A lógica da empresa pública e da privada, por Luís Nassif

A regra é simples: serviços essenciais, em setores sem competição, tem que ser entregues a empresas públicas.

Vamos, primeiro, a uma constatação óbvia, mas bastante manipulada nas discussões sobre privatização x estatização: estamos em uma economia de mercado. Não se está discutindo socialismo x capitalismo.

Em uma economia de mercado, há uma convivência entre Estado e setor privado. O grande desafio é encontrar a melhor solução, entender onde cabe o setor privado e o setor público.

Durante algum tempo me entusiasmei com algumas experiências de gestão da saúde. Quando Paulo Maluf, prefeito de São Paulo, lançou seu primeiro projeto de Organização Social, ousei o primeiro e último elogio a ele.

Na teoria, era uma beleza. Terceirizava-se a saúde, mas dentro de métricas supostamente claras de entrega de serviço, incluindo pesquisas de opinião com o público assistido. Mais tarde, criou-se o modelo com conselhos de participação montados nos diversos bairros da cidade.

Não funcionou. Houve abusos de toda ordem, os conselhos não tinham voz ativa, nunca foram divulgados indicadores de desempenho. Os abusos prosseguiram por várias administrações, incluindo a de José Serra.

Aí, cheguei à primeira conclusão. Não adianta falar em modelos de gestão em um setor – o político – com baixíssima transparência. O setor público é mais burocratizado, sim, em grande parte porque dispõe de vários sistemas de controle. Nas OSs, bastava um pacto entre a organização e o prefeito ou governador.

 Com o tempo, outros inconvenientes apareceram claramente em serviços públicos privatizados. A ideia de que a empresa privada é mais eficiente que a pública esbarrava em um dilema: eficiente para quê?  Ora, a medida de eficiência de uma empresa é o lucro. Há duas maneiras de melhorar o lucro: sacrificando o serviço ou aumentando os preços. E o lucro se esvai na forma de dividendos para os acioniostas – e não em melhoria dos serviços.

A partir dos anos 90, as empresas privadas passaram a ser tomadas pela lógica Jack Welch – o gestor que assumiu e quebrou a General Eletric. Compra-se uma empresa pública, em funcionamento, e trata-se de depená-la, reduzindo a manutenção, cortando investimentos, reduzindo o corpo de funcionários, esmagando os fornecedores e precarizando os serviços.

Depois de depenada, a empresa volta para o Estado, como ocorreu com a Light, no Rio, e certamente irá ocorrer com a Eletrobras, com a Enel e com a Sabesp, se houver a loucura da privatização.

A regra, então, é simples: serviços essenciais, em setores sem competição, tem que ser entregues a empresas públicas. E cabe ao Estado criar condições financeiras e fiscais para investimentos privados em setores adequados.

A federalização da Cemig

Minas Gerais está com as contas arrebentadas e uma dívida de R$ 160 bilhões com o governo federal. Ao mesmo tempo, o improvável governador Zema, pretende privatizar a Cemig. Há uma maneira objetiva de preservar o setor elétrico e resolver as dívidas de Minas: negociar a federalização das elétricas e das grandes empresas mineiras de serviços básicos.

Leia também:

Luis Nassif

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Problema maior, Nassif, é a lógica neoliberal do famigerado ministro evangélico que Bolsonaro enfiou no STF. Explico.

    É evidente que os juros estratosféricos impedem a retomada industrial brasileira e favorecem indiretamente a exportação de produtos industriais chineses para o Brasil (pois naquele país os empresários têm acesso a dinheiro mais barato do que os concorrentes deles no Brasil). Sendo assim, protocolei uma petição no STF.

    Referida petição visava restabelecer alguma racionalidade e justiça no sistema financeiro. Requeri a intimação do presidente do BC e da Embaixada da China. Já que está beneficiando os industriais chineses e prejudicando o empresariado nacional, Roberto Campos Neto deveria ser pago pela pelo governo da República Popular da China e não pelos contribuintes brasileiros.

    A petição foi indeferida pelo famigerado ministro evangélico. André Mendonça simplesmente se recusou a discutir os aspectos macro-econômicos levados ao conhecimento da Suprema Corte. Em razão de ignorar fundamentos básicos de economia, aquele especialista em “direito bíblico” desprezou o impacto negativo dos juros elevados praticados no Brasil pelo BC numa fase em que a China (concorrente do nosso país) pratica juros muito baixos. Sendo assim, André Mendonça considerou “teoria da conspiração” uma verdade factual.

    Ao que parece, o STF é um chiqueiro dos banqueiros e especuladores. André Mendonça não pode discutir a taxa de juros que benefia os donos da Mínima Corte, mesmo que ela prejudique a economia industrial brasileira. “Quod erat demonstrandum”, num Tribunal neoliberal não existe espaço para qualquer racionalização jurídica favorável ao desenvolvimentismo. Portanto, o relator da minha Pet só podia mesmo proferir uma decisão atacando o advogado que ridicularizou a política de juros do nóia que comanda o BC.

    Segundo o estudioso oitocentista Albéric Allard (Histoire de la Justice Criminelle au Seizième Siècle), ao se referir às características do Direito Penal medieval entre os alemães e citando Montesquieu, “fazer justiça nada mais era do que conceder àqueles que cometeram um crime proteção contra a vingança do ofendido, e obrigar este último a receber a satisfação que lhe era devida, de tal forma que, entre os alemães, ao contrário de todos os outros povos, a justiça serviu para proteger o criminoso daquele a quem ele havia ofendido.”

    Ao dizer que a PET 11544 / DF deve ser indeferida porque “…na exordial, o requerente redige suas alegações por meio de ilações circunstanciais e conspiratórias, em cenário confuso…” o miniministro que se limitava a ler fragmentos da Bíblia em sustentações orais no STF quando era AGU do capitão genocida julgou o autor e não a pretensão que lhe foi submetida. Mas na verdade André Mendonça fez muito mais do que isso. A decisão dele é baseada na tradição germânica rejeitada por Albéric Allard e por Montesquieu. Afinal, só existe uma maneira de proteger o presidente do BC: não investigar a política de juros que ele pratica em benefício dos especuladores brasileiros (e indiretamente dos industriais chineses).

    Esse STF faz-me rir. Eis aqui a pérola da lavra de André Mendonça.
    https://www.linkedin.com/posts/f%C3%A1bio-de-oliveira-ribeiro-272376155_peti%C3%A7%C3%A3o-indeferida-activity-7131285430280355840-HCPW?utm_source=share&utm_medium=member_desktop

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador