TV GGN20h: A destruição das universidades públicas

Luís Nassif entrevista o reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles Pires da Silva, e o ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher

O programa começa com um balanço dos dados da covid-19 no Brasil: 85.536 casos e 2.211 óbitos registrados nesta sexta-feira – “Embora os óbitos estejam caindo, os casos se sustentam”, diz Nassif. “Os óbitos podem estar refletindo o fim da segunda onda (…) Os riscos da terceira onda sempre acabam assustando um pouco”

Sobre a questão das universidades federais, Nassif diz que “desde antes a eleição de Bolsonaro, nós já tínhamos um movimento contra a universidade (…) Uma coisa ideológica”, citando diversos episódios que culminaram com a invasão de instituições e cortes de orçamento

Para discutir essa questão, Nassif conversa com o reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles Pires da Silva, e com o ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher.

“Sistematicamente, nós temos sofrido uma asfixia orçamentária. Essa é a primeira coisa”, diz João Carlos Salles, que também é ex-presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). “Quando você mantém nominalmente o mesmo valor do orçamento, você já perdeu a inflação, já perdeu a expansão da universidade, isso já tem acontecido. Mas a queda tem sido constante, lamentavelmente consistente”, diz o reitor da UFBA.

“Em particular (o corte orçamentário) no item de capital de investimento, que é o que você faz obras, compra material permanente, etc. Esse é tão significativo que significa, para mim, um sucateamento do parque universitário”, diz Pires da Silva.

“No governo Bolsonaro, é bom dizer que começou, primeiro, uma ameaça”, diz o reitor da UFBA. “Vocês devem lembrar que o ministro (Abraham) Weintraub, ele bloqueou recursos da ordem de 30% do orçamento e ele dizia que seria liberado se os parlamentares votassem a Reforma da Previdência, por exemplo”

Segundo o reitor da UFBA, o bloqueio do orçamento não se concretizou, mas essa história se repetiu com uma variação no ano passado: “foi aprovado o Orçamento com uma parte bloqueada – bloqueada em que sentido: condicionada à aprovação parlamentar – essa parte era equivalente a 35% do Orçamento total, e você tinha ali 65% que você tinha uma manobra específica. O Orçamento acabou sendo liberado, mas defasado – sempre à menor”.

“Dessa passagem de 2020 para 2021, há uma verdadeira queda. Depois da asfixia, depois da defasagem, nós temos uma queda total”, diz o reitor da UFBA. “Nós estamos vivendo um corte muito radical, que afeta o conjunto das universidades, da ordem de 20%, 21%, 22% no Orçamento”.

De acordo com Pires da Silva, “tirar isso fez com que o orçamento das universidades recuasse no tempo – no caso da UFBA, o nosso orçamento hoje é R$ 1 milhão menor do que o orçamento de 2010. Em 2010, nós tínhamos 15 mil estudantes a menos”.

“É bom lembrar que o valor em reais (R$ 133 milhões) em 2010 é muito mais do que seria hoje – não estou nem considerando essa defasagem, mas nominalmente nós recuamos abaixo dos valores de 2010. Isso é um escândalo”, diz o reitor da UFBA. “Era de R$ 133 milhões em 2010, agora é de R$ 132 milhões o orçamento da Universidade Federal da Bahia”.

“Nós constatamos que, pelo menos, desde 2014 para 2015 estava havendo uma movimentação – inicialmente, muito localizada em alguns setores do Ministério Público Federal, mas também um acompanhamento muito sui generis de órgãos de controle sobre as universidades”, diz Roberto Leher

“Naquele momento, isso não estava muito visível, a escala do que estava por vir – que ficou evidente, posteriormente, com aquele aparato absurdo da Polícia Federal”, diz o ex-reitor da UFRJ, citando a ação em que 150 policiais federais ocuparam a UFSC “em um processo que não tinha nenhuma materialidade, não tinha nenhuma objetividade, não tinha nenhum fato determinado que pudesse justificá-lo e que acabou com uma tragédia, que foi o suicídio do professor Cancellier”.

“Desde esse contexto, nós temos constatado um ascenso de movimentos que são obviamente movimentos para silenciar a universidade, movimentos muito graves de tentativa de, de fato, criar um ambiente de temor nas instituições para que elas não exercessem sua liberdade de cátedra”

“Uma bússola para entendermos o que está acontecendo diz respeito ao recurso de investimento, porque investimento é como nós projetamos o futuro da instituição”, diz Leher.

“Em 2015, quando assumi a reitoria da UFRJ, o orçamento das 63 universidades de investimentos já era um orçamento medíocre, de R$ 2,8 bilhões para 63 universidades. Ou seja, nada”, diz Leher. “Em 2021, nós não chegamos a R$ 100 milhões. Então, estamos falando aqui, na realidade, em 5% do que nós dispúnhamos em 2015. Qual é a mensagem que está sendo passada?”, diz o ex-reitor da UFRJ.

Leher lembra um “momento muito tenso” vivenciado pela UFRJ: uma atividade pública feita fora do espaço da universidade “em defesa da democracia e dos direitos sociais, que é imanente à vida universitária pensar as políticas públicas, defender as liberdades. E foi feito um processo completamente desprovido de racionalidade”.

“Tudo isso ganhou um contorno novo perto do segundo turno, quando nós vimos de maneira articulada uma série de decisões judiciais – é importante lembrar que foram decisões de juízes de 1ª instância – que determinaram busca e apreensão em diversos campi universitários”

“Obviamente, a mensagem era uma mensagem de terror, era uma mensagem de medo na instituição (…) Parecia com um contexto semelhante ao nazismo, da Noite dos Cristais, desse tipo de evento que a extrema-direita começa a querer abrir uma ofensiva feroz contra um espaço que tem de ser de liberdade ilimitada”, diz Leher.

Intervenção e o impacto da universidade na sociedade

Nassif cita dois pontos apavorantes na questão da gestão universitária: a questão da CGU (Controladoria-Geral da União), “que virou uma máquina ideológica, de colocar um interventor como corregedor da UFSC (…) não sei se foi a CGU ou o TCU, que exigiu da UFABC que passasse o projeto pedagógico para um curso que eles tinham para sem-terra, para eles analisarem o projeto pedagógico”.

“Os órgãos de controle, eu acho que tem aumentado o seu processo de solicitação de dados”, diz João Carlos Salles Pires da Silva. “Houve inclusive um momento em que se começou a utilizar dados de gestão para até condicionar orçamento, se pretendeu fazer isso”.

“De fato, é uma outra face de uma possível asfixia. Ou seja: você transformar a universidade em uma repartição pública que não é determinada pela sua finalidade de ensino, pesquisa e extensão”, diz o reitor da UFBA. “Ela passa a ser determinada por elementos gerenciais (…) O orçamento é importante, mas não está se tratando somente de orçamento quando está se falando da crise (…)”.

Segundo João Carlos Salles Pires da Silva, um problema maior, e que já se mostra de forma progressiva, é a ideia de que a universidade seja uma entidade incômoda. “Isso faz com que os órgãos de controle possam, e se sintam como que autorizados, a purificar, a fazer o papel de polícia de costumes em meio ao ambiente universitário. E instauram, assim, um clima de barbárie”.

“Dizem que vão combater a balbúrdia, mas instauram um clima de barbárie, de medo, e de cerceamento de liberdade de cátedra que é um ponto que me parece central: a disposição que a sociedade tem de conviver com um equipamento público que é uma aposta no futuro (…)”, diz o reitor da UFBA. “E é esse equipamento de cultura, de civilização, de arte, que está ameaçado. Não só pelo orçamento, o orçamento é só aquilo que nos coloca no chão e nos tira as forças para realizar nossa tarefa”.

Leher complementa tal raciocínio. “Existe uma lógica, existe método de sufocamento orçamentário e de tentativa de desmoralização das universidades (…) Isso está escrito dentro de uma doutrina em que, talvez, o mais proeminente autor seja o Steve Bannon, que eles chamam de guerra cultural – a universidade é um local de dito marxismo cultural, e nós temos que fazer uma guerra contra as heranças do Iluminismo e da Revolução Francesa. Então, qualquer associação entre liberdade e igualdade tem que ser destroçada”

“É importante que a sociedade brasileira dimensione, inclusive no tema orçamentário, o que está se passando: entre 2016 e 2016, é fato que tivemos contingenciamentos (…) A partir da emenda 95, e sobretudo a partir do governo Bolsonaro, nós vamos ter redução do orçamento. Não tem condição de analisar isto como um movimento de natureza mais conjuntural, na argumentação, no léxico do chamado ‘austericídio’, não é uma questão de austeridade fiscal. Não, é uma questão política”, afirma o ex-reitor da UFRJ

“As formas de destruição, de ataque da universidade são mais robustas hoje do que aquilo que causava até um certo riso às vezes”, diz João Carlos Salles, da UFBA. “É bom lembrar que a gente não devia subestimar tanto esses loucos furiosos, porque eles semeiam em um terreno propício: nós somos uma sociedade com uma tradição de autoritarismo e conservadorismo muito grande, que talvez recentemente não tivesse mostrando suas garras”

“Quando você vê esse conjunto de preconceitos em relação à vida universitária, ao trabalho dos docentes, esse desrespeito ao servidor público, isso tem uma longa história, com boas e más versões, mas que mostram uma sociedade extremamente dividida, excludente, e onde a universidade parece um certo oásis nesse território (…)”

“Na realidade, aqui eu também enxergo um confronto e, na realidade, uma convergência de fundamentalismos: o fundamentalismo econômico do Guedes é a essência do bolsonarismo”, diz o ex-reitor da UFRJ. “Na realidade, eles (fundamentalistas) recusam justamente a conexão entre liberdade e igualdade. E a extrema-direita também não quer isso”, diz Roberto Leher.

Redação

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