CPI da Americanas: quais os impactos de um relatório final sem um “culpado”?

Como a Americanas conseguiu cometer uma fraude desta magnitude, por tanto tempo, sem que os controles não identificassem?

Por Gustavo Michel Arbach

Não há discussão sobre a fraude contábil bilionária cometida pela Americanas. E, também ficou bem evidenciada a participação direta da antiga administração da Companhia. Mas, a ausência de responsabilização de uma pessoa ou um grupo de pessoas, conforme é indicado com a aproximação do término da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que deverá ocorrer no dia 14 de setembro, se mostra como um desfecho preocupante frente à legislação atual e a governança corporativa exigida atualmente no Brasil – o que ressalta o questionamento de: como a administração da Americanas conseguiu cometer uma fraude desta magnitude, por tanto tempo, sem que os controles internos e externos da Companhia não identificassem?

Com um rombo financeiro que soma aproximadamente R$ 20 bilhões, o escândalo da gigante varejista revelado pelo então CEO, Sérgio Rial, gerou uma enorme repercussão nacional, uma vez que as “inconsistências contábeis” identificadas no começo logo se explicaram como adulterações de assinatura de contratos, reclassificações de dívidas e omissão de informações aos conselheiros e acionistas da companhia. Algo que, inevitavelmente, levou a organização a entrar com sua recuperação judicial frente aos mais de R$ 40 bilhões em dívidas. O valor tornou o caso como a 4ª maior recuperação da história nacional.

A fraude foi tão bem arquitetada que 10 dos 16 bancos que cobriam a companhia recomendavam a compra das suas ações na véspera do fato relevante divulgado pela Americanas em 11de janeiro, além de que o mercado, durante mais de uma década, não conseguiu identificar as inconsistências apresentadas.

Mesmo em meio aos mais de 12 processos abertos deste caso e o palco de revelações, o possível fim da CPI sem apontar “culpados”, de acordo com Carlos Chiodini, relator do caso, deve levar o Ministério Público Federal a assumir as investigações de forma a apurar com mais detalhes todo o ocorrido.

Por mais que haja fortes indícios de que a antiga diretoria sob comando do ex-CEO da varejista, Miguel Gutierrez, esteja fortemente relacionado com as fraudes, muitos esclarecimentos importantes poderão deixar de constar neste documento, incluindo, como exemplo, explicações dessas omissões nas auditorias realizadas nos últimos anos. E, ainda, de um possível envolvimento das instituições financeiras no esquema, considerando o acesso deles aos bancos de dados da varejista com informações que não foram prestadas.

A falta desta compreensão é um ponto extremamente grave frente à responsabilização dos “culpados” pela fraude, assim como suas falhas frente à governança de uma das maiores empresas varejistas do país. Felizmente, para evitar mais casos semelhantes, quatro alterações legislativas foram apresentadas por Chiodini para melhorar a governança corporativa e combater a corrupção nas empresas privadas, buscando com isso evitar que fraudes como a da Americanas se repitam.

Dentre os pontos mencionados, estão, justamente, mecanismos de responsabilização dos administradores e de acionistas controladores em sociedades por ações, além da criação de ações de reparação contra auditores independentes por violação ao cumprimento de seus deveres por imperícia, imprudência ou negligência, e a inclusão de crime de “infidelidade patrimonial”, proibindo o abuso do poder de administração do patrimônio alheio para tirar vantagem, sob punição de reclusão de um a cinco anos junto com multa.

Por fim, caso aprovado, a legislação deverá conceder aos auditores acesso às informações sobre as operações de crédito das empresas auditadas em poder do Banco Central, o que dará maior segurança no fornecimento correto das informações a serem prestadas para fim de conformidade legal.

Todos os pontos defendidos poderão contribuir para uma maior responsabilidade dos membros da empresa, a partir de melhorias legislativas a serem incorporadas pelo mercado. Algo que, após estes danos severos com a fraude contábil da Americanas, se mostra como urgente em prol da redução deste risco e uma governança mais sadia para a prosperidade dos empreendimentos nacionais.

Gustavo Michel Arbach é sócio fundador do Arbach&Farhat Advogados e líder das áreas societária e M&A.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.

Redação

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