O entendimento do STF sobre foro privilegiado e a ação contra Aécio Neves

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Dizem os parlamentares de oposição ao governo tucano em Minas Gerais que os ventos da Justiça sopram a favor de Aécio Neves. Ou que, no mínimo, o candidato do PSDB à sucessão de Dilma Rousseff tem a sorte de uma defesa bem armada.

Junto ao Tribunal de Justiça do Estado, os advogados do presidenciável conseguiram, às vésperas da convenção nacional do PSDB, que o atual procurador-geral de Justiça Carlos André Bittencourt pedisse o arquivamento definitivo da ação civil pública ajuizada contra o ex-governador em 2010.

O motivo? Aécio Neves não pode, no entendimento do chefe do Ministério Público e do juízo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ser investigado por uma promotora – no caso, Josely Ramos Pontes, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde de Minas Gerais.

Em janeiro passado, Bittencourt já havia expedido decisão favorável a Aécio e determinado a extinção do processo por improbidade administrativa em função de indícios de fraude contábil na área da saúde. O pedido de arquivamento foi só uma resposta do procurador-geral de Justiça à promotora Josely, que tentou reverter a decisão com um recurso, em abril.

Na apelação, Josely utilizou movimentações e decisões do Supremo Tribunal Federal para sustentar que não é prerrogativa exclusiva de um procurador-geral de Justiça processar um chefe do Executivo, ainda mais quando a ação civil pública é por improbidade administrativa e foi distribuída após o político deixar o cargo. Os apontamentos da Suprema Corte, contudo, foram deixados de lado.

O mérito da causa

Em suma, a Promotoria alega que a Justiça mineira, ao acatar a defesa de Aécio e julgar que um promotor não pode investigar um ex-governador, estende ao tucano o foro privilegiado em função da pessoa, e não do cargo.

Mas antes de destacarmos os trechos da apelação que sustentam a tese de Josely Pontes Ramos e do STF, explicamos do que se trata o caso.

A ação civil pública nº 2448321-09.2010.8.13.0024 contra Aécio Neves e a ex-contadora-geral do Estado, Maria da Conceição Barros de Rezende, acusa a ambos de fraude contábil.

Em síntese: entre 2003 e 2007, a administração tucana informou ao Tribunal de Contas do Estado (entre outros órgãos) que investiu o total de R$ 3,3 bilhões em saúde pública via Copasa (empresa de economia mista que cobra pelos serviços de saneamento básico prestados à população).

Porém, após anos de investigação, a Copasa admitiu que não recebeu R$ 3,3 bilhões do governo Aécio. A empresa alegou que fez uso de recursos próprios para fazer as obras que a administração tucana classificou como gastos públicos em saúde. O Estado, posteriormente, decidiu mudar sua versão e entrou em sintonia com a Copasa. A Promotoria entendeu que houve fraude contábil. 

A defesa de Aécio adotou a tática de não entrar no mérito da causa e atacou a validade da ação, afirmando que a Promotoria não tem poder de apurar esse caso, pois o inquérito teria sido instaurado quando o tucano ainda era governador (2007). A Promotoria ressaltou que Aécio só virou réu em dezembro de 2010, oito meses após deixar o cargo. O alvo do inquérito de 2007, até então, era a Copasa.

O entendimento do STF

Para embasar o recurso apresentado ao TJ-MG, Josely Pontes Ramos lembrou que, em fevereiro de 2000, o Supremo Tribunal Federal cancelou a Súmula 394, que durante 35 anos admitia que “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

A Súmula fixava como critério determinante para a investigação o tempo em que se verificara o fato delituoso. “Assim, um governador que praticasse um ato tido por criminoso seria julgado sempre pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que viesse a ser cassado ou que renunciasse ao mandato, ou mesmo depois do término deste”.

“Após o cancelamento da Súmula 394 pelo STF, o legislador, através da lei 10.628/2002, tumultuou as regras de competência da ação de improbidade administrativa ao introduzir [novas] redações no artigo 84 do Código de Processo Penal”, destaca a promotora na apelação. Ou seja, o Legislativo criou dispositivos para contornar a extinção da Súmula e estender foro privilegiado a agentes públicos mesmo após o fim do mandato. Uma tática para tornar os processos contra políticos ainda mais moroso.

No julgamento da ADI nº 2.797, em 2005, o STF declarou a inconstitucionalidade de tais dispositivos apresentados à lei 10.628. E com o cancelamento da Súmula, o atual entendimento do Supremo aponta que “a competência por prerrogativa de função somente se firma no caso de o réu ainda se encontrar, no curso do inquérito ou do processo, desempenhando cargo ou mandato que lhe garanta o foro especial”.

O conflito entre as partes

Encontra-se aí o cabo de guerra entre a Promotoria e a defesa de Aécio. Sem uma lei suficientemente clara sobre o tema, os advogados de Aécio Neves batem na tecla de que o tucano passou a ser alvo do Ministério Público com o inquérito instaurado em 2007, enquanto ainda era governador e, por isso, deve ser investigado apenas pelo procurador-geral de Justiça. O procurador, por sua vez, já se manifestou contrário ao inquérito do MP, e acrescentou que não vai abraçar a causa porque não vislumbrou “dano ao erário” no caso Copasa.

Porém, na versão da Promotoria:

1. O inquérito nº 213, de 2007, originou, em maio de 2010, a ação civil pública nº 0904382-53.2010.8.13.0024 que tem como réus o Estado e a Copasa.

2. Aécio, em nenhum momento durante o decorrer desse inquérito ou da própria ação civil pública contra a Copasa e o Estado, foi alvo direto de investigação. Sequer o secretário de Saúde, que gere o caixa de onde supostamente sairam R$ 3,3 bilhões, foi intimado pela Promotoria. Toda a apuração foi feita mirando na Copasa, com base em auditorias e documentos públicos. 

3. Aécio só virou réu em dezembro de 2010, quando já não era governador há oito meses (ele saiu do posto em março daquele ano). Com parte das conclusões da ação civil pública contra o Estado e a Copasa, a Promotoria sentiu necessidade de ajuizar uma segunda ação, mas especificamente contra Aécio e a contadora-geral do Estado, por improbidade administrativa em função de evidências de fraude contábil.

Na apelação, Josely Ramos Pontes reitera essa explanação e pede que a defesa de Aécio e o procurador-geral comprovem o que sustentaram nos autos para derrubar a validade do processo: que digam quando e como Aécio foi investigado pela Promotoria a partir da abertura do inquérito, uma vez que nem o Estado e tampouco a Copasa colaboraram com a apuração. O TJ-MG não se manifestou sobre essa especificidade. 

Próximo passo

Segundo informou Josely Ramos Pontes ao Jornal GGN, a Promotoria estuda apresentação de agravo de instrumento ao pedido de arquivamento da ação contra Aécio Neves. “O processo ainda não acabou”, reitera.

A ação civil pública nº 0904382-53.2010.8.13.0024, aquela que enquadra o Estado e a Copasa por fraude contábil (o mesmo teor do processo contra Aécio), tramita normalmente, desde 2010, na 5ª Vara da Fazenda Estadual de Minas Gerais.

Em nenhuma das duas ações civis públicas, reforçamos, o mérito da causa foi julgado. A discussão tem girado apenas em torno do foro privilegiado concedido a Aécio Neves sob contestação da Promotoria de Defesa da Saúde. 

Leia mais: Entenda a origem do processo por fraude contábil contra Aécio

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

28 Comentários

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  1. Tucanos…

    Eles sempre podem contar com as benesses da Justiça e o olhar complacente – quando não omissão – da mídia.

    Cadê o Rebolla e o Zanchetta pra comentar isso?

  2. Francamente, uma porcaria de

    Francamente, uma porcaria de caso como esse ja estaria terminado nos EUA.  A verdade eh que HOUVE fraude e que ninguem sabe onde foi parar TRES PONTO TRES BILHOES.

    Aqui?

    Ja teriamos gente na prisao.

    1. Prisão para quem?

      Aqui também já temos. O jornalista Marco Aurélio, que insistiu muito com as denúncias contra o Aécio. Inclusive explorando esse caso específico.

      E ninguém fala mais nada sobre essa prisão. Afinal o foi feito do jornalista?

  3. Quando se trata do PSDB

    Quando se trata do PSDB sempre se encontra uma brecha para arquivar.

    Quando se trata do PT sempre se cria uma brecha para condenar.

    Isso ficou bem demonstrado.

    É o paralelo da certeza que a justiça pune muito pouco os do andar de cima e ferram os de baixo.

  4.  
    No meu entender Aecio

     

    No meu entender Aecio deveria ser condenado e não mais poder concorrer.O mesmo pra Eduardo Campos.

        E que Dilma seja reeleita por aclamação.— evidente que não considerando os ”apenas” 43 por cento que não votariam de jeito nenhum.

                     E se assim fosse, o PT tem vergonha pra se ibcomodar com isso?

                       O que eles querem é ”PUDER”’ e ser contra as ”ZELITES”

                        Pros que acham isso ,sugiro que leiam:

                    http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/06/20/lula-enxerga-elite-branca-no-reflexo-do-espelho/#7527613213751465

     

      1. (Nao existe chance da maioria

        (Nao existe chance da maioria no blog ler qualquer “recomendacao” de ler esse Josias.)

        Concordo! De minha parte tal recomendaçao nao passa de uma sugestao de mau gosto.

  5. Isso só prova que, em termos

    Isso só prova que, em termos de escolha de procurador-geral, os petistas são uns trouxa e os psdbistas são espertos e pragmáticos, como devem ser.

    Viva o republicanismo idiota do PT. 

    1. “em termos de escolha de

      “em termos de escolha de procurador-geral, os petistas são uns trouxa e os psdbistas são espertos e pragmáticos”:

      Espertos e pragmaticos!  Que definicao bonita!

      La na minha casa isso chamava “canalha” mesmo!

  6. Já falei outras vezes: o

    Já falei outras vezes: o fato, o buraco de 3 bi, está comprovado.

    O PT devia divulgar isso, bater nessa tecla, fazer um salseiro, exigir providências do procurador geral da república.

    Ao que eu saiba, a COPASA só confirmou o não recebimento dos 3 bi por ser empresa coom ações na bolsa.

    O caso é muito sério!

    1. Ao que eu saiba, a COPASA só

      Ao que eu saiba, a COPASA só confirmou o não recebimento dos 3 bi por ser empresa coom ações na bolsa por ser cobrada pela CVM, mas enrolou o quanto pode.

  7. Três bilhões somem

    E ficam por isto mesmo? Foi isto que eu entendi? O Aécio movimentou três bilhões, niguem sabe para onde foi, tentou dizer que gastou na Copasa mas foi desmentido e não nega a acusação, apenas não aceita o modo como está sendo processado, por que a promotoria é chinfrim, teria de ser processado pelas altas instâncias, exatamente onde ele não tem problemas? E A Dilma não vai explorar isto como explorou Paulo Afrodescendente ou Preto mesmo? Desconfio que o Aécio não vai querer participar de debate com a Dilma!

  8. O que esse pessoal está

    O que esse pessoal está tentando fazer, a partir de MG, é voltar ao tempo das capitanias hereditárias, onde os senhores são ininputáveis.

  9. O Aócio é um perigo para a

    O Aócio é um perigo para a democracia brasileira. O Carone está preso por ter feito essa denúncia no Novojornal, essa e outras. Ele recebeu 110 mil no mensalão do Azeredo, em 1998 pra se candidatar a deputado federal. Hoje seria quanto? Nem processado foi. Ele desviou um volume monstruoso de dinheiro da saúde não se sabe pra onde. Ele pode fazer o que quiser. Pode dirigir alcoolizado, com documentos vencidos. Pode ter rádio em nome de laranjas. Helicóptero de amigos dele pode ser usado para transportar cocaína. Pode mandar o MP de qualquer estado perseguir aqueles que criticam sua pessoa. Não é à toa que ele é o candidato da mídia. São todos farinha do mesmo saco.

  10. Tá dominado, tá tudo

    Tá dominado, tá tudo dominado, tá tudo dominado pelo PSDB. Os 3 bilhões com certeza foram divididos entre campanha eleitoral e meritíssimos de todas as instâncias.

  11. Mais um caso envolvendo

    Mais um caso envolvendo tucanos que não dá em nada,

    Essa é ajustiça do Brasil,se fosse um governador do PT garanto que o fato estaria sendo repercutido maciçamente pela mídia vira lata.

    É flórida!!!!

  12. Aécim não pode nem ser citado

    Aécim não pode nem ser citado nas redes sociais que reviram a casa da vítima toda; imagina ser investigado, denunciado, condenado e etc… Nem vale a pena discutir mais esse assunto. Não existe Justiça para pessoas como Aécio. “Justiça” é pra galera. E, olhem que Aecim nem é um grande expoente da baixaria de nossa elite, é apenas um filhinho mimado dela que nunca cresce e nem vai crescer.

  13. Tucano é um bicho ligeiro.

    Uns dão pinote, renunciam para não ser julgado pelo STF e outros fazem questão de ser julgados pelo STF. O certo é que com suas amizades e influências protelam até prescrever seus atos bicudos.

  14. Cópias do processo

    Caro Nassif,

    Como o processo não está em segredo de justiça e você parece ter acesso a informações detalhadas dele, imagino que tenha cópias e que possa disponibilizar em seu site.

    Eu e boa parte das pessoas que o leem (ou pelo menos boa parte dos advogados) gostariam muito de ter acesso à digitalização de cópia integral dele.

    Especialmente nesse momento em que os autos estão há 2 meses conclusos (o que impede um cidadão comum de conseguir consultá-lo), seria sensacional ter a cópia integral disponível online (que é como a justiça deveria funcionar atualmente).

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