Entrevista: Modelo de privatização da energia elétrica já nasceu falido

Monopólio privado e desobrigação de investimentos na estrutura da rede comprometem a qualidade do serviço prestado à população

Crédito: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Na noite desta segunda-feira (6), a Enel emitiu um comunicado à imprensa para informar que 300 mil pessoas ainda permanecem sem luz na região metropolitana de São Paulo, devido ao vendaval que atingiu a capital paulista e cidades vizinhas na última sexta-feira (3). 

É fato que a velocidade dos ventos, segundo a Defesa Civil do Estado, chegou a 103,7 km/h na capital paulista, recorde dos últimos cinco anos. Porém, a demora no restabelecimento do serviço essencial não foi um mero acaso, mas consequência não só da falta de investimentos da Enel na rede, como também resultado de uma privatização mal feita, como apontam os convidados do programa TVGGN 20H desta segunda. 

O  ex-presidente da Eletropaulo, Paulo Roberto Feldmann, comentou que a venda da estatal à iniciativa privada cometeu um erro básico, já que nem os Estados Unidos, descrito por ele como templo do capitalismo, privatizam concessionárias de energia elétrica. 

“Por que eles não privatizam? Porque não adianta privatizar uma empresa se não houver competição, concorrência. Você privatiza [uma estatal] porque terá competição e o consumidor será beneficiado. Se não tiver competição, o que é o caso, pois é impossível tecnicamente ter concorrência na energia elétrica, você privatiza e deixa de ter um monopólio do Estado para ser um monopólio privado”, comenta Feldmann.

A concessão de estatais de serviços essenciais também faz com que o dono “tenha com a faça e o queijo na mão”, dando-lhe a possibilidade de impor preços e reduzir investimentos e quadro de funcionários. “Vimos um caso muito clássico e típico no Amapá. Tivemos um apagão enorme por causa disso, porque os donos queriam aumentar os lucros sem fazer invstimentos”, comenta o ex-presidente da Eletropaulo. 

Precarização

Presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato também participou do debate e apontou o processo de precarização que a privatização da energia elétrica promoveu em São Paulo. 

O fato de as pessoas ficarem mais de 48 horas sem luz, apesar do vendaval, não foi um fenômeno natural, pois a falta de manutenção da rede fez com que a estrutura, que já estava comprometida, viesse abaixo. “Muitos dos problemas que ocorreram foi desligamento por cabo tocando um no outro, cruzeta partida porque estava podre, galhos de árvore tocando na rede ecomprometendo o circuito”, comenta Annunciato. 

A Enel também não investe na manutenção preventiva da rede elétrica na região metropolitana. Entre 1996 e 1998, a empresa, já sob gestão da AES Eletropaulo, tinha 12 caminhões de manutenção preventiva e apenas dois voltados para o atendimento de emergências. O cenário hoje se inverteu. 

“Dentro do modelo que já nasceu falido de privatização, foi colocado que tudo que é investimento colocado na rede, entra na revisão tarifária, na tarifa da energia elétrica. Tudo que é manutenção não entra na métrica da tarifa, pois está remunerado no dia a dia da conta”, aponta o sindicalista.

Esta definição, por exemplo, inviabiliza o processo de enterramento dos fios, processo que custaria até 30 vezes o valor de instalação da rede aérea.  

Falta de fiscalização

A Agência Nacional de Energia Elétrica, que deveria fiscalizar a atuação das concessionárias no Brasil e obrigá-las a investirem na melhoria do serviço, não tem fiscais suficientes nem para acompanhar o DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), métricas de qualidade para avaliar o serviço prestado. 

Eduardo Annunciato comenta ainda que a Enel reduziu de 7 mil empregados para 3900 próprios, perdendo a memória técnica. A concessionária também investiu em terceirização, em que os funcionários recebem aproximadamente um salário mínimo e meio (R$ 1.980). 

Para cortar custos, a empresa não quer mais bancar o fundo de pensão dos aposentados, fato que está sendo contestado pelo sindicato na Justiça. 

Outros processos recorrentes dos sindicalistas são contra as empresas terceirizadas, que deixam de pagar salários e recolher impostos dos colaboradores. “O nível de qualidade deste trabalhador que atende as pessoas é extremamente precário. A empresa deixa de pagar o vale-alimentação do empregado”. 

Alternativas 

Os entrevistados comentaram algumas saídas para a melhoria dos serviços das concessionárias de energia elétrica. A melhor delas seria a reestatização, que parece fora da realidade na conjuntura atual. 

Para Paulo Feldmann, um atenuante seria ter uma boa agência reguladora, que obrigasse as empresas de energia elétrica a cumprirem suas responsabilidades sociais, além de defender o direito dos consumidores e exigir que as concessionárias invistam na melhoria da rede e do quadro técnico de funcionários. 

“Mas isso não acontece. A Aneel foi completamente dominada pelas empresas. Foi sequestrada pelas empresas. Hoje, a Aneel é totalmente comandada pelas empresas de distribuição de energia elétrica do Brasil e não tem interesse nenhum em melhorar a situação para nós, porque o que ela quer é aumentar os lucros”, completa o convidado. 

Para o Annunciato, o uso da inteligência artificial para monitorar o tempo que os clientes ficam sem energia elétrica, pois cada cliente poderia ser indenizado pela privação do serviço, especialmente os das áreas periféricas, onde é praxe a falta de energia. 

Confira a entrevista na íntegra:

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Camila Bezerra

Jornalista

1 Comentário

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  1. OS MEDIDORES DA ENEL SAO SUPER EFICIENTES POIS CAPTAM A ENERGIA PARADA DOS FIOS(ENERGIA ESTÁTICA)OU SEJA COBRAM MESMO OS USUÁRIOS NÃO UTLIZANDO !!!

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