
do Observatório de Geopolítica
A Crise Argentina (1)
por José Francisco Lima Gonçalves
Dessa vez é diferente. A crise Argentina repete o padrão de 2018, longe do que colocou os países emergentes – endividados em moeda forte – em má situação nos anos 1980. Então, o endividamento dos emergentes se deu a partir de déficits em conta corrente pelo peso do petróleo cujo preço subiu drasticamente nos anos 1970 e pelo peso crescente dos juros da dívida contratada para cobrir precisamente aquele déficit comercial.
A outra dimensão da crise da dívida externa – que acabou criando siamesa interna – foi a liquidez abundante nos mercados globais de eurodólar e petrodólar. Assim, passivos bancários baratos eram cobertos por ativos igualmente baratos.
A revolução iraniana completou o ciclo iniciado com a guerra entre Israel e os árabes, levando o preço do petróleo de $3 a $80. E o choque de juros promovido pelo Fed não apenas obrigou países com moedas fortes a imitar o movimento, como, por construção, catapultou os saldos das dívidas dos emergentes e os fluxos de seu serviço. A taxa básica de juros nos EUA foi de 4% a 20%.
A saída da crise da dívida dos 1980 veio das perdas dos credores dada pela inadimplência dos devedores e pelas perdas destes com a recessão e a inflação causadas pelo ajuste ortodoxo via FMI. Recessão, câmbio fraco e inflação para gerar saldos comerciais para servir o que fosse possível da dívida.
Uma situação que ensejou a substituição dos contratos de dívida bancária por títulos com mercado secundário. A desvalorização dos títulos criou o preço “de mercado” da dívida externa dos emergentes. Assim, a perda dos credores foi repartida com os devedores, mas o mesmo não aconteceu com as perdas dos devedores.
Cada devedor tratou também de disputar os recursos que voltariam a ter liquidez com a queda dos juros e do petróleo.
Mas a herança foi dívida interna elevada para compensar a piora fiscal da recessão e onerada pelos elevados juros domésticos. O retorno de crises cambiais aqui e ali ao longo dos 1990 exigiu novos ajustes para estabilizar as economias emergentes. Não por acaso vieram com o fim das ditaduras. Recessão e inflação encurralaram a política doméstica.
Hoje, a Argentina está em superinflação – na falta de nome melhor – isto é, inflação alta e em alta o suficiente para que o Banco Central da Argentina adote uma taxa “em pesos” para remunerar a parte da dívida pública que não é diretamente nem indiretamente em moeda estrangeira. Isto é, atualização diária da dívida interna e externa por índices que combinam inflação e câmbio.
Na próxima oportunidade, mais sobre o ajuste Argentino nos 1980, a dolarização e a sinuca atual.
José Francisco Lima Gonçalves é professor da FEA-USP e economista chefe do Banco Fator
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A tal moeda única do Mercosul pelo visto ficou no cuspe.