A insustentável leviandade da mídia e a longa Travessia.
por Frederico Firmo de Souza Cruz
O país continua fazendo uma travessia num meio viscoso, correntes antigas tentam levá-lo sempre ao mesmo lugar. É uma longa travessia. Nas costas do sapo barbudo, escorpiões a todo momento relembram sua própria natureza. Mas este sapo é bicho de casco duro e resiste às picadas sucessivas. A imprensa e mídia mostram o tempo todo a sua natureza. A quantidade de críticas a Bolsonaro não os modificou. Se especializaram em criar realidades paralelas virtuais e até algumas que se realizam. Após falhas sucessivas, e incapacidade total de emplacar entre os candidatos, aqueles mais palatáveis dentre o tucanato, partiram sem muita convicção para outros partidos indo cada vez mais para o baixo clero . Descobriram depois de muitas tentativas que não bastava destruir o candidato Lula e o partido. Tentaram com o Mensalão, não funcionou. Aí veio a Lava jato, se lambuzaram na luta anticorrupção. A mídia deixou de se preocupar com as pautas da realidade e num esforço cenográfico diário transformaram o país num grande tubo de esgoto. Apresentadores, que em algum dia já foram repórteres, vivendo da propaganda de si mesmo, passaram a fazer análises e discurso de valores e até xingamentos. Neste período não tinham vergonha de propagandizar o lado que haviam tomado. Os julgamentos de valor eram fortes e enfáticos. A neutralidade jornalística nem aparecia na retórica.
No entanto, a realidade para além do cenário foi aparecendo. Em desespero, descobriram que não tinham mais o monopólio da informação, nem do judiciário. Iniciaram a atividade de ‘noticiar’ a realidade de um desgoverno, mas não mais faziam análises e ou julgamentos de valor, apenas noticiavam. A neutralidade jornalística voltou à retórica. O país presenciou uma CPI demonstrando a manipulação, a fraude, o roubo até com vacinas. A televisão se tornou garantista, e diante das provas irrefutáveis de maracutaia, exigiam provas mais concretas, pois não se tinha uma fotografia ou áudio. Deixaram o assunto morrer como uma grande derrota do novo governo. Na época ainda não tinham perdido a trágica figura, aquele que queria ser Quixote contra os moinhos, mas em vez de Pança tinha Dallagnol como parceiro. Este Quixote não lutou contra moinhos de vento, ele criou moinhos de vento. Diante das mensagens, testemunhos e principalmente do abandono governamental e de parte do espectro político de direita, Moro foi se transformando mais e mais numa triste figura. Hoje parece um espectro caminhando de gabinete em gabinete e de tribunal para tribunal. Bem abatido mantém a esperança de ainda ressuscitar como político. No meio tempo, não se recusa a beijar a mão de Bolsonaro ou de Dino. Do jeito que está, a tal da direita que de moderada não tem nada, perde a grande esperança branca. Esta direita ainda não sabe se continua ou se abandona de vez o Bolsonaro. Na mídia, o cinismo impera. Para quem achava que uma visita a um vendedor de apartamento, e pedalinhos eram provas concretas e contundentes para avalizar a prisão de um ex presidente, agora acham que roubos de jóias, inúmeras entrevistas e lives, trocas de mensagens, reuniões com embaixadores, reuniões ministeriais são apenas provas circunstanciais. Segundo Octavio Guedes, planejar um golpe de estado não é crime. Tem-se que provar que o mandante fez parte da execução. Algo assim como: ele atirou para matar, mas errou o tiro, portanto isto não é crime. E assim Octavio Guedes, se torna influencer Bolsonarista. Afinal, isto é tudo que os Bolsonaro e bolsonaristas querem ouvir. No momento todos sabem que a minuta do golpe andou pela mão e cabeça dos Bolsonaros, mas como diz o Octavio Guedes, não tem a assinatura.
Enquanto as provas vão se acumulando, e enquanto no Guarujá, litoral de São Paulo, a mortandade continua sob comando direto de Tarcisio, segundo a mídia, o problema de segurança do país é Lewandovski. Não tiveram sequer tempo para desfazer as suspeitas de coincidência. Na semana da posse bateram em Lewandovski sugerindo fraqueza diante do crime organizado, na semana seguinte uma fuga rocambolesca ocorre numa prisão de segurança máxima. A mídia sabe, tanto quanto todos nós, que a fuga não teria ocorrido se não houvesse conivência e auxílio de funcionários. Isto pode ter sido um auxílio conveniente na semana da posse do Ministro. Isto se tornou a notícia principal durante a semana. Deputados já pedem a vinda do ministro para explicações, que já foram dadas. A imprensa questiona os presídios de Segurança Máxima. Segundo Guedes e Dualibi, o ministério tem que dar uma resposta para uma sociedade brasileira alarmada!!!!. Segundo eles é uma vergonha, o alambrado. Com duas camadas e mais rolos de arame farpado, me lembravam os filmes de campo de prisioneiros, mas na descrição deles era apenas o alambrado do campinho de futebol.
O desgaste de Lewandowski obviamente tirou do foco a reunião Ministerial, e a saia justa dos militares. Para complementar, a imprensa notícia o assédio a uma baleia e o envio de R$800 mil reais para a conta nos Estados Unidos. Todos sabemos que com uma única frase, Bolsonaro vai afirmar que queria fazer um carinho na baleia e que o envio foi legal. Isto vai destruir esta notícia e dar força ao discurso de perseguição política. Bolsonaro não se preocupa com questões éticas, mas apenas com questões legais. Pouco importa o timing e a quantia, ele vai apenas afirmar que foi feito tudo licitamente. Me pergunto se não havia uma proibição de contas no exterior para presidentes da república. Acredito que deva existir uma legislação que regula contas no exterior de presidentes da República. Não li nada na imprensa sobre isto.
Na próxima semana, quando estas notícias forem ‘velhas’, aquele grupo de jornalistas, que se reúne no Studio I para bater um papo, vai voltar a descrever o país apenas como o palco da briga de Lira e seus seguidores contra o governo. Este ringue já foi montado faz tempo. Gostaria que alguém fizesse os cálculos de quantas vezes o nome Lira aparece no noticiário. O orçamento secreto, jamais analisado em profundidade pela imprensa, já está quase esquecido. Ele é relembrado apenas para culpabilizar o governo. Todas as mudanças reais, no campo econômico, social, educacional na saúde parecem ser apenas decorativos no noticiário. No fundo estes jornalistas só mostram que a imprensa se especializou em, divulgando narrativas, criar realidades convenientes. A rapidez dos acontecimentos tem contraditado muito das narrativas, mas mesmo assim o conjunto de bravos jornalistas não se intimida e em dias diferentes contradizem o que disseram em dias anteriores. Estes bravos jornalistas são muitas vezes tutelados pela presença marcante de Merval Pereira e Camarotti. Estes dois últimos são chamados para botar ordem na casa. O mote principal destes últimos é querer igualar o PT a Bolsonaro. Não se importam de mentir. Merval em sua última aparição disse, com todas as letras, que Dilma, consultou Villas Boas pois queria decretar estado de emergência para não sofrer impeachment. Acho que foi este lado ficcional de Merval que o levou à Academia Brasileira de Letras. Em tempo, gostaria de dizer que acho muitos destes jornalistas no Studio I muito simpáticos e confesso que sempre fico esperando mais deles. Mas aviso que estou cansando.
Que ninguém se engane, a imprensa continua sobretudo a criar narrativas e a defender o neoliberalismo. Com ou sem Bolsonaro ela vai defender o neoliberalismo até o fim e sobretudo vai impedir e ou censurar um verdadeiro debate sobre o assunto. Ela será apenas propaganda ideológica do terraplanismo econômico, pois ainda sonham com a terapia de choque. O sobe desce das bolsas e as falas do tal Mercado, pontificam os noticiários.
No começo do governo Lula divulgaram uma pretensa tendencia ditatorial de Lula, apostaram de novo no desastre econômico, e no isolamento internacional. Passaram a tentar controlar o governo e ditar como deveriam ser as reformas. Apoiaram em tudo o grupo de Lira, sem jamais dizer que apoiavam. Mas o objetivo é usar a figura de Lira para vender uma imagem de governo fraco e incapaz de fazer qualquer coisa. No fundo querem controlar a pauta do governo. A realidade do país é bem diferente da narrativa, porém devemos temer o poder das narrativas. Elas terminam por pautar o que escrevemos. A todo momento somos obrigados a responder sobre algo que sequer existe. “E la Nave va”.
Frederico Firmo – Possui graduação em Bacharelado Em Física pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em Pos Graduação Em Física pela Universidade de São Paulo (1979) e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (1987). Atualmente é professor associado I da Universidade Federal de Santa Catarina.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Um banho de lucidez!
Parabéns Frederico sempre lúcido em suas análises
Achei interessante o foco, em termos televisivos, na Globo. E o resto? E os articulistas de Folha e Estadão (alguns de vomitar, por sinal).
Merecem sim um outro artigo.
Excelente análise!