Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Filme ‘A Mulher Rei’ é a ‘smoking gun’ da Era Joe Biden, por Wilson Ferreira

É uma peça de propaganda dos chamados “Novos Democratas”, cujo apoio aos movimentos identitários serve para “colorir” a geopolítica do “Big Stick” ("Grande Porrete")

Filme ‘A Mulher Rei’ é a ‘smoking gun’ da Era Joe Biden

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Sempre soubemos que Hollywood é o braço ideológico do império americano. Principalmente quando suas produções entram no terreno da História: começam a torcer os fatos para que se transformem em contos morais que justifiquem as agendas políticas do presente. O filme “A Mulher Rei” (The Woman King, 2022) é o mais novo exemplo, mas com uma torção histórica tão exagerada que virou a verdadeira “smoking gun” (objeto ou fato que serve como prova conclusiva de um crime) da propaganda política da Era Joe Biden – que acabou gerando um crescente movimento de boicote ao filme nos EUA: “#BoycottWomanKing”. O filme transforma o Reino de Daomé e seu exército de amazonas “Agojies” em um libelo do empoderamento feminino e da luta racial (historicamente, a violenta economia de Daomé era baseada na captura e comercialização de escravos para o tráfico europeu). “A Mulher Rei” é uma peça de propaganda dos chamados “Novos Democratas”, cujo apoio aos movimentos identitários serve para “colorir” a geopolítica do “Big Stick” (“Grande Porrete”), vigente desde a Era Roosevelt. 

Se havia alguma dúvida de que, ao longo do século passado, Hollywood se tornou o braço ideologicamente armado do governo dos EUA, isso acabou quando o filme Argo (uma reconstituição dos eventos em torno do resgate de diplomatas norte-americanos reféns na Revolução Islâmica de 1979) ganhou o Oscar com anúncio através de link ao vivo de Michelle Obama: ela abriu o envelope da premiação, diretamente da Casa Branca. 

    Faltava a “smoking gun” hollywoodiana da Era Joe Biden, como foi Argo para a Era Obama. E A Mulher Rei (The Woman King, 2022) é esse filme. Para começar, no poster promocional: a protagonista soldada, mulher negra empoderada, repousando um pesado facão no ombro. Lembrando simbolicamente um grande porrete (o “Big Stick”) nome dado à política externa do presidente Theodore Roosevelt (1882-1945) que virou o paradigma diplomático do país: “fale com suavidade, e carregue um grande porrete, assim irás longe.  Lema originário na África Ocidental, coincidentemente onde localizava-se o Reino Daomé, região onde desenvolve-se a narrativa de Mulher Rei.  

A protagonista Nanisca (a grande atriz Viola Davis, numa performance impactante) não tem exatamente essa suavidade: é uma general de um destacamento de ferozes amazonas que defendem um jovem rei de seus inimigos, o Império Oyo, que trafica escravos para vende-los às potências coloniais europeias.

Porém, é a versão hollywoodiana mais perfeita da política dos “Novos Democratas”, o neoliberalismo progressista: o empoderamento do multiculturalismo e do direito das mulheres como nova aliança política entre o Big Money do financismo, classes médias de subúrbios e os novos movimentos sociais – emprestando um carisma jovem com a boa fé moderna e progressista. Porém, sem abandonar o “Big Stick”: de um lado a indústria armamentista que mantém guerras e revoluções híbridas por todo o planeta e a elite financeira de Wall Street, responsável pela explosão das bolhas financeiras que produzem mais crises e violenta concentração de renda – O Fórum Econômico de Davos chama isso de “Grande Reset Global”.

É como fosse um poderoso avião B52 jogando bombas, porém com a fuselagem pintada com as cores do arco-íris LGBTQIA+…  

Como toda peça de propaganda, A Mulher Rei tem que fazer uma radical torção histórica para fundamentar e justificar esse verniz identitário no qual se baseia a ideologia da Era Joe Biden e dos Novos democratas. Como se em toda a História já existissem latentes essas lutas identitárias libertárias representada na atualidade pelo governo Biden.

E essa torção histórica está na caracterização exército das amazonas chamadas “Agojies” e o Reino do Daomé, onde é hoje Benin, que existiu entre 1600 e 1904. Uma potência regional cuja economia era baseada na conquista e comercialização de escravos para o comércio europeu. Exatamente o contrário do que é mostrado no filme, no qual o jovem rei Ghezo (John Boyega), cuja chegada ao trono foi auxiliada pelas Agojies, é convencido a abandonar o comércio de escravos para comercializar ouro e óleo de palma (azeite de dendê).

E por isso, atrai o ódio do renitente Império Oyo, cujo cruel rei Oba Adei (Jimmy Odukoya) mantém o tráfico de escravos para os portugueses e quer capturar as bravas amazonas para transformá-las também em matéria-prima para o seu comércio.  

  A torção histórica é tão violenta que acabou criando um crescente movimento de boicote ao filme: “#BoycottWomanKing”, hashtag criada por grupos de luta racial e feministas nos EUA. Acusam os figurões de Hollywood de “glorificar e branquear” a “verdade” por trás do envolvimento do Daomé no tráfico de escravos.  Na vida real, as Agojies eram conhecidas pelo seu destemor – trupe de guerreiras notória por invadir aldeias próximas em busca de escravos. Em tempos de guerra, elas cortavam a cabeça de seus resistentes e os devolviam ao rei como troféus.     

Uma série de usuários criticaram a produtora do filme Sony e Prince-Bythewood por tentarem “reescrever” o passado sórdido das Agojies. Por exemplo, o podcaster Anthony Moore chamou o épico histórico de “o filme mais ofensivo para os negros americanos em 40-50 anos” – clique aqui.  

Viola Davis ignorou as críticas durante grande parte da semana do lançamento da produção. Mas as críticas chegaram a tal nível que ela não podia mais ignorá-las. Então, ela e os outros membros do elenco passaram a dar entrevistas respondendo às críticas. Mas suas respostas foram muito decepcionantes.

Por um lado, Viola afirma que a crítica é injusta porque outros filmes históricos que glorificam assassinos e colonizadores não receberam a mesma quantidade de críticas. É o argumento do “whataboutism” no qual tenta-se defender um filme pelo seu próprio mérito. Porém, outros filmes que glorificam personagens questionáveis não justificam que A Mulher Rei faça o mesmo – principalmente pela violenta torção histórica, típica da retórica de propaganda. No caso, propaganda política.

Viola ainda tentou descartar toda a crítica como nada mais do que tagarelice no Twitter. Além de tentar pintar o filme como uma história de “empoderamento feminino”.

O Filme

Logo na primeira cena Mulher Rei mostra para o quê veio: um grupo de homens descansa no centro de um campo perto de uma fogueira. Eles ouvem farfalhar na grama alta; eles veem um bando de pássaros voando com uma brisa. De repente, a ameaçadora general Nanisca, uma feroz mulher cansada do mundo, emerge da vegetação armada com um pesado facão. Um pelotão inteiro aparece atrás dela. 

A matança que se seguiu dos homens (as mulheres na aldeia são deixadas ilesas), está encharcada de sangue, fazendo parte de uma missão para libertar parentes de Daomé presos pelo inimigo rei Oba Adei. Nanisca, no entanto, perde tantas companheiras na ação que decide treinar um novo lote de recrutas. 

Após a emocionante cena de batalha de abertura, o enredo de Mulher Rei torna-se intrincado. Mas seus excessos servem aos objetivos de sucesso de bilheteria do filme. 

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