Jogos Vorazes 3, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O primeiro filme da saga Jogos Vorazes me despertou interesse suficiente para que o comentasse no Observatório da Imprensa. O segundo seguiu mais ou menos o mesmo padrão do primeiro, razão pela qual me abstive de comentá-lo. O terceiro, que estreou ontem no Brasil, merece algumas observações.

No novo filme, a heroína não mais disputa os jogos cênicos da Capital ou as violentas disputas mortais com  os campeões dos outros distritos e que eram realizadas em ambientes controlados e manipulados pelos produtores do espetáculo. Desta vez ela joga um novo tipo de jogo, bem mais perigoso. A rebelde se tornou uma líder, a líder desafiou o poder constituído e sofreu as consequencias. Agora Katniss Everdeen conhece os verdadeiros inimigos do Chefe de Estado que foi desafiado e que reagiu de maneira violenta. Arrastada para a guerra civil, ela se vê compelida a se tornar a voz dos inimigos da Capital. A guerra, porém, com suas destruições, torturas e massacres é algo muito doloroso.

O processo de aprendizado da heroína está quase completo. Mas ela ainda é um instrumento nas mãos das pessoas que estão a sua volta. Entre uma e outra cena de guerra, os jogos emocionais dominam o terceiro filme. Katniss se vê cada vez mais envolvida pelas dissimulações, chantagens, mentiras, meias verdades e situações em que ela não tem o controle da situação e é levada a reagir. Curiosamente, ela se torna uma arma letal de propaganda não quando é ensaiada, mas ao reagir de maneira espontânea e impulsiva.

É evidente que o Distrito 13 é diferente da vida no Distrito original de Katniss e da vida na Capital. O estilo de vida desta sociedade que a envolve agora não é nem rural/natural/saudável, nem fashion/midiática/teatral. O Distrito 13 (qualquer semelhança com o número do PT deve ser mera semelhança) é uma proto-ditadura militar com aquele típico socialismo que existe entre os militares de todos os países (inclusive os EUA). Ao saudar sua líder quando ela discursa, os cidadãos do Distrito 13 repetem alto um grito de guerra que soa como Cuba ou Rússia.

Apesar de alguma relutância, Katniss faz o que tem que fazer. Mas ao final descobre que seu companheiro dos dois primeiros filmes, resgatado corajosamente da Capital por soldados revolucionários, não é a mesma pessoa, nem está sendo tratado muito bem pelo governo do Distrito 13. A presidente do Distrito 13 fez promessas que não podia cumprir, pois não tinha o controle da situação onde os prisioneiros estavam. Ela é mais tolerante que o Chefe de Estado desafiado pela heroína, mas também recorre às estratégias da mídia para conduzir seu rebanho.

A inexperiência da Katniss Everdeen fica visível quando ela é aconselhada politicamente pela irmã mais nova – que é apenas uma menina – e faz uma exigência pueril para assumir a liderança simbólica da revolução. Não li os livros, portanto, não sei como a saga acaba. Em razão de alguns detalhes discursivos do terceiro filme fui levado a supor que ainda haverá uma  grande reviravolta. Em se tratando de uma obra produzida nos EUA com finalidade estética de refletir e realçar aspectos da mitologia cultural norte-americana para um público norte-americano ou norte-americanizado, os valores da democracia – que nunca deve sair de moda, segundo um personágem secundário bem próximo de Katniss – terão que superar aquela proto-ditadura militar do Distrito 13.

Como toda obra norte-americana que pretende valorizar a democracia, Jogos Vorazes parece não se preocupar em definir exatamente o que deve ser uma democracia. Talvez a autora tenha tido a necessidade ideológica de ser ambigua, pois no presente momento nos EUA democracia significa coisas que lembram muito o totalitarismo: vigilância eletrônica massiva dos cidadãos; elevadas taxas de encarceramento, especialmente de pobres e de negros; violência policial crescente; militarização da atividade policial; inesgotáveis guerras externas; aumento de despesas militares e redução de investimentos sociais; concentração de renda, desemprego, fome, desamparo e desespero de milhões de pessoas, muitas das quais morando em favelas, minas abandonadas, barracas de camping; etc… É esta democracia que produz sofrimento em massa e exclusão social programada nos EUA que a indústria do cinema norte-americano não quer mostrar e que de maneira sutil pretende valorizar?

O filme é sedutor (especialmente para os adolescentes que estavam no cinema), mas  tem alguns bons momentos. Associações irônicas com a realidade podem ser feitas pelos cinéfilos mais experientes e exigentes. Por exemplo: a cena dos civis incinerados pela Capital ao fugir do Distrito de 12 pela estrada lembra um pouco a horrenda Estrada da Morte em que milhares de militares iraquianos foram incinerados vivos pelos EUA quando se retiravam pacificamente do Kuwait. Não creio que algum adolescente consiga associar as duas coisas e perceber o toque de ironia que foi dado pela autora da obra ao usar esteticamente um fato real de maneira um pouco diferente.

A exemplo dos demais filmes da série, Jogos Vorazes 3 também brinca com a metalinguagem. Em alguns momentos, os personagens encenam histórias para os outros personagens e a encenação é vista como um teatro dentro do drama. A saga parece depender muito do entrelaçamento da metalinguagem cênica com o desenvolvimento da história que é narrada.

Os adolescentes que estavam na sala de projeção pareciam hipnotizados durante o filme. Eles reagiram de maneira bastante repressiva quando um rapaz no fundo soltava um arroto nos momentos em que Katniss encenava heroísmo ou exibia sua profundidade emocional em close para as câmeras em frente das câmeras com a finalidade de inspirar os revolucionários. A dinâmica criada na sala de projeção por aquele rapaz – que a princípio julguei ser um cretino sem educação – se revelou muito interessante. Não sei se ele agiu de maneira intencional, mas o timing dele foi perfeito. Ele sempre arrotava alto nos momentos de maior tensão cênica. E a platéia adolescente reagia irritada porque era desviada do hipnotismo criado pelo filme.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

9 Comentários

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  1. Prezado

    Prezado Fabio

    Lamentavelmente, os jovens que lotam as salas de cinema para assistirem ao filme, não possuem a menor ideia do que acabaste de muito bem escrever.

    Abração

    1. É preciso perdoar os jovens.
      É preciso perdoar os jovens. Eu mesmo fui jovem e não tinha a menor idéia de como os norte-americanos reforçavam sua ideologia e agrediam os adversários dos EUA através das séries de TV que vi na década de 1970.

  2. A maior visão é a visão do

    A maior visão é a visão do todo.

    Não se entende parte da história fora de toda história.

    Infelizmente tenho que concortar com o comentário de Mário Mendonça. A grande maioria dos nossos jovens, são míopes.

    Por isso temos um povo que honestamente se manifesta por mudanças, mas não sabe o que fazer para se chegar às mudanças.

    Em uma escola da minha cidade, houve uma palestra sobre Getúlio: Inocente ou culpado ?

    Pelo título e a atual conjuntura do país, fico imaginando com meus botões: quanta bobagem não pode ter sido dita…

  3. Acredito que a mensagem mais

    Acredito que a mensagem mais importante do filme está na concepção da “capital” onde a trama se passa: uma ditadura brava, que governa seus territórios como se fossem colônias.

    Muita desigualdade social. O povo é vigiado ostensivamente. O monopólio do uso da violência é tão brutal que faz nossa sociedade contemporânea parecer uma anarquia.

    Talvez isso seja o que a autora antevê como o futuro dos E.E.U.U, inclusive os 13 distritos lembram as 13 colônias que formaram o país (associar com o PT já é demais rs).

    Todo esse contexto me deixou curiosíssimo pra assistir a trilogia toda, confesso.

  4. Superestimação Voraz

    Me desculpem, mas não consigo ver a mesma profundidade que vocês veem do filme. Essa seria é um pouco acima da maioria dessas series atuias, mas ainda sim considero uma obra moralista (dando um expemplo, no final do livro termina com a protagonista se casando), e segue a mesma estrutura da jornada do heroi, com a protagonista descobrindo algo estraordinario, ao contrario da 99^% das obras de distopias. E mais uma coisa, só porque a autora coloca referencias da vida real, isso não pode ser motivo de tachar a oba como cabeça. Diria que Jogos Vorazes é o Naruto das distopias.

     

    PS:  Em um episodio recente dos Simpsons, mostra que a mensdagem dessa obra é mais o ramance que a politica.

  5. que porcaria!!!

    quase 50% das salas do país exibindo a mesma porcaria enlatada americana!!

    assim é fácil fazer um blockbuster. e o pior na reportagem eram os comentários.

    enquanto o representante da ancine reclamava da quantidade de salas com a mesma programação, e a criação de um regulamento para evitar isso, tentando manter uma pluralidade de opções. do outro lado os leitores comentavam que o aparelhado orgão petista queria escolher o que o cidadão poderia assistir.

    http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/11/1549904-para-ancine-ocupacao-de-salas-por-jogos-vorazes-e-predatoria.shtml

  6. Bom saber o que anda

    Bom saber o que anda abastecendo a cabecinha da juventude. Com os desacertos que possa ter a cultura norte-americana, é ela que enfeitiça nossas crianças e adolescentes com seus blockbuster. Não custa tentar compreender a sua dinâmica. Bom post.

    É o parecer do ainda jovem pai de um filhinho de dois anos e meio de idade!

  7. Quase bom

    Nao vi essa profundidade toda na personagem de Jennifer Lawrence, nesse ponto o primeiro filme é muito melhor. Profundo foi o ex-namorado, que a rejeitou em duas cenas (após a caçada, em frente ao lago, e na casa onde trocaram o primeiro beijo). E ainda foi voluntariamente salvar o concorrente. Se isso não for “amor verdadeiro”, não imagino o que seja.

    O filme seria melhor se nao tivesse sido dividido em dois (o que afinal virou moda), para engordar os lucros dos estúdios. Mesma coisa com THE HOBBIT.

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