A igreja é feita de pessoas. E algumas nos decepcionam

Eu cresci católica e fui bastante atuante na infância e na adolescência. Na missa das crianças, aos domingos às 10h da manhã, geralmente tocava a mim a primeira leitura ou a animação da missa, além de eu fazer parte do coro para lá de informal. Ainda me lembro com carinho da algumas canções. Aos 12 anos, cheguei a coordenar a novena no meu bairro quando minha mãe ficou doente e não pôde mais arcar com essa responsabilidade. Hoje fico imaginando o que passava pela cabeça de todas aquelas senhoras de 50 anos ou mais, lideradas por uma menina que sabia todo o roteiro da novena de cor. : )

Eu deixei a religião para trás e abracei o ateísmo aos 18 anos, mas nunca deixei de guardar respeito pelos crentes (no sentido amplo da palavra).

Não sinto falta do medo, da ameaça do inferno, da culpa do pecado, do obscurantismo, da ignorância, da intolerância, do preconceito, da hipocrisia e do húbris. Quando me lembro das pérolas que a catequista da minha cidade soltava, fico arrepiada.

O que me atraía na igreja era o rito, a solenidade, a iluminação suave do templo, os ecos nas paredes da nave, a sensação de paz, as imagens mais variadas de Cristo, na dor ou na alegria, e as mensagens de amor fraternal. Adorava a poesia da eucaristia, a ideia do sacrifício de corpo e sangue, simbolizados na hóstia e no vinho.

É dessas coisas que sinto falta, mas principalmente do rito.

O rito católico há tempos me parece uma repetição mecânica, esvaziado de seus significados, incapaz de cumprir sua função ou transmitir sua mensagem. Foi provavelmente ao perceber essa robotização do sagrado e do divino que eu comecei a questionar a religião, suas práticas e seus dogmas. O resto foi uma decorrência lógica.

Achei interessante o Nassif citar um Bar Mitzvá, porque, depois de vir para São Paulo e aprender um pouco a respeito do rito judaico, fiquei com a impressão de que essa comunidade religiosa se esforça para conservar o significado e a significância do rito. Mais de uma vez, ouvi relatos sobre a transformação de quem enfrenta o rito de passagem. Pelo que ouvi dizer, o Bar Mitzvá e o Bat Mitzvá me parecem eficientes como condutores para a vida adulta. Será que só fiquei com essa impressão porque o rito judaico era uma novidade para mim, alguém que não via mais graça no rito católico? Tenho até dificuldade para identificar um rito de passagem claro no catolicismo. O matrimônio, talvez?

E aí me pergunto: o rito deixou de ter importância porque a igreja católica não é mais capaz de lhe dar sentido ou isso é fruto do distanciamento do católico não praticante em relação ao rito? Talvez as duas coisas estejam unidas num ciclo vicioso. A renovação carismática, ao introduzir elementos neopentecostais, teria conseguido ressignificar o rito católico? Ou pelo menos fazer com que as pessoas assimilassem melhor seus significados?

Em tempo:

Como muitas pessoas com 40 anos ou mais da minha cidade natal, tenho uma saudadezinha do padre Antônio, pároco da Matriz de Sertãozinho/SP, já falecido. Era um homem extremamente tranquilo, de voz mansa, mas poderosa. Suas homilias não eram lá muito arrebatadoras, mas deixavam claro que ele se preparava com dedicação para a missa. Ele era discreto, encarnava aquela santidade que o catolicismo nos faz esperar dos padres, mas frisava que era só um homem. Não regateava seus serviços. Se o chamassem para um velório num feriado, não hesitava em pegar seus apetrechos e cumprir seu dever. Mas o motivo que tenho para mais admirá-lo é que ele às vezes desafiava os preconceitos da paróquia. Meu avô se suicidou em 1962. O padre explicou que o rito católico não permitia que o corpo de um suicida passasse pela porta da igreja para a missa de corpo presente. Sabendo que isso causaria imensa angústia à minha avó, ele não teve dúvidas: foi encomendar o corpo em domicílio.

Temos padres que chegam ao estrelato, que berram, pulam e cantam nas missas, que vendem CDs, DVDs, livros e bugigangas como vendilhões no templo, que investem o dinheiro do ofertório em projetos fúteis, que disseminam o preconceito racial e religioso em publicações com tiragens de 400 mil exemplares, que afastam pessoas do convívio da congregação por pura intolerância, que cometem crimes contra pessoas indefesas, que comem bacalhoada na Sexta-feira Santa e acham que sacrifício é não colocar carne bovina no prato.

A igreja é feita de pessoas. E algumas pessoas nos decepcionam.

Luis Nassif

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