno dos justos ideais nacionais.”
SEBASTIÃO VENTURA DA PAIXÃO JR., advogado e membro do Instituto Millenium
“Acho que em um mundo ideal qualquer pessoa que se interessasse poderia produzir coisas que valorizassem a cultura e a história dos afrodescendentes. A questão é que não vivemos em um mundo ideal, e as narrativas dominantes produzidas por nossa sociedade, seja no âmbito da cultura ou da história, invisibilizam ou descontam a perspectiva dos negros. Ou seja, a cultura brasileira é, descontando o elogio fácil e superficial da morenidade, extremamente branco-cêntrica, particularmente no sentido de que os produtores de narrativas são quase que exclusivamente brancos ou falam de uma perspectiva da qual a questão do racismo e da discriminação é invisível. Dado isso, acho positivo que o governo incentive a produção de cultura e história que falem de outras persepectivas que não o mainstream, inclusive a afrodescendente, que é tão importante.”
JOÃO FERES JÚNIOR, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
“Quando li a notícia, fiquei em choque: estou no Brasil ou na África do Sul de 30 anos atrás? Isso é discriminação”
GLÓRIA MARIA, apresentadora de TV
“Eu sou contra. Agora haverá editais também para anão e para mulher? Não tem sentido. Isso é racismo.”
ZELITO VIANA, cineasta
“Tudo que atrapalha o mérito é uma coisa absurda. Se eu fosse negro, ficaria muito puto. Parece que eu seria incapaz. Já é uma lei racista. É algo inconstitucional. Nada mais racista do que lei racialista. É uma coisa de demência, culpa cristã de classe média branca bunda mole. Isso é só um passo a mais pelo ódio racial que está sendo potencializado desde que o PT entrou no poder.”
LOBÃO, músico
“É uma iniciativa discriminatória que viola a igualdade política entre os cidadãos e viola a Constituição. Mas agora é aceita por um consenso legal do Supremo Tribunal Federal. Não é isso que fomenta diretamente o racismo, mas a inscrição da raça na lei sim.
DEMÉTRIO MAGNOLI, sociólogo
“Eu acho bom porque o negro, do jeito que foi excluído, tem que ter privilégio e inclusão em tudo. Ele foi sacrificado durante 400 anos de escravidão no Brasil. Os negros de hoje são netos e bisnetos desses escravos.”
PAULO LINS, escritor
“Num primeiro momento, me assustei ao ler a notícia porque seria algo inadequado num país que respeita a igualdade. Mas como isso não existe e sou favorável às cotas para compensar uma política nefasta de muitos anos no país, acho que tem que ser esforços além da lei e do normal. Não acredito que fomente o racismo. O preconceito é muito mais de ordem econômica e é contra índios, negros, brancos pobres, imigrantes etc. Para mim, trata-se de algo absolutamente adequado para tornar o país mais justo e adequado.”
DANILO MIRANDA, diretor do Sesc-SP
“[A iniciativa] é uma posição política muito bem-vinda. Do jeito que está [a cultura], o Brasil parece a Dinamarca. Na TV, o negro sempre aparece é na posição de empregado ou de chacota. E o lado branco chiquérrimo e o outro escravo ou ex-escravo.”
EMANOEL ARAUJO, artista plástico
“É para negros serem prestigiados na criação, e não apenas na temática. É para premiar o criador negro, seja como ator, seja como diretor ou como dançarino. Não é [racismo].”
MARTA SUPLICY, ministra da Cultura
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