A melhor homenagem à Celia Cruz, a rainha da salsa, seria o fim do embargo a Cuba, por Nadejda Marques

Desde 1990, a Assembleia Geral da ONU vota e aprova resolução demandando o fim do embargo econômico dos EUA à Cuba e os EUA simplesmente ignoram esse apelo

A melhor homenagem à Celia Cruz, a rainha da salsa, seria o fim do embargo a Cuba

por Nadejda Marques

Ao se aproximar a data dos vinte anos da morte de Celia Cruz, a rainha da salsa volta às manchetes nos Estados Unidos devido a uma homenagem que recebe sendo selecionada para ser a primeira Afro-Latina a aparecer nas moedas de $0.25, um quarto de dólar ou a famosa quarter. A homenagem faz parte de um programa (American Women Quarter Program) que homenageia as conquistas e serviços prestados por mulheres americanas. Entre os anos de 2022 e 2025 serão homenageadas até cinco mulheres por ano. As moedas com o rosto de Celia Cruz devem circular a partir do final deste ano.

Celia Cruz não foi apenas uma das mais bem conhecidas apresentadoras latinas do século XX. Vencedora de vários prêmios em vida, como cinco Grammy Awards, uma estrela na calçada da Hollywood Walk e também prêmios e homenagens póstumas, Celia sempre foi muito celebrada nos Estados Unidos, sobretudo como símbolo anticomunista e queridinha da comunidade cubana exilada no país. No entanto, essa imagem da artista, como escreveu Daniel J. Fernández-Guevara, é demasiado simplista e não corresponde nem ao contexto de vida nem ao conteúdo artístico e interpretações de Celia Cruz.

Nascida em 1925, no bairro de Santo Suárez em Havana, Celia Cruz foi a principal vocalista da banda La Sonora Matancera, uma das bandas de swing mais importantes de Cuba nos anos 1950. Em Cuba, fazia parte da Juventude Socialista Cubana e cantava músicas de apoio à reforma agrária. Mas, em 1960, depois da Revolução Cubana, Celia Cruz saiu em um tour para o México e não voltou mais à ilha, estabelecendo-se nos Estados Unidos.    

A carreira nos EUA é repleta de contradições que começam com o fato de que Celia Cruz sempre foi de importância ímpar para a cultura Afro-latina enquanto que os exilados cubanos nos EUA eram majoritariamente brancos. Seu grito de guerra nas apresentações era: Azucar! – uma referência e reverência às pessoas escravizadas que trabalhavam nas plantações de cana e produção de açúcar. Além disso, embora a comunidade cubana nos EUA usasse sua imagem como exemplo do sucesso da era pré-Revolução, o amor, a saudade da terra natal e o desejo de retornar à Cuba faziam parte tanto da sua persona como da sua inspiração artística. Enquanto os cubanos em Miami pregavam a eliminação de todos aqueles que trabalharam ou colaboraram com o governo cubano, Celia Cruz cantava músicas de reconciliação como Yo Regresaré (1969), Canto a La Habana (1974),  Caminos para Volver (1983) e Por Si Acaso No Regreso (2000) e promovia artistas cubanos para audiências no exterior.

O embargo americano imposto à Cuba já dura mais de sessenta anos. Salvo durante um par de anos, quando Obama começou a reatar as relações com a ilha, o embargo apenas se intensificou servindo para criar uma grave crise econômica e humanitária em Cuba e denegrir ainda mais a imagem dos Estados Unidos no exterior. Desde 1990, a Assembleia Geral da ONU vota e aprova resolução demandando o fim do embargo econômico dos EUA à Cuba e os EUA simplesmente ignoram esse apelo da comunidade internacional por puro orgulho.

Estampar a imagem de Celia Cruz na moeda americana enquanto o país ainda impõe duro embargo contra Cuba não é um sinal de reconciliação, mas será que seria um sinal de que os tempos estão mudando?  Talvez.

Acertadamente, o Presidente Lula em visita ao Presidente Biden teria levantado, dentre outras questões, o pedido para que a diplomacia americana revisasse sua posição em relação à América Latina, inclusive em relação à Venezuela e à Cuba. Lula não teria sido o primeiro e a ideia já estaria plantada na Casa Branca. Uma prova disso seria a imagem do Presidente Biden que circulou depois do seu discurso anual à nação, na terça-feira passada. O Presidente Biden foi filmado em uma breve interação como o Senador Bob Menendez, Senador Democrata cubano-americano chefe do Comitê das Relações Exteriores. O Presidente Biden teria dito de maneira contundente: “Bob, precisamos conversar sobre Cuba.”

Conversem senhores. Conversem seriamente porque como Celia Cruz já cantava:

“Pronto llegará el momento
Que se borre el sufrimiento
Guardaremos los rancores
Y compartiremos todos
Un mismo sentimiento”

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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Redação

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