Microcefalia e o direito ao aborto, por Fátima Oliveira

Enviado por andre sousa

Do O Tempo

Microcefalia: a República cala e permite a imolação das grávidas

Como esperado, já que as interdições ao aborto nunca impediram a sua realização, parece que só mulheres pobres estão tendo bebês com microcefalia. Quem pode pagar R$ 5.000 pratica desobediência civil e aborta entre o pecado e o crime. O Brasil possui uma das leis sobre aborto mais restritivas do mundo, com três permissivos legais: gravidez pós-estupro, em caso de risco de vida da gestante (1940) e anencefalia (2004).

Em “Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil”, registrei: “O aborto – expressão radical de resistência – é uma experiência milenar de milhões de mulheres, que expõe dilemas morais e visibiliza que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando ela não quer ou não pode” (O TEMPO, 14.9.2004).
Numa epidemia que não sabemos quanto vai durar, empurrar milhares de mulheres para o aborto clandestino e inseguro é inominável! É o que a República está fazendo: reforçando o caráter de classe na criminalização do aborto, pois só penaliza as pobres, em geral negras, que sem dinheiro recorrem aos piores lugares, colocando em risco a saúde e até a vida.

Está em vigor uma tabela nacional para aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada: R$ 2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil.

Eis o cenário no qual se movem as mulheres que, após diagnóstico de feto com microcefalia, decidem interromper a gravidez. Há novos problemas clamando solução, e temos de aturar um ministro da Saúde sem repertório científico e humanitário a divagar sobre uma hipotética vacina: “Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em ‘período fértil’. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem zika para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. (Ai, meus sais!).

Lugar de ministro da Saúde torcedor é em casa, presidente Dilma, sobretudo quando não sabe o que é idade fértil ou reprodutiva, coisa bastante diferente de “período fértil”, que dura em média seis dias e corresponde ao período da ovulação! Melhor ser gado pé-duro no Piauí, que é patrimônio histórico e cultural desde 2009!

Em 1940, a República Federativa do Brasil não se olvidou e incluiu a permissão de aborto em caso de gravidez resultante de estupro, inspirada em uma tendência ética internacional do pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o estupro adquiriu dimensão pública de arma de guerra: os invasores e/ou vencedores selavam a vitória estuprando as mulheres dos vencidos. Por que, no cenário da epidemia de microcefalia, não toma para si a responsabilidade de inclusão de mais um permissivo legal? São cenários similares!

“O Brasil deve assumir integralmente as crianças com microcefalia e suas mães” (“O que faremos com nossas crianças com microcefalia?”, O TEMPO, 1º.12.2015). “Quedo-me à impotência diante dos números. Os casos suspeitos só aumentam. Nem sequer temos a dimensão, nem como estimá-la, do que nos espera” (“Desafios ambientais, médicos e psicossociais e microcefalia”, O TEMPO, 15.12.2015). É dever do Estado: cuidar com dignidade das crianças com microcefalia; apoiar gestantes e mães resilientes diante da microcefalia e aquelas que não desejam levar a gravidez adiante.

Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho quando ela não quer.

Redação

14 Comentários

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  1. Microcefalia não é a mesma

    Microcefalia não é a mesma coisa que anecefalia, caso esse muito debatido se seria valido a pratica do aborto…infelismente acho que estão se aproveitando de um fato para a defesa do aborto. Sou contra o aborto fora dos casos já permitido e acho que até se mudar a lei tem que haver muito debate.

    1. Eugenia meritocrata

      Embora não dê para ignorar uma certa eugenia em se liberar o aborto para casos de microcefalia, na prática a eugenia já está acontecendo e da pior forma possível: com estratificação de classe. Como se não bastasse a criança nascer com volume cerebral reduzido, do jeito que está a coisa é praticamente garantido que ela vai nascer em uma família que já é pobre, e por ter microcefalia a probabilidade de sair da pobreza, que já é baixa para pessoas com cérebro normal, vai cair mais ainda. Vislumbro muitos “meritocratas” felizes com esse quadro.

      Você é contra o aborto? É um direito seu, que você pode exercer não abortando. Mas você provavelmente é um homem cisgênero, então não abortaria de qualquer forma porque engravidar é pré-condição para abortar. Se ainda assim acha que não está exercendo satisfatoriamente o seu direito de ser contra o aborto, então não se relacione com quem abortou ou abortaria. Mas querer que ninguém possa abortar porque você é contra? É muita presunção.

      1. meu caro, minha posição foi

        meu caro, minha posição foi clara, sou contra o aborto, fora das regras já existente ponto. Tambem deixei claro, senão me perdoe, que não estou estendendo a todos essa minha posição por isso disse que para se aprovar ou não teria que ter um debate serio o que a meu ver não existe atualmente com os dois lados usando de argumentos falso, na minha opinião. Não concordo simplesmente com a ideia que a mulher tem direito ao seu proprio corpo, e não acredito no aborto como metodo contra ceptivel, é um direito meu pensar assim ,não é é obrigar a todos pensarem assim…

        Acho o tema controverso demais para qualquer lado se dar o direito de impor sua opinião….

  2. “Defendo o direito ao aborto

    “Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho quando ela não quer”. Excelente.

    Eu acrescentaria: “Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher” – em qualquer circunstância, e não apenas nos casos de microcefalia, anencefalia, estupro e risco de vida para a gestante – e “considero imoral” não apenas o Estado – mas oda e qualquer pessoa que não tenha útero – “impor à mulher ter um filho quando ela não quer”.

     

  3. Eu, como pessoa que pensa em

    Eu, como pessoa que pensa em ter filhos, já andei lendo algumas coisas sobre microcefalia. Recomendo este site que apesar de não ter referências acadêmicas, é revisado por médicos (http://brasil.babycenter.com/a25015205/microcefalia). Bom, pelo que eu entendi, microcefalia não é uma coisa simples de detectar na barriga da mãe, e quando se detecta, muitas vezes, o bebê já está todo formado, o problema é que o cérebro não se desenvolveu como o resto do corpo. Isso quando consegue se detectar na barriga da mãe, muitas vezes o bebê já nasceu quando a mãe recebe esse diagnóstico, ainda mais quando se trata de mães carentes que tem um acompanhamento pré-natal muito ruim. A pessoa que escreveu esse texto devia explicar melhor de onde ela tirou essas historias de mães que querem abortar pq descobriram que o filho tem um defeito… quando foi descoberto esse defeito? No comecinho da gravidez? Ou no final? Vocês realmente acham ético, moral, humano, pensar em abortar uma gravidez que talvez já esteja bem avançada? Vocês acham que o bebê merece uma sentença de morte pelo fato de ter uma má formação que não é incompatível com a sobrevivencia, como é no caso da anencefalia? Ele não é humano o bastante, pq tem uma cabeça menor que o normal? Me desculpem, eu imagino o desespero de uma mãe que descobre que o filho tem uma má formação gravíssima dessas, me imagino no lugar de todas essas mães, mas pensar em abortar a criança pq ela tem um defeito não deve ser considerada uma coisa justificável. Esse texto, na minha visão de mundo, está completamente equivocado, essa pessoa está se utilizando dos bebês de maneira enviesada para defender um ponto de vista dela. Ao invés de ficarem defendendo as mães que querem se livrar de seus bebês pq eles tem um defeito, vamos nos inspirar nas mães que sofrem horrores, mas não desistem de seus filhos, como a Viviane Lima de Manaus (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160107_mae_microcefalia_manaus_cc).

    1. Sem moralismo

      Muito bem, mas não é uma questão de se “livrar de seus bebês”. Eh uma velha questão sobre querer levar adiante uma gravidez ou não, sobretudo quando ha riscos sérios para o feto se desenvolver normalmente.

      Eh muito bonito alguém dizer que não vai desistir de levar adiante a gravidez, mesmo sabendo de uma possivel grave debilidade. Mas quem tem filho assim, sabe que é para o resto da vida e sabe que é uma dor terrivel, bastante sofrimento e pouco tempo livre. Eh bom saber bem qual caminho se esta tomando, antes de tomar uma decisão tão séria (isso quando se tem a escolha).

      E se o momento é de risco, acho que é melhor esperar.

    2. Totalmente ético.

      Nao ético é condenar a criança e sua mae a uma vida de terríveis dificuldades. Se vc nao quer abortar, nao aborte, mas nao cague regras para outras mulheres.

  4. Todo canalha

    É contra o aborto. E, numa gravidez indesejada, é capaz de ser o primeiro na fila a mandar a filha abortar – claro que numa clínica particular e da maneira mais asséptica possível. É profundamente lamentável que os homens não engravidem.

    O que esses escrotos hipócritas, que ainda não saíram da Idade Média, não entendem é que nenhuma mulher aborta porque acha legal, porque é bacana ou está na moda. Nenhuma mulher aborta porque quer. O aborto é uma decisão dificílima e um processo traumático para a mulher do ponto de vista físico e psíquico.

    Se fizerem uma pesquisa, é bem provável que a maioria dos que são contra o aborto também defenda a laqueadura obrigatória em mulheres de camadas sociais menos privilegiadas. E, muito provavelmente, também são contra o ensino de educação sexual nas escolas.

  5. Essa história é absurda do começo ao fim por muitos motivos

    Primeiro por não suscitar uma discussão madura sobre o direito ao aborto, a discussão sempre cai numa misoginia sem tamanho. Saúde da mulher, direitos sobre seu corpo, e o direito dos pais de decidirem ter ou não uma criança com sérios problemas neurológicos nunca chegam a serem pontos debatidos.

    Quem é contra o aborto, não faça um, mas restrinja-se a seu corpo: NO MEU CORPO MANDO EU.

    Segundo, a proliferação da zika é consequência de anos e anos de descaso com a dengue.

    Terceiro: nossos quadros técnicos e políticos são uma piada. O que o Ministro da saúde falou deixa claro que, além da zika, o vírus da ignorância e do deboche também fazem muitos estragos por aqui. E o pior, a Dilma se cala…

  6. Vamos pensar melhor antes de falar isso

    Eu, como pessoa que pensa em ter filhos, já andei lendo algumas coisas sobre microcefalia. Recomendo este site que apesar de não ter referências acadêmicas, é revisado por médicos (http://brasil.babycenter.com/a25015205/microcefalia). Bom, pelo que eu entendi, microcefalia não é uma coisa simples de detectar na barriga da mãe, e quando se detecta, muitas vezes, o bebê já está todo formado, o problema é que o cérebro não se desenvolveu como o resto do corpo. Isso quando consegue se detectar na barriga da mãe, muitas vezes o bebê já nasceu quando a mãe recebe esse diagnóstico, ainda mais quando se trata de mães carentes que tem um acompanhamento pré-natal muito ruim. A pessoa que escreveu esse texto devia explicar melhor de onde ela tirou essas historias de mães que querem abortar pq descobriram que o filho tem um defeito… quando foi descoberto esse defeito? No comecinho da gravidez? Ou no final? Vocês realmente acham ético, moral, humano, pensar em abortar uma gravidez que talvez já esteja bem avançada? Vocês acham que o bebê merece uma sentença de morte pelo fato de ter uma má formação que não é incompatível com a sobrevivencia, como é no caso da anencefalia? Ele não é humano o bastante, pq tem uma cabeça menor que o normal? Me desculpem, eu imagino o desespero de uma mãe que descobre que o filho tem uma má formação gravíssima dessas, me imagino no lugar de todas essas mães, mas pensar em abortar a criança pq ela tem um defeito não deve ser considerada uma coisa justificável. Esse texto, na minha visão de mundo, está completamente equivocado, essa pessoa está se utilizando dos bebês de maneira enviesada para defender um ponto de vista dela. Ao invés de ficarem defendendo as mães que querem se livrar de seus bebês pq eles tem um defeito, vamos nos inspirar nas mães que sofrem horrores, mas não desistem de seus filhos, como a Viviane Lima de Manaus (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160107_mae_microcefalia_manaus_cc).

  7. se a bancada evangélica aumenta, vai piorar a situação da mulher

    mas os abestados além de trabalhar para sustentar os pastores, resolveram elege-los. para terminar de transformar esse país num pardieiro!

    fora malafaias, cúnhas e felicianos!

  8. É compreensível que neste

    É compreensível que neste surto de microcefalia a questão do aborto entre em pauta.

    Mas, algumas indagações me surgiram, talvez por conta de meu desconhecimeto nesta área.  O zika é conhecido há decadas. Sempre esteve associado a surtos de microcefalia? No caso brasileiro está definitivamente descartada qq outra causa?  Os relatos que li na imprensa são de gestantes atendidas pela rede pública de saúde. Houve alguma alteração no programa de assistência à gravidez introduzida recentemente pelo SUS ou os casos de microcefalia aconteceram tb em nascimentos assistidos fora da rede pública? 

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