O efeito restart da PEC “Ad Hoc” ou de exceção, por Maurilio Casas Maia

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Maurilio Casas Maia 

O efeito restart da PEC “Ad Hoc” ou de Exceção – perdeu? É só clicar reset e pronto! – Por Maurilio Casas Maia

No Empório do Direito

Os manuais de Direito Constitucional jamais serão os mesmos após o 1º de julho de 2015. Eis que surge claramente a figura da “PEC ad hoc” ou “de exceção”, a qual poder ser representada por uma técnica de interpretação regimental (?) que permite a perpetuação do debate sobre determinada “matéria” (ex.: redução da maioridade penal) quantas vezes almejar. Afinal, seria um “passe de mágica regimental” ou meramente a efetividade dos estreitos limites do Regimento Interno da Câmara dos Deputados aplicado ao devido processo legislativo de Emenda à Constituição?

Em primeiro lugar, o uso dessa “fantástica”(?) técnica permite ignorar ou suavizar os efeitos do termo “matéria” inserido no § 5º do artigo 60 da Constituição. Assim, se você mudar algumas vírgulas de lugar, mexer aqui e acolá de lugar, pronto! Eis uma PEC nova em folha para ser votada, a qual não será considerada com a mesma matéria da anterior graças ao instituto revolucionário e inovador da PEC “Ad Hoc”.

Uma observação: o presente texto se serve da ironia. Com o perdão pelo excesso de explicação, mas é melhor avisar, pois o perigo do uso da palavra é grandioso em tempos nos quais a retórica consegue “argumentar” que um substitutivo e uma emenda aglutinativa debatedoras da “maioridade penal” não versam sobre igual “matéria”.

Pois bem. Seria ótimo se tratar aqui de uma obra de ficção jurídica, de um Frankenstein Jurídico criado para divertir e assustar os juristas e estudantes de direito. Mas não. A “PEC de exceção” existe – espera-se não ter vindo para ficar.

Em 30/6/2015, uma vez iniciada a votação do substitutivo da PEC n. 171/1993, findou-se por rejeitar a referida proposta em primeiro turno. Ao fim da sessão, o presidente da Câmara anunciou que no dia seguinte seria votado o projeto original, uma vez que o substitutivo fora rejeitado. Ocorre que o projeto original era extremamente mais antipático aos membros da Câmara, por ser muito mais rígido que a proposta rejeitada.

Por certo, a própria questão de votar o projeto original após o substitutivo – tratando-se da mesma matéria (redução da maioridade penal) –, já é tema potencialmente ofensivo à Constituição. O que se poderia então dizer de uma aglutinação noturna?

Uma madrugada foi o bastante. Os brasileiros acordaram no 1º de julho e, sem saber, teriam mais tarde uma PEC diferente de sua versão originária para ser votada. Na calada da noite ou no decorrer daquele dia, não faz diferença, reorganizaram-se as emendas apresentadas anteriormente – na verdade, ao que consta, tais medidas já estavam inclusas de certo modo no substitutivo, sendo este mais abrangente quanto aos crimes nos quais incidiria a redução da maioridade penal. Assim, enquanto os brasileiros dormiam e/ou trabalhavam, eis que surge a “PEC de exceção” – uma parente próxima dos indesejados tribunais ad hoc, surgindo por ocasião e por demanda específica – sob encomenda.

O quadro no 1º de julho então se desenhou: Votava-se a “aglutinativa” após a rejeição do “substitutivo”, mas ainda sem análise da PEC original – foi o caminho adotado.

O interessante é que se por um lado uns invocam o art. 163, inciso VI, do Regimento Interno da Câmara como razão para declarar prejudicada “a emenda de matéria idêntica à de outra já aprovada ou rejeitada”, por outro viés, os defensores da aqui denominada “PEC ad hoc” afirmam que o ocorrido não passa de aplicação escorreita do regimento daquela Casa: “Na hipótese de rejeição do substitutivo, ou na votação de projeto sem substitutivo, a proposição inicial será votada por último depois das emendas que lhe tenham sido apresentadas” (art. 191, inciso V).

Nessa senda, impressiona o fato de que alguns parecem almejar regular o devido processo legislativo de Emenda Constitucional por um Regimento Interno, sem antes mesmo avaliar a compatibilidade e harmonia dos respectivos dispositivos com a Constituição da República Federativa do Brasil – no caso, tem especial importância o artigo 60, § 5º, da Constituição, vetando a reanálise de “matéria” rejeitada ou prejudicada na mesma sessão legislativa.

Com efeito, entender que a mudança de vírgulas, expressões ou frases em um texto alteraria a “matéria” de uma PEC – apesar de mantida com clareza a unidade de desígnio com a proposta rejeitada –, é desafiar a inteligência constitucional prevista no § 5º do artigo 60 da Constituição.

Em verdade, o perdedor substitutivo votado em 30/6 trata sobre a mesma “matéria” da vitoriosa emenda aglutinativa n. 16: redução da maioridade penal. Por certo, nem mesmo “malabarismos regimentais” podem alterar a realidade da unicidade de matéria debatida nas duas ocasiões.

Portanto, a “PEC de exceção” é uma engenhosa maneira de buscar, com perdão pelo exagero, ad aeternum o resultado almejado, até se acertar uma fórmula que alcance boa parte dos gregos e troianos. É medida para conferir a imortalidade nos joguinhos de vídeo game, com as tais “vidas infinitas”. É, por fim e por óbvio, burla das regras sedimentadas constitucionalmente.

Não se pode olvidar: a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães é de cada homem e mulher do Brasil, sendo a Carta Maior a diretriz regimental e não um regimento interna corporis o matiz constitucional. Sem subversão, por favor, as coisas necessitam retornar ao lugar devido constitucionalmente.

Não se pode recriar a Constituição por um Regimento interna corporis. Se as instâncias de exercício do poder brasileiro não pensarem assim, é bom se preparar porque a partir da criação das emendas de exceção e ad hoc, tem-se o precedente “restart” na política brasileira. A tecla “reset” será ponto comum para os donos da bola nos processos de emenda à Constituição. Perderam? Então, prepara que o show “The Good Citizen” vai reiniciar, doa a quem doer…

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Resta homenagear um dos

    Resta homenagear um dos precursores desse puxadinho interpretativo, que abriu a porteira para a aberração que estamos assistindo. Aliás, o único acórdão selecionado para a coletânea da Constituição comentada pelo STF neste artigo específico.

    Há poucas coisas mais claras do que um texto que diz que a PEC é veículo para uma matéria legislativa, e que a matéria não pode ser votada duas vezes. O objetivo mais do que claro é reduzir a velocidade e temperatura de um embate político resolvido, abrir tempo para rediscussão e mediação.

    Então vem o Supremo em 1996, e arma essa bomba-relógio aí abaixo, só esperando alguém com a audácia do Cunha aparecer, relativizando o conceito de “matéria”.

    E abrindo espaço para a turma que já se manifesta relativizando o conceito de “sessão legislativa”, para dizer que é a votação do dia seguinte, não do ano seguinte. Então para que regra? Vota na hora seguinte. Abre um painel de marcar “x” em uma lousa no plenário. Na hora em que mais gente mudar de voto, usar o apagador, e marcar “x” no “sim”, tá aprovado. Se proclamado alguém for lá e apagar a lousa com o dedo, tá desproclamado. E deixa a segurança jurídica para lá.

     

    http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=784

    § 5º – A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

    “Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto.” (MS 22.503, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 8-5-1996, Plenário, DJ de 6-6-1997.)

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